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Capítulo 1. Da observância e Perspectiva teórica

1.2. Perspectiva teórica

1.2.3. Teorias de Observância

1.2.3.1. Teoria Administrativa

A teoria administrativa da observância51 surgiu a partir da publicação de Abram Chayes e Antonia Handler Chayes na International Organizations, em 1993.52 “A teoria era administrativa na medida em que rejeitava sanções e outras formas rígidas de coação em favor da administração coletiva da (não) performance”.53

A premissa básica da teoria administrativa é a de que os Estados têm uma propensão a observar os compromissos internacionais aos quais aderem. Segundo Chayes e Chayes, nenhum cálculo pode fornecer sustento rigoroso à proposição de que os Estados obedecem às obrigações de tratados apenas quando é do seu interesse fazê-lo.54 Assim, os criadores da teoria administrativa da observância defendem:

Tratados são reconhecidos como juridicamente vinculativos para os Estados que os ratificam. Na experiência comum, as pessoas, em função da socialização ou por outro motivo, aceitam que estão obrigadas a obedecer à lei. Assim é com os Estados. É frequentemente dito que a norma fundamental é pacta sunt servanda (os tratados devem ser observados). Nos Estados Unidos e em muitos outros países, eles tornam- se parte do direito da nação. Assim, uma provisão contida em um acordo ao qual um Estado formalmente assentiu implica uma obrigação legal e é presumivelmente um

50 Tradução livre do seguinte texto: “(...) the normative power of rules and the importance of shared knowledge and discourse in shaping identity and interests”. (Ibid., p. 540). Ver também KEOHANE, Robert O.

International Institutions: Two Approaches. International Studies Quarterly, 32, 1988, p. 379-396; e

KRATOCHWIL, Friedrich V. Rules, Norms, and Decisions on the Conditions of Practical and Legal

Reasoning in International Relations and Domestic Affairs. Cambridge University Press, 1989.

51 As denominações aqui utilizadas para fazer referência às teorias da observância são traduções livres das denominações originais abordadas na obra de Raustiala e Slaughter.

52 RAUSTIALA e SLAUGHTER, 2002, p. 542.

53 Tradução livre do seguinte texto: “The theory was 'managerial' in that it rejected sanctions and other 'hard' forms of enforcement in favor of collective management of (non) performance”. (Ibid., p. 542).

28 guia para ações.

[…] Todavia, o argumento realista de que as ações nacionais são inteiramente governadas pelo cálculo de interesses (inclusive o interesse em estabilidade e previsibilidade trazido por um sistema de normas) é essencialmente uma negação da eficácia da obrigação normativa em relações internacionais.55

Essa propensão dos Estados para a observância deriva, segundo a teoria administrativa, de três fatores principais. Primeiro, como as normas internacionais têm origem a partir dos Estados, a lógica racional leva a crer que eles tenham interesse em observá-las. Segundo, a observância é eficiente, por uma perspectiva interna, na medida em que um acordo pode criar uma burocracia interna com interesse na observância. Terceiro, haveria um senso de obrigação que induziria os Estados a observarem os seus comprometimentos legais, o que estaria empiricamente explícito inclusive pelos seus esforços para se chegar aos acordos.

A teoria administrativa rejeita sanções e outras formas de coação em defesa de uma gestão coletiva do desempenho das partes.56 Conforme Chayes e Chayes sustentam, embora os Estados saibam que podem violar as suas obrigações em um tratado em situações extremamente desfavoráveis ao cumprimento, eles não negociam os acordos com a intenção de descumprir sempre que o compromisso se torne inconveniente.57 A teoria administrativa entende a observância como “uma continuidade com níveis apropriados ou toleráveis de observância através de um processo interativo, às vezes tácito”. A não observância ocorreria de forma inadvertida, e não proposital.58

Chayes e Chayes apresentam como causas principais da não observância a ambiguidade do tratado, as limitações na capacidade do Estado e a dimensão temporal.

55 Tradução livre do seguinte texto: “Treaties are acknowledged to be legally binding on the sates that ratify them. In common experience, people, as a result of socialization or otherwise, accept that they are obligated to obey the law. So it is with states. It is often said that the fundamental norm of international law is pacta sunt servanda (treaties are to be obeyed). In the United States and many other countries, they become a part of the law of the land. Thus, a provision contained in an agreement to witch a state has formally assented entails a legal obligation to obey and is presumptively a guide to action.

[…] Yet the realist argument that national actions are governed entirely by calculation of interests (including the interest in stability and predictability served by a system of rules) is essentially a denial of the operation of normative obligation in international affairs.” (CHAYES e CHAYES, 1993, p. 257).

56 RAUSTIALA e SLAUGHTER, 2002, p. 542. 57 CHAYES e CHAYES, 1995, p. 7.

58 Tradução livre do seguinte texto: “(...) a continuum with the appropriate or tolerable level of compliance set through an interactive, sometimes tacit process”. (RAUSTIALA e SLAUGHTER, op. cit., p. 543).

29 A ambiguidade ocorreria quando o tratado não fornece respostas determinadas para questões controversas específicas, quando a linguagem não é capaz de definir o sentido com precisão.59

As limitações na capacidade do Estado, por sua vez, estariam ligadas a um déficit na capacidade regulatória doméstica. Nesse ponto, Chayes e Chayes chamam atenção para o fato de os acordos regulatórios contemporâneos afetarem algo além do comportamento estatal, que é o comportamento dos indivíduos e entidades privadas, por exemplo, quando se trata de acordo para reduzir a emissão de determinados gases. Sendo assim, o Estado pode estar observando o tratado, tendo promulgado uma legislação interna, e, ainda assim, não estar logrando os efeitos desejados de acordo com as definições do tratado.60

Já no que diz respeito à dimensão temporal, Chayes e Chayes ressaltam que “mudanças significativas nos sistemas social ou econômico ordenadas por tratados regulatórios levam tempo” e que, por isso, a observação sobre um período determinado pode dar uma noção errada do que será a observância a determinado tratado.61 Nesse ponto, os autores destacam o fato de os tratados modernos, desde o Acordo relativo ao Fundo Monetário Internacional em 1945 até o Protocolo de Montreal em 1987 fazerem arranjos de transição e concessões para circunstâncias especiais.62

Outro elemento da teoria administrativa de Chayes e Chayes que se faz importante destacar é o fato de que ela afirma não existir uma delimitação rígida entre observância e não observância. Para Chayes e Chayes, haveria uma “considerável zona dentro da qual o comportamento é aceito como adequadamente conforme”.63

Nesse sentido, haveria um “nível aceitável de observância”, que seria variável de acordo com as circunstâncias. Assim, haveria, ao longo do tempo, uma mudança no “nível aceitável de observância”, de acordo com a urgência do problema em questão e a capacidade das partes envolvidas. Outros elementos que influenciariam seriam o tipo de tratado, o contexto, o comportamento correto esperado. Chayes e Chayes destacam ainda o caráter complexo e muitas vezes subjetivo da avaliação sobre a observância.64 59 CHAYES e CHAYES, 1995, p. 10. 60 Ibid., p. 14. 61 Ibid., p. 15. 62 Ibid., p. 15. 63

Tradução livre do seguinte texto: “(...) a considerable zone within which behavior is accepted as adequately conforming”. (Ibid., p. 17).

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30 A teoria administrativa propõe diversas maneiras de ampliar a observância. Para reduzir o problema da ambiguidade, por exemplo, Chayes e Chayes propõem a criação de normas mais específicas. Outra sugestão é um sistema de informação transparente. Chayes e Chayes afirmam que “a transparência influencia a interação estratégica entre as partes do tratado na direção da observância”, e apresentam os passos para se alcançar a transparência, como o acompanhamento da performance das partes por meio de relatórios e a auto denúncia,65 que será tratada mais adiante neste trabalho.