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2. MOTIVAÇÃO E AUTODETERMINAÇÃO: DIMENSÕES

2.2 A TEORIA DA AUTODETERMINAÇÃO: UMA PERSPECTIVA

2.2.1 Teoria das Necessidades Psicológicas Básicas

Amplamente falando, a TAD, de acordo com Deci e Ryan (2000), sustenta que para compreender a motivação humana precisam ser levadas em consideração as necessidades psicológicas básicas inatas de competência, autonomia e pertencimento ou estabelecimento de vínculo, pois elas são vitais para o funcionamento saudável do ser humano (RYAN, 2009). Essas necessidades psicológicas básicas são universais e agem como nutrientes e condições indispensáveis para o bem-estar das estruturas cognitivas. Quando essas três necessidades são satisfeitas, as pessoas experimentam a sensação de bem-estar psicológico, desenvolvendo melhor suas habilidades, porém, à medida que tais necessidades são frustradas, as pessoas demonstram mal-estar, o que as leva para a sensação de fracasso, comprometendo o desenvolvimento do seu potencial.

Os estudos de Murray (1938 apud DECI, 1998) ajudaram os propositores da TAD a preencher o quadro conceitual das necessidades psicológicas inatas, pois ele definiu as necessidades humanas em termos psicológicos, ao invés de fisiológicos, portanto os autores da TAD afirmam que o indivíduo, para estar intrinsecamente motivado, precisa satisfazer suas necessidades psicológicas básicas, ou seja, as pessoas precisam se sentir competentes e

autodeterminadas. Nessa direção, os autores propõem as três necessidades psicológicas básicas - autonomia, competência e pertencimento. O conceito de necessidades psicológicas básicas teve influência de várias proposições teóricas (MURRAY, 1938; DeCHARMS, 1968; WHITE, 1959; HULL, 1943; ROGERS, 1951 apud DECI, 1998), conforme a descreveremos nos próximos parágrafos sobre as necessidades de Autonomia, Competência e Pertencimento.

2.2.1.1 Necessidade de Autonomia

O conceito de Autonomia emergiu dos estudos de DeCharms (1984), que defende a tendência natural das pessoas em serem agentes de suas ações, levando-as a serem autônomas. Indivíduos autônomos agem por vontade própria sem nenhuma pressão ou controle externo. Conforme Deci, “ser autônomo significa agir de acordo com o próprio ser, significa sentir-se livre e volitivo em suas ações” (DECI, 1998, p. 14). Os aspectos integrados à personalidade são os que regulam a ação, o locus de causalidade é interno, pessoal, levando a um comportamento autônomo e autêntico e, consequentemente, motivado intrinsecamente. Quando o locus de causalidade é interno, a origem das ações é percebida com fortes sentimentos de causação pessoal, enquanto o locus de causalidade externo deriva de outro agente que interfere com a causação pessoal, sofrendo pressões de outras pessoas ou fatores externos (GUIMARÃES, 2003, p. 38). Guimarães (2003) ressalta ainda que o locus de causalidade não é uma característica fixa na vida do indivíduo, podendo haver uma variação em determinadas situações, o indivíduo pode estar entre um locus de causalidade interno e um externo.

Conforme Deci e Ryan (2008a), muitas vezes a autonomia é interpretada como sinônimo de independência, principalmente pelos psicólogos relativistas culturais, no entanto, para os propositores da TAD, autonomia não é a mesma coisa que independência. Segundo relata Ribeiro (2013), “para a TAD, a autonomia é uma necessidade que os indivíduos têm de perceber que o comportamento intencional teve origem e regulação pessoal” (RIBEIRO, 2013, p. 52), enquanto a independência remete à necessidade de o indivíduo agir sozinho sem depender dos outros. Assim, podemos entender que o indivíduo autônomo pode agir sozinho ou dependendo da ajuda dos outros. O que define ser autônomo é a escolha própria, sendo o locus de causalidade interno, pessoal. Como exemplo, o indivíduo pode ter escolhido realizar uma tarefa por vontade própria, no entanto para a realização daquela tarefa ele precisou da ajuda de alguém, mesmo assim, não deixou der autônomo. No entanto, um indivíduo independente poderá, em determinada situação, realizar uma tarefa sozinho, sem a ajuda de

outros, porém, sua decisão em realizar a tarefa pode ter sido originada por uma pressão de alguém ou de algo. Nesse caso, é um indivíduo independente, porém não autônomo, pois está sendo regulado por um fator externo, ou seja, está sendo pressionado à realização da tarefa, movido por um locus de causalidade externo.

Assim, tanto um indivíduo autônomo pode ser dependente quanto um indivíduo controlado pode ser independente. Quando o sujeito é autônomo, suas habilidades para a realização da tarefa são percebidas e exploradas de forma espontânea, seu aproveitamento e sua capacidade são mais evidenciados diante dos resultados obtidos. Em contrapartida, à medida que o sujeito é regulado por fatores externos, permanece passivo diante das situações em que sua qualidade motivacional passa a ser controlada.

2.2.1.2 Necessidade de Competência

Definido por Deci e Ryan como uma das necessidades psicológicas básicas, o conceito de competência foi influenciado pelos estudos de White (1975), que levou em consideração os eventos sociocontextuais nos quais as pessoas se envolvem em uma atividade para perceber a eficácia e a competência durante a ação, ou seja, ser competente é tão fundamental que passa a ser uma necessidade humana indispensável no aspecto cognitivo. Seja o comportamento motivado intrinseca ou extrinsecamente, a percepção de competência deve ser suficiente para atingir bons resultados e alcançar o senso de realização. Os conceitos de White (1975) sobre competência são próximos do conceito de necessidade psicológica básica de competência defendido por Deci e Ryan (1985, 2000). Para desenvolver uma tarefa, o indivíduo necessita sentir-se competente para realizá-la, tendo em vista que desafios acima ou abaixo de seu nível de dificuldade podem minar sua motivação.

Conforme a TAD, a percepção de competência durante uma ação poderá gerar na pessoa esforços para vencer novos desafios de acordo com suas capacidades, e assim, em uma situação específica permite que tais pessoas coloquem à prova suas habilidades. O exercício a cada novo desafio propicia o desenvolvimento das habilidades, assim como o domínio dos desafios em nível ótimo gera um feedback positivo os quais levam à satisfação da necessidade de competência (REEVE, 2006). Segundo Reeve (2006), tais desafios não devem ser altos, além da capacidade do indivíduo, nem demasiadamente fáceis, mas apropriados de acordo ao desenvolvimento cognitivo da pessoa, seja nos estudos, no trabalho ou em qualquer atividade. Bzuneck (2010) ressalta que as próprias tarefas precisam ser estimulantes com características de desafios para que motivem os alunos. Porém, de forma que sejam percebidas como

acessíveis, podendo ser superadas mediante o esforço sobre o qual o aluno tem controle (BZUNECK, 2010 p. 19). Só haverá a satisfação da necessidade de competência se houver um feedback positivo que pode ser obtido da tarefa em si, de comparações atuais com desempenhos anteriores, de comparações sociais dos seus próprios desempenhos ou das avaliações realizadas por outras pessoas (RIBEIRO, 2013, p. 56).

2.2.1.3 Necessidade de Pertencimento

Além da autonomia e da competência, outra necessidade psicológica básica proposta pela TAD é a de pertencimento ou estabelecimento de vínculo, reconhecida como vital ao bem-estar do ser humano (DECI, 1998), e mesmo com as mudanças culturais ela permanece estável ao longo do tempo.

Em seres humanos, a necessidade de relacionamento apresenta formas de expressão específicas da espécie, formas que estão claramente passando por mudanças contínuas dentro da evolução biológica e cultural, mas é nossa opinião que a necessidade se mantenha relativamente constante ao longo dessas mudanças. (DECI; RYAN, 2000, p. 253)

É uma necessidade que se refere diretamente ao relacionamento com as pessoas, grupos de pessoas ou comunidades para o qual é estabelecido algum tipo de vínculo significativo. Segundo Reeve (2006), a interação é a condição primeira que envolve a necessidade de relacionamento, porém a satisfação dessa necessidade requer a criação de um vínculo social entre o self e um outro indivíduo (REEVE, 2006, p. 77). Na literatura, há um quadro conceitual muito vasto sobre vínculo e pertencimento e, de acordo com Guimarães (2003), todas as pessoas têm a necessidade de estabelecer e manter relacionamentos interpessoais positivos e duradouros com pessoas significativas e, quando isso não ocorre, mesmo que em parte, gera consequências negativas que afetam o equilíbrio emocional e o bem-estar do indivíduo (GUIMARÃES, 2003, p. 47). O senso de pertencimento fortalece os vínculos afetivos através da interação entre os indivíduos, seja na família, no grupo ou organização social. Essa interação interpessoal deve ocorrer de forma emocionalmente significativa, afetuosa, para que seja capaz de promover a motivação. Segundo a revisão feita por Ribeiro (2013), as ocorrências de dificuldade psicológica diminuem quando as relações interpessoais apoiam os indivíduos em suas necessidades de pertencimento. Na área educacional, de acordo com Guimarães (2003), apesar de ser reconhecida a importância de se criar um ambiente de aceitação e de apoio para a aprendizagem, “a grande meta da maioria

das escolas é dirigida aos aspectos cognitivos, havendo pouca atenção para as necessidades socioemocionais dos estudantes” (GUIMARÃES, 2003, p. 48).