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A TEORIA DAS CAPACIDADES APLICADA NA QUESTÃO DOS ANIMAIS QUESTÃO DOS ANIMAIS

Anteriormente, apresentei as linhas gerais da teoria das capacidades, conforme desenvolvida por Nussbaum, contrastando alguns pontos divergentes em relação ao contratualismo. Este breve contraste é importante, pois, por meio dele, destacam-se as características do enfoque das capacidades de modo a ir definindo sua estrutura teórica. Também foram traçadas algumas críticas iniciais ao utilitarismo e suas limitações. Esta apresentação foi permeada pela consideração dos três problemas de justiça ainda não resolvidos e cuja tradição do contrato pouca contribuição tem a oferecer para conferir respostas significativas para às questões envolvendo indivíduos com deficiências, os relacionados à nacionalidade e por fim, os animais.

A partir de agora, entrarei mais precisamente no terceiro problema levantado por Nussbaum apresentando de que maneira, segundo a autora, a teoria das capacidades oferece uma resposta mais adequada para a questão dos animais do que as tentativas de solucioná- las a partir das teorias do contrato social e do utilitarismo. Darei mais atenção, no entanto, às críticas que a autora faz no que diz respeito à perspectiva utilitarista na abordagem da questão animal, uma vez que a própria autora reconhece que tal vertente filosófica proporciona mais conteúdo para se analisar esse problema do que o contratualismo. Neste capítulo, também será analisada a relação do conceito de dignidade e sua relação com os animais, onde serão discutidas perspectivas referentes à concepção herdada de Kant e Rawls. As respostas às criticas ao utilitarismo aplicado aos animais conforme realizado por Singer serão oferecidas no terceiro capítulo, onde averiguarei mais propriamente as críticas da autora a esta perspectiva, avaliando se elas, de fato, solapam a estrutura utilitarista e sua aplicação ao problema dos animais, e se realmente a teoria das capacidades oferece uma melhor resposta a este problema.

Ao final deste capítulo levantarei a problematização central da tese a respeito dos conflitos entre as capacidades humanas e animais e de que modo, então, a teoria de Nussbaum não corresponde à expectativa de oferecer uma resposta mais promissora e ampla para resolver o problema dos animais e corrigir as assimetrias apontadas por ela, principalmente no que se refere ao uso deles em experimentos científicos e na alimentação.

2.1 – O conceito de dignidade animal

Nussbaum inicia sua análise da questão animal no sexto capítulo de sua obra Fronteiras da Justiça, intitulado “Além da “compaixão e humanidade”: justiça para os animais não humanos”, trazendo dois relatos que levantam questões referentes à dignidade, aos direitos animais e do sentimento moral de compaixão e que servem de base inicial reflexiva para as questões que serão tratadas ao longo da discussão. No ano de 2000, a Suprema Corte de Kerala, no Sudeste da Índia, considerou que os animais usados nos circos do país estavam sendo destituídos do direito a uma vida com dignidade e merecimento de atos de compaixão. De acordo com o processo do tribunal, os animais:

[...] são alojados em jaulas apertadas, submetidos a medo, fome, dor, para não mencionar o modo indigno de vida que são obrigados a viver, sem descanso [...] Apesar de não serem Homo Sapiens, são seres com direitos a uma existência digna e a tratamento humano sem crueldade e tortura. Por essa razão, não somente é nosso dever fundamental mostrar compaixão pelos nossos amigos animais, mas, também, reconhecer e proteger os seus direitos [...] Se os seres humanos são merecedores de direitos fundamentais, por que não são os animais? (SUPREMA CORTE DE KERALA apud NUSSBAUM, 2013, p. 399, grifo meu).

Outro relato que levanta alguns conceitos, dessa vez mais antigo, é do ano de 55 a. C., trazido pelo historiador Plínio a respeito do líder romano Pompeu ter promovido um combate entre seres humanos e elefantes. O fato registrado por Plínio é o dos animais que, ao perceberem que não teriam uma rota de fuga das investidas dos lutadores, “imploraram a multidão, tentando ganhar deles compaixão através de gestos indescritíveis, chorando por causa de sua situação com um tipo de lamentação” (PLÍNIO apud NUSSBAUM, 2013, p. 400). O mesmo relato também está presente em Cícero, segundo o qual a plateia foi levada a sentir piedade dos animais ao mesmo tempo em que manifestou indignação e raiva da situação, amaldiçoando Pompeu. Ainda de acordo com a descrição de Cícero, aqueles animais manifestaram uma “relação de compartilhamento (societas) com a raça humana” (CÍCERO apud NUSSBAUM, 2013, p. 400). Embora

romantizados ou carregados de emocionalismos, esses relatos antigos podem ser considerados audaciosos para a época em que foram escritos e oferecem alguns insights acerca da forma como animais e humanos se relacionam e compartilham um determinado ambiente.

Inicialmente, é importante reconhecer o fato de que os seres humanos compartilham um mundo, ou seja, os seus recursos e os seus espaços, com uma diversidade enorme de outras criaturas também inteligentes e dotadas de outras características que consideramos importantes. Apesar de muitas diferenças, também é possível afirmar determinadas semelhanças em vários casos. Essas características compartilhadas podem ao mesmo tempo inspirar sentimentos de simpatia, compaixão e proximidade, gerando assim, algum interesse moral, mas também proporcionar a possiblidade de se criar situações em que tais criaturas são tratadas com ridicularização, tal como os espetáculos circenses que humanizam os chimpanzés e outros animais colocando-os em situações tipicamente humanas.

Algumas formas de relacionamento com membros de outras espécies também se dão por meio de receptividade, prazer e interação, como é possível constatar nas relações saudáveis com os animais de estimação, mas que também não deixam de ser, muitas vezes, vítimas de indiferença, crueldade, uso e manipulação. Nessa visão geral e ainda superficial, parece plausível e um tanto intuitivo, conceber, portanto, que: “esses relacionamentos devem ser regulados pela justiça” (NUSSBAUM, 2013, p. 400), e não apenas pela conflitante luta pela sobrevivência ou nas relações hierárquicas de poder e subjugação.

A afirmação, conforme contida no resumo da Suprema Corte de Kerala, alegando que os animais são seres capazes de levar uma existência digna, requer uma fundamentação para ser sustentada. Inicialmente, no entanto, é possível identificarmos aquilo que ela não significa, isto é, o que ela não sustenta. Condições nas quais os animais são mantidos em jaulas apertadas e sem higiene, sujeitos aos desconfortos e sofrimentos da fome, do medo e da agressão física, sendo-lhes oferecidas apenas as condições mínimas de saúde e cuidado para que possam realizar o trabalho pelo qual são mantidos vivos, são atitudes que exemplificam os atos que não conferem aos animais uma vida digna e respeitosa, mas muito pelo contrário, insere-os em uma situação na qual se configura um estado de humilhação, que como será averiguado adiante, deve-se significativamente ao fato de o florescimento de suas capacidades serem negligenciadas. Cabe perguntar, então, o que constituiria o seu oposto, isto é, uma vida com dignidade? Segundo Nussbaum, pode-se afirmar, a princípio, que:

[...] oportunidades adequadas para nutrição e atividade física; direito a não sofrer dor, abandono e crueldade; liberdade de agir de acordo com os modos característicos a cada uma das espécies [...] viver sem medo e oportunidades para interações recompensadoras com outras criaturas da mesma espécie, e de espécies diferentes; e oportunidade de aproveitar da luz e do ar com tranquilidade (NUSSBAUM, 2013, p. 401).

Tudo isso, de acordo com a autora, oferece condições de vida digna aos animais, e negá-las torna-se uma questão de justiça, uma vez que em sua forma mais básica é possível compreender que se está negando aos animais aquilo que lhes é devido, ou mais precisamente, aquilo para o que eles tendem naturalmente.

Mas é preciso uma fundamentação mais concreta para tais afirmações. Nesse sentido, Nussbaum considera que o enfoque das capacidades fornece uma orientação teórica mais adequada para a questão dos animais em relação às demais teorias, o que significa um alcance mais significativo e uma ampliação de sua abrangência, pois o aspecto das capacidades tem a vantagem de ser mais sensível às diversidades de vidas e por isso:

[...] reconhece um amplo número de tipos de

dignidade animal e as necessidades

correspondentes para seu florescimento. E porque está atento à variedade de atividades e objetivos que os diversos tipos de criaturas perseguem, o enfoque é capaz de produzir normas de justiça entre espécies que são sutis e ainda assim exigentes, envolvendo direitos fundamentais para criaturas de diferentes tipos (NUSSBAUM, 2013, p. 402).

Ainda que alguns aspectos da teoria precisem ser transformados e estendidos para que possa abordar melhor essa questão, o aspecto aristotélico, conforme já mencionado, ressurge aqui, o que leva a teoria a conceber como algo louvável um organismo natural atingir os fins aos quais é capaz, e oferece uma boa base para atingir este objetivo, ou seja, que ele exercite aquilo que é de sua função própria.

Teorias contratuais, como as de Kant, por exemplo, possuem pontos fortes. No entanto, no que diz respeito à questão animal elas

possuem grandes lacunas que limitam sua aplicação e eficiência para abordar o problema. Como já mencionado, isso se deve tanto em razão de seu forte vínculo com uma concepção de racionalidade que serve de base para a dignidade (o que não deixa de comprometer a própria dignidade humana quando tal critério é ausente em seres humanos), quanto por sua concepção dos princípios políticos originados a partir de um contrato efetivado entre iguais. Tais aspectos implicam na negação das obrigações de justiça aplicadas aos animais, e são tomadas apenas como um “subproduto das obrigações humanas para com os seres humanos ou simplesmente como tipo diferente, como deveres de caridade e não de justiça” (NUSSBAUM, 2013, p. 402, grifo meu). Tal posição é criticada por Nussbaum inicialmente de duas maneiras: a) “reconhecendo um grau de inteligência em muitos animais não humanos”, e b) “rejeitando a ideia de que somente aqueles que podem participar de um contrato como iguais podem ser sujeitos primários, não derivados, de uma teoria da justiça” (NUSSBAUM, 2013, p. 402). Apresentarei, agora, a perspectiva kantiana e sua relação com a questão animal aqui discutida a partir do ponto de vista das capacidades.

2.2 A dignidade animal: perspectiva kantiana dos deveres indiretos A questão dos animais e do modo como os humanos devem tratá- los não é um tema pontualmente analisado por Kant em suas obras de política e moral mais expressivas. Alguns tópicos são abordados em Lecture on Ethics (Eine Vorlesung über Ethik), onde Kant trata de deveres frente aos seres animados, entendidos como “seres que estão abaixo de nós e seres que estão acima de nós” (NUSSBAUM, 2013, p. 404; Cf. KANT, 2003, p. 286), ou seja, animais e seres espirituais (Deus e anjos).

De maneira objetiva, Kant entende que os seres humanos não têm deveres diretos para com os animais, mas antes, apenas para com seres racionais. Em sua obra Metafísica dos Costumes, mais precisamente na parte intitulada Da amfibolia nos conceitos morais de reflexão, tomando o que é o dever de um ser humano consigo mesmo por um dever com os outros, Kant afirma:

Na medida do que pode ser julgado

exclusivamente pela razão, um ser humano tem deveres somente para com seres humanos (ele próprio e outros), uma vez que seu dever com qualquer sujeito é constrangimento moral da vontade desse sujeito. Consequentemente, o

sujeito constrangedor (que obriga) tem, em primeiro lugar, que ser uma pessoa, e essa pessoa tem, em segundo lugar, que ser dada como objeto da experiência, posto que cabe ao ser humano se empenhar pelo fim da vontade dessa pessoa, e isso só pode ocorrer numa relação recíproca de dois seres que existem. (KANT, 2003, p. 284).

De acordo com esse raciocínio, os seres humanos só possuem deveres para com um ser que possui uma vontade, o qual, em função desta, é capaz então de exercer uma coação moral em relação a outra pessoa, o que é propriamente o dever. E como somente o ser humano possui uma vontade e, portanto, só ele pode exercer uma coação moral, ou seja, como só ele pode originar um dever, o ser humano tem deveres diretos apenas para com outros seres racionais. Kant considerava que “desconhecemos qualquer outro ser, salvo o ser humano, que fosse capaz de obrigação (ativa ou passiva)” (KANT, 2003, p. 284). Por conseguinte, conclui Kant: “um ser humano não pode, portanto, ter dever algum com quaisquer seres, além dos seres humanos” (KANT, 2003, p. 284), uma vez que apenas humanos possuem vontade e apenas com humanos é possível, então, manter uma relação recíproca.

Os deveres destinam-se na perspectiva kantiana apenas aos seres racionais. Uma vez que tal dimensão mental está, segundo Kant, ausente nos animais, eles ficam às margens das considerações morais por parte dos seres humanos e, portanto, são tomados como meros meios para um fim, e este fim é o ser humano:

O homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas acções, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente como fim. Portanto, o valor de todos os objectos que possamos adquirir pelas nossas acções é sempre condicional. Os seres cuja existência depende, não em verdade da nossa vontade, mas da natureza, têm contudo, se são seres irracionais, apenas um valor relativo como meios e por isso se chamam coisas, ao passo que os seres racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos. (KANT, 2007, p. 68).

Ainda que Kant rejeite os deveres diretos aos animais, uma vez que a estes faltam os conceitos de racionalidade e vontade, sua concepção suporta a ideia de que os únicos deveres voltados aos animais, portanto, são indiretos. mais precisamente, no entanto, indiretos em relação à humanidade.

[...] não temos quaisquer deveres diretos no que diz respeito aos animais. Os animais não possuem consciência de si. Eles existem apenas como meio para um fim, e não para seu próprio bem, e esse fim é o homem. [...] Os nossos deveres em relação aos animais são apenas deveres indiretos em relação à humanidade. Se um homem abater o seu cão por este já não ser capaz de servi-lo, ele não falha em seu dever para com o cão, pois o cão não pode julgar, mas o seu ato é desumano e prejudica em si essa humanidade que ele deve mostrar aos seres humanos. Para não sufocar os seus sentimentos humanos, ele tem de praticar a generosidade para com os animais, pois quem é cruel para os animais logo se tornará cruel para com os homens. Podemos julgar o coração de um homem pelo modo como ele trata os animais. […] Quanto mais nos dedicamos a observar os animais e seu comportamento, mais os amamos, vendo quão grande é o seu cuidado com as suas crias, e nesse contexto, não podemos contemplar nem mesmo a crueldade com um lobo. [...] Na Inglaterra, os açougueiros, cirurgiões ou médicos não fazem parte dos doze homens dos júris, pois estão acostumados com a morte. Então, quando anatomistas usam animais vivos nas suas experiências, isso certamente é crueldade, mas o seu objetivo é louvável e podem justificar a sua crueldade, pois os animais são considerados como instrumentos do homem, porém, isso é aceitável apenas se não for por esporte. […] Assim, todas as obrigações relativas aos animais, aos outros seres e as coisas, têm uma referência indireta aos nossos deveres para com a humanidade. (KANT, 1997, p. 212-213).

Conforme Nussbaum analisa o argumento de Kant em favor dos deveres indiretos, ele se dá a partir da ideia de uma “similaridade analógica” (NUSSBAUM, 2013, p. 405), ou seja, é possível perceber que os animais comportam-se, em alguma medida, de modo um tanto análogo aos seres humanos, quando, por exemplo, exibem traços de lealdade, companheirismo ou proteção, algo muito manifestado pelos cães. Isso sugere, observa Nussbaum, que, para Kant, tem-se a ideia geral de que:

Se nos habituarmos a tratar os animais gentilmente quando se comportarem assim, fortalecemos a nossa disposição de nos comportarmos gentilmente com os seres humanos quando estes se comportarem de modo similar. De modo geral (e aqui Kant parece ter abandonado a questão sobre a similaridade analógica), quando somos gentis com os animais, reforçamos nossas tendências para a gentileza; quando somos cruéis com os animais, alimentamos as tendências para

sermos cruéis com os seres humanos

(NUSSBAUM, 2003, p. 405, grifo meu).

É neste sentido, portanto, que Kant toma os deveres aos animais, considerando-os na medida em que estão indiretamente relacionados com os deveres com a humanidade. Eles só têm algum valor moral na medida em que podem influenciar, de alguma maneira, o tratamento conferido aos seres humanos. Na Metafísica dos Costumes, Kant compreende que:

[...] o tratamento violento e cruel dos animais é muitíssimo mais estreitamente oposto ao dever de um ser humano para consigo mesmo e ele tem um dever de abster-se de tal prática, pois esta embota seu sentimento compartilhado do sofrimento deles, de modo a enfraquecer e gradualmente desarraigar uma predisposição natural que é muito útil à moralidade nas nossas relações com outros seres humanos. O ser humano está autorizado a matar animais rapidamente (sem produzir sofrimento) e submetê-los a um trabalho que não os force além de suas forças (trabalho ao qual ele mesmo deve submeter-se). Mas experimentos físicos que sejam dolorosos aos animais a serviço da mera especulação, quando o objetivo almejado

poderia também ser atingido ou dispensado, se mostram abomináveis. Inclusive a gratidão ao longo serviço prestado por um velho cavalo ou um velho cão (tal como se fossem membros da comunidade doméstica) diz respeito indiretamente ao dever de um ser humano em sua consideração a esses animais; do prisma de um dever direto, todavia, é sempre somente um dever do ser humano para consigo mesmo (KANT, 2003, p. 285).

Embora Kant alerte para a inflição de sofrimento, ele não concebe que as criaturas desprovidas (em seu entendimento) de racionalidade, assim como da vontade e da capacidade para a reciprocidade moral possam tornar-se seres a quem é outorgado uma consideração de dever moral que possa significar, em última instância, um direito a vida. Sua única preocupação é o quanto tais atos cruéis contra os animais podem afetar negativamente a sensibilidade humana e, consequentemente, a moralidade para com outros seres humanos. Uma vez que um animal não pode fazer um julgamento, logo ele não pode realizar um dever, tampouco reivindicar o direito de ser levado em conta. De maneira geral, Nussbaum resume a tese de Kant de que “não acredita que tal ser [animal] possa ter uma dignidade, um valor intrínseco. Seu valor deve ser derivativo e instrumental” (NUSSBUAM, 2013, p. 406), uma vez que a capacidade para a racionalidade moral é algo essencial para o status ético de um ser.

2.3 – A perspectiva rawlsiana de contrato e os animais: os deveres de compaixão e humanidade.

Após apresentar as linhas gerais do pensamento de Kant, Nussbaum traz à discussão a tese de Rawls, para quem a justiça, embora entendida como a primeira virtude das instituições sociais, não é a única, tanto no que diz respeito à esfera da política, quanto na totalidade da virtude moral. Tal como Kant, Rawls também não se dedica pontualmente a refletir a condição dos animais dentro de sua perspectiva contratualista. No entanto, nas poucas menções ao tema o autor contempla a existência de alguns deveres morais para com os animais denominados por ele então como “deveres de compaixão e humanidade” (RAWLS, 2002, p. 569), que são assim conferidos aos seres humanos em razão dos animais serem capazes de sentir dor e prazer. No entanto, para Rawls, essa questão não alcança o patamar da justiça e o próprio

autor afirma a dificuldade e os limites do contratualismo em analisar a questão sobre os animais de uma maneira natural. Como afirma Rawls:

[...] eu gostaria aqui de lembrar os limites da teoria da justiça. Não só muitos aspectos da moralidade são deixados de lado, mas também não se oferece nenhuma consideração acerca da conduta correta em relação aos animais e ao restante da natureza. Uma concepção da justiça é apenas uma parte de uma visão moral. Embora eu não tenha afirmado que a capacidade para um senso de justiça é condição necessária para termos direito à justiça, realmente parece que não se exige que concedamos justiça estrita a criaturas que não têm essa capacidade. Mas disso não decorre que não haja exigência alguma relativa a elas, nem nossas relações com a natureza. Certamente, é errado tratar os animais com crueldade, e a destruição de toda uma espécie pode ser um grande mal. A capacidade para

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