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1.3 Metodologia e procedimentos de pesquisa

1.3.1 Teoria das Representações Sociais

Para a teorização e consolidação dos capítulos de análise, fundamentou-se na Teoria das Representações Sociais (TRS), buscando realizar uma análise de conteúdo e de discurso das audiências sobre o aborto. A fundamentação teórica a partir dessa teoria possibilita a problematização de ideias, crenças e valores que operam no imaginário social, construindo representações sociais, que constituem sentimentos, pensamentos e práticas das pessoas e coletividades. Por meio da TRS pôde-se captar a representação social que se mostrou mais evidente (no seu centro e periferia) na totalidade das cinco audiências, mas sem esgotá-las e assumindo-as como blocos de sentido articulados de forma convergente e, ao mesmo tempo, divergente em uma teia de significações.

A ideia de representações sociais origina-se com Émile Durkheim, sob a perspectiva das representações coletivas: ferramenta de compreensão da dialética ou tensão entre indivíduo e sociedade, ainda na constituição da sociologia como ciência. Entretanto, após a revisitação e sistematização do conceito pela via da psicologia social por Serge Moscovici, em 1961, houve a construção da teoria e da reformulação do conceito, agora batizado por Teoria das Representações Sociais – TRS – e também de grande valor atual para as Ciências Sociais(PORTO, 2010).

As representações sociais ganham importância devido ao fato de as pessoas sempre estarem em interação, partilhando ideias que podem ser convergentes ou conflitivas, em especial nas sociedades urbanas. As representações sociais que compõem os discursos “são trazidas pelas palavras e veiculadas em mensagens e imagens midiáticas, cristalizadas em condutas e em organizações materiais e espaciais” (JODELET, 2001, p. 17). Portanto, a TRS se mostrou adequada a esta pesquisa, por possibilitar interpretações da realidade da qual se fala e sobre a qual se refere (PORTO, 2010).

A TRS se constitui como um caminho abundante de análise, devido ao fato de, por seu intermédio, crenças e valores serem apreendidos como princípios orientadores de conduta (PORTO, 2009). A TRS possui grande contribuição para a sociologia, pois

[...] seu caráter (ou função) pragmático (a) de orientadora de condutas individuais, de grupos e de instituições, públicas (a elaboração de políticas, pode ser efeito de determinadas representações) ou privadas. Ou seja, da mesma forma como justificam e orientam práticas de atores sociais, assim também, a depender de como são apropriadas pelas instâncias institucionais, as representações sociais podem justificar e orientar políticas públicas (PORTO, 2009, p.141).

No jogo político das audiências públicas, as ideias e as afirmações sociais sobre o aborto são postas em disputa para o convencimento dos/as legisladores/as e da audiência em geral. A depender do convencimento dos(as) expositores(as) e do resultado do relatório final por parte do Senado Federal, pode-se criar uma lei que, posteriormente, propiciará subsídios para criação de políticas públicas e, possivelmente, a (re)criação de outras ideias e afirmações sociais sobre o aborto. Logo, a análise dessas audiências, que carregam valores individuais e coletivos, requer também a interpretação de explicações religiosas, culturais e morais dos grupos políticos no debate, no qual a TRS serve de base.

Entretanto, o espaço político de realização das audiências públicas possui jogos de poder e encenações individuais que não necessariamente são coerentes com as crenças, ideias e valores que os sujeitos possuem na intimidade e em outros espaços privados ou públicos. Isso é verificável ao se trabalhar com políticos que representam uma parcela da população e, portanto, oferecem imagens de si mesmos afinadas com interesses eleitoreiros, muitas vezes embasados na conservação da família patriarcal e da moral cristã. Contudo, não foi possível adentrar profundamente nessa área contraditória na presente pesquisa, nem mesmo é seu objetivo.

A seguir, apontam-se alguns itens que devem ser considerados quando se trabalha as representações sociais de um fato social. Esses itens foram desenvolvidos por Maria Stella Grossi Porto (2010) e estão presentes nas considerações sobre metodologia, em seu livro “Sociologia da Violência: do conceito às Representações Sociais”, dos quais prestam auxílio nesta pesquisa devido à existência da análise de falas individuais carregadas de significados sociais acerca do aborto. Portanto, as representações sociais:

a) embora resultado da experiência individual são condicionadas pelo tipo de inserção social dos indivíduos que as produzem;

b) expressam visões de mundo objetivando explicar e dar sentido aos fenômenos dos quais se ocupam, ao mesmo tempo em que,

c) por sua condição de representação social, participam da constituição desses mesmos fenômenos;

c) apresentam-se, em sua função prática, como máximas orientadoras de conduta;

e) admitem a existência de uma conexão de sentido (solidariedade) entre elas e os fenômenos aos quais se referem, não sendo, portanto, nem falsas nem verdadeiras mas a matéria-prima do fazer sociológico. (PORTO, 2010, p.68).

Nesta pesquisa, a TRS propriamente dita não é discutida em profundidade, sendo aqui utilizada como fundamentação da análise sociológica empreendida. Leva-se em conta que a maneira em que os atores e atrizes sociais pronunciam-se sobre o aborto tem relação direta com as representações que fazem dele e/ou os grupos aos quais esses/as emissores/as nas audiências estão vinculados/as. Assim, como destaca Maria Stella Porto (2010, p. 75): “quanto mais uma sociedade é unilateral quanto a suas normas e valores, tanto menos aparece o caráter relativo do conceito e tem-se a ilusão de objetividade, construída por uma suposta unidade de pontos de vista”. Não é esse o caso do Brasil, que se constitui de multiplicidades de opiniões, normas e valores de diversas esferas, que disputam, lado a lado, a hegemonia político-social do tema aborto, o que portanto a TRS facilitará a apreensão e a exposição.