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Teoria Ator-Rede: da Ciência da Sociedade para o Rastreamento das Associações

No documento O Lado Oculto do Fóton (páginas 61-64)

2. Os Estudos da Ciência de Bruno de Latour

2.4. Teoria Ator-Rede: da Ciência da Sociedade para o Rastreamento das Associações

Até este momento, discutimos como a visão simétrica de Bruno Latour exige uma revisão profunda dos conceitos sobre a natureza. Deve-se ter em mente que sua visão simétrica exige, também, uma reformulação de nossa visão sobre a sociedade (Latour, 2013). Dessa forma, sua obra se opõe tanto à visão tradicional de epistemologia quanto à visão hegemônica da sociologia, pois ambas estão balizadas pela visão de mundo moderna.

De acordo com os modernos, qualquer fenômeno poderia ser explicado ou pelo polo natureza ou pelo polo sociedade ou por uma combinação imiscível de ambos (Latour, 2013). Assim, tanto a natureza quanto a sociedade eram tomadas como realidades autônomas, essenciais, pré-existentes e independentes.

Ao adotar a Filosofia das Proposições (Latour, 1999b) ou a Sociologia Simétrica (Latour, 1999b, 2013), natureza e sociedade não são mais os polos ontológicos que servem de fonte de explicação. Pelo contrário, eles são aquilo

56 que será construído e explicado de forma contingente e temporária (Latour, 2013). Ao fim de um processo científico a natureza e a sociedade serão construídas, serão estabilizadas, não podendo ser a fonte da explicação.

A noção de que existe uma realidade social, um contexto social, uma força social, que não podem ser reduzidos a outros campos é uma suposição a priori da visão hegemônica da sociologia moderna (como na Sociologia de Durkhein) contra a qual Latour se opõe tanto quanto a visão tradicional de ciência (Latour, 2005). Assim, por motivos bem distintos, Latour concorda com a frase de Margareth Tacher: “There is no such a thing as a Society” (Latour, 2005, p. 5).

Mantendo-se fiel à sua visão ontológica-epistemológica, Latour propõe uma mudança no significado de Sociologia, de Ciência da Sociedade para Rastreamento de Associações (Latour, 2005). O objetivo da Sociologia deve ser rastrear as associações existentes entre os diferentes atores que compõe uma rede e não buscar explicações sociológicas.

Deve-se observar, entretanto, que, diferentemente da Sociologia de Durkheim, em que há duas escalas sociais (o indivíduo e a sociedade), a rede não está em um escala social diferente da escala do ator, ela está no mesmo “nível”, apenas desdobrada de uma forma diferente (Latour et al., 2012). Tal pressuposto significa também trazer para dentro da sociologia todos os tipos de conexões, de ligações químicas a restrições jurídicas (Latour, 2005). Dessa forma, entendemos que os coletivos de humanos e não-humanos compõe um conjunto de atores heterogêneos que interagem entre si. É esse conjunto e suas associações que se tornam o objeto de análise dessa sociologia expandida. Com isso em mente é que Latour (Latour, 1993), Callon (Callon, 1986) e Law (Law, 1986) propõe a Teoria Ator-Rede (TAR), inspirados na sociologia de Gabriel Tarde (Tarde, 1999).

De acordo com Tarde (1999), os atores são entendidos como mônadas de Leibiniz (Latour et al., 2012), ou seja, os atores não interagem em uma rede, eles são definidos pela rede (Latour et al., 2012).

Digamos que acabamos de dizer que 'Hervé C.' é agora 'professor de economia na Escola de Administração de Paris'. No início da pesquisa, não é mais do que um nome próprio. Então, nós descobrimos que ele tem um "PhD da Penn University", "escreveu sobre os padrões de votação entre os detentores de participação corporativa", "demonstrou um teorema sobre a irracionalidade da agregação", etc. Se prosseguirmos através da lista de atributos, a definição se expandirá

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até que paradoxalmente irá se limitar a uma instância cada vez mais particular. Muito rapidamente, assim como no jogo infantil de Q e A, nós iremos zerar com apenas um nome para a única solução: 'Hervé C'. Quem é esse ator? Resposta: esta rede. O que, no início, era uma série de palavras sem sentido, sem conteúdo, um mero ponto, agora possui um conteúdo, um interior, ou seja, uma rede resumida por um nome próprio completamente especificado. O conjunto de atributos - a rede - agora pode ser entendido como um envelope - o ator - que encapsula seu conteúdo em uma notação abreviada (Latour et al., 2012, p. 592, tradução nossa).

Assim, a Teoria Ator-Rede propõe uma visão de como os atores devem ser entendidos. Não existem atores e suas redes, atores são redes. Aquilo que é visto como um ator a uma certa distância, se torna uma rede quando nos aproximamos. Dessa forma, o ator não é um ente fixo, rígido, com uma essência pré-existente e com propriedades autônomas; mas algo provisório, construído, que demanda esforço para ser estabilizado e para continuar existindo, exatamente, como as Proposições de Whitehead. Uma proposição só existe mediante a articulação com outras proposições da mesma forma que um ator só existe mediante a associação com outros atores.

Para fazer uma pesquisa usando a TAR, é necessário que essa visão de mundo esteja incorporada na pesquisa. Um trabalho de TAR não precisa sequer usar os termos de Latour, desde que incorpore sua visão de mundo. O próprio Bruno Latour propõe três testes para identificar se um trabalho está em consonância com o que ele propõe17. O primeiro teste é analisar como os não-

humanos são tratados: em um trabalho de TAR, os não-humanos tem agência e historicidade e são tratados em simetria com os humanos. O segundo teste é analisar o sentido em que a pesquisa se move: em um trabalho de TAR, o pesquisador deve ir em direção à estabilização do conceito da natureza e da sociedade e não partir de concepções pré-definidas. E o terceiro teste é analisar se a pesquisa é agregadora ao invés de ser desconstrutora e destrutiva18.

Partindo dessa concepção, Latour desenvolveu uma versão didática da TAR, que ficou conhecida como Cartografia das Controvérsias (Venturini, 2009), a qual pode ser resumida em apenas uma indicação: “apenas observe e descreva as controvérsias”. (Venturini, 2009). Longe de estar associada com a visão da

17 Usamos estes testes na interpretação dos artigos da Revisão de Literatura na próxima seção. 18Provavelmente, Latour explicita essa condição para se afastar de concepções pós-modernistas e pós- colonialistas às quais ele é erroneamente associado.

58 observação não mediada, a cartografia das controvérsias propõe justamente o contrário:

Privado da proteção de conceitos e protocolos, a observação não é mais pura. Pelo contrário, abre-se a todos os tipos de interferências e impurezas. Longe de ser uma substância clara destilada do caos coletivo, o conhecimento científico é o resultado de tantas contaminações quanto possível. Tal é a lição de "apenas": os dispositivos de observação são mais valiosos, quanto mais eles deixam que aqueles que são observados interfiram com aqueles que observam (VENTURINI, 2009, p. 60, tradução nossa).

Tal proposta pode ser ainda desdobrada em três indicações: você não deve restringir sua observação a uma única teoria ou metodologia, observando o maior número de pontos de vista possível e escutando as vozes dos atores mais do que suas suposições teóricas. A complexidade e a quantidade de dados que uma cartografia das controvérsias ou a Teoria Ator Rede podem demandar tornam-nas propícias para serem exploradas valendo-se de recursos digitais (Venturini, 2009; Latour et al., 2012).

No documento O Lado Oculto do Fóton (páginas 61-64)