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Em sua teoria, Vergnaud (1982, 1986, 2007, 2011, 2013) parte da ideia central de que a conceitualização é o cerne da cognição. Sua investigação no campo da didática avança em relação aos trabalhos de Piaget em duas direções: toma como referência o próprio conteúdo do conhecimento e desloca o interesse das pesquisas para o estudo do funcionamento cognitivo do “sujeito-em-situação”, considerando as variáveis da situação, as informações disponíveis no repertório de esquemas do sujeito, as operações de pensamento necessárias

para a resolução da situação, bem como a especificidade dessas variáveis e dessas operações (FRANCHI, 1999).

Vergnaud desenvolveu sua teoria também apoiado em Vigotski, considerando a importância atribuída “à interação social, à linguagem e à simbolização no progressivo domínio de um campo conceitual pelos alunos” (MOREIRA, 2002, p. 8). A tarefa do professor, nesse percurso, consiste em “ajudar o aluno a desenvolver seu repertório de esquemas e representações [...]. A linguagem e os símbolos são importantes nesse processo de acomodação e o professor faz amplo uso deles na sua função mediadora” (ibid., p. 17).

Um campo conceitual é definido como um conjunto de situações, que requer um conjunto de conceitos interligados, que formam um sistema, correspondendo a uma estrutura para estudar o processo de ensino-aprendizagem e para descrevê-lo em termos das especificidades dos diferentes conteúdos de conhecimento. Pode também ser entendido como um conjunto de conceitos que constituem um sistema, o qual se refere a uma diversidade organizada de situações, que decorrem da atividade do sujeito nelas.

Dentro de determinado campo conceitual, o saber forma-se a partir de problemas a resolver e situações a dominar, o que representa que “uma pessoa adquire um conceito quando é capaz de dotar de significado um material ou uma informação que lhe é apresentada, ou seja, quando “compreende” esse material; e compreender seria equivalente, mais ou menos, a traduzir algo para suas próprias palavras” (POZO; CRESPO, 2009, p. 82).

Escrito de outra forma, um campo conceitual é um conjunto de situações cujo domínio requer uma variedade de conceitos, de procedimentos e de representações simbólicas em estreita conexão, de modo que (i) uma dada situação não envolve todas as propriedades de um conceito, o que indica que para abordar todas essas propriedades são necessários vários tipos de situações; (ii) uma situação geralmente não envolve apenas um conceito, de modo que sua análise requer vários deles e; (iii) a formação de um conceito demora um período de tempo longo, com avanços e retrocessos, interações e desníveis.

Um conceito é constituído pelo tripleto C = (S, I, R), no qual S é conjunto das situações que tornam o conceito significativo, I é o conjunto dos invariantes operatórios que constituem o conceito e R é o conjunto das representações simbólicas usadas para representar o conceito, suas propriedades e as situações às quais ele se refere. As situações são quem dão sentido ao conceito; os invariantes operatórios constituem as diferentes propriedades do conceito; e as representações simbólicas são usadas para indicar os invariantes operatórios.

Se os conceitos tornam-se significativos pela utilização de diversos tipos de situações, estas são a principal entrada de um campo conceitual. No entanto, não se pode apresentar

sempre o mesmo tipo de situação e também não se devem oferecer situações muito complexas, uma vez que o conhecimento evolui na medida em que novas situações fazem com que os sujeitos se vejam desprovidos de indicativos de solução.

A influência de Vigotski no trabalho de Vergnaud fica evidente no “papel do professor como mediador, provedor de situações problemáticas frutíferas, estimuladoras da interação sujeito-situação que leva à ampliação e à diversificação de seus esquemas de ação” (MOREIRA, 2002, p. 22), o que quer dizer que a teoria dos campos conceituais

é cognitivista e interacionista, pois explica o processo mental da conceituação do real (as interações das estruturas cognitivas prévias com a estrutura conceitual do conhecimento através de situações-problema), como resultado das interações na sala de aula, onde alunos e professores trazem suas compreensões de mundo. Os estudantes, com suas concepções prévias e resignificação de conceitos, e o professor, com sua interpretação dos conhecimentos científicos e dos conhecimentos prévios dos alunos, para que, através desta compreensão, possa elaborar situações- problema que se conectem a ambas (TAUCEDA; DEL PINO, 2014, p. 258). Um esquema corresponde a uma organização invariante do comportamento para certa classe de situações e apresenta quatro componentes: (i) meta(s); (ii) regras para gerar ações, procura de informações e controle; (iii) invariantes operatórios (conceitos-em-ação e teoremas-em-ação) e; (iv) possibilidade de inferências. Os esquemas, os comportamentos e sua organização evocados no sujeito por uma situação ou por um significante constituem o sentido dessa situação ou desse significante.

Ainda que se tome como destaque o par teórico situação/esquema, não se deve depreciar o papel da linguagem e de outras formas simbólicas na conceitualização e na comunicação. Isso significa que o professor tem duas funções essenciais no processo de ensino-aprendizagem: a escolha das situações propostas e a representação de sua estrutura conceitual por meio de formas simbólicas acessíveis.

Os teoremas-em-ação e conceitos-em-ação são componentes essenciais de um esquema, mas, no processo de conceitualização do real, permanecem implícitos ou mesmo inconscientes na organização de atividades. Um teorema-em-ação corresponde a uma proposição que pode ser verdadeira ou falsa, enquanto um conceito-em-ação (objeto ou predicado) é ou não é relevante. O professor deve, então, procurar os invariantes operatórios utilizados pelos alunos, identificando se os mesmos são suficientes para responder às novas situações ou ainda se servem como obstáculo cognitivo.