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A Teoria dos Esquemas e a Competência Discursiva – Dançando conforme a Música

Água Mole em Pedra Dura, Tanto Bate até que Fura

3.3 A Teoria dos Esquemas e a Competência Discursiva – Dançando conforme a Música

Embora a teoria dos esquemas, iniciada por Bartlett (1932), desenvolvida por Rumelhart (1977) e seus segui- dores, tenha se demonstrado bastante produtiva no desen- volvimento de pesquisas em leitura, tentaremos relacioná- -la ao desenvolvimento da competência discursiva de uma forma geral e da competência fraseológica de uma forma mais específica.

Para tanto, apresentaremos uma revisão sucinta da teoria dos esquemas, com o intuito de contemplar: suas relações com a construção do conhecimento, o conceito de esquema, o desenvolvimento dos esquemas, as relações entre esquemas e categorização semântica, e o desenvolvi- mento da competência fraseológica e discursiva.

Tendo como ponto de partida teorias de aprendiza- gem para a construção do conhecimento, estudos como os de Piaget (1991,1993) e Ausubel et al. (1980) podem ser relacionados à teoria dos esquemas. O primeiro por pro- por a aprendizagem como uma construção em busca de equilíbrio, por meio de processos de acomodação e assi- milação. Ausubel, por sua vez, enfatiza a integração de co- nhecimentos novos de forma encaixada, propondo, assim, a existência de uma estrutura cognitiva hierarquicamente organizada. Porém, convém lembrar que os autores não chegaram a mencionar a teoria dos esquemas, e também que Bartlett (1932) é considerado seu precursor.

Frequentemente, o termo esquema é definido como uma estrutura cognitiva abstrata, construída pelo próprio indivíduo para representar a sua teoria de mundo.

Embora haja uma grande flutuação terminológica em relação a esse tema, para o objetivo deste trabalho, é suficiente considerar esquema como um hiperônimo para cenas, eventos/frames e histórias/scripts.

Desta forma, em um esquema do tipo cena, teríamos o conhecimento organizado espacialmente, dependente por- tanto do campo mostrativo; enquanto em um do tipo evento, teríamos o conhecimento de senso comum sobre um conceito central, como, por exemplo, Páscoa; já em um do tipo história, teríamos o conhecimento organizado de forma sequencial, de maneira geralmente estereotipada, como, por exemplo, uma missa. Não há, entretanto, relação de exclusividade entre essas estruturas cognitivas abstratas. Sendo assim, um conhecimen- to pode estar organizado de forma a relacionar, concomitante- mente, cenas, eventos e histórias.

Os elementos que formam um esquema são denomi- nados de variáveis. Assim, a realização de um pagamento de uma conta em um banco, por exemplo, pode ser diferente da mesma atividade realizada em uma farmácia, ou em uma casa lotérica. Porém, é preciso considerar que, necessaria- mente, haverá uma série de elementos comuns capazes de caracterizar a operação inanceira como um pagamento: o dinheiro, cheque ou cartão de crédito; a autenticação mecâ- nica; o comprovante de pagamento etc.

Contudo, a existência de apenas uma variável não é su- iciente para conigurar um esquema, ou seja, não é só a pre- sença do dinheiro que pode conigurar pagamento. Para não confundirmos com recebimento, empréstimo, doação, com- pra, é necessário a presença de outras variáveis. Sendo assim, o conjunto de variáveis estruturalmente organizadas é que irá determinar a construção de um esquema.

As experiências de um indivíduo possibilitam que seus esquemas se desenvolvam. Desta forma, novos elemen- tos podem ser incorporados, algumas variáveis podem ser descartadas ou desempenharem diferentes papéis. Isto pos- to, pode-se considerar que os esquemas não apenas se ex- pandem em diversas direções, mas também evoluem em sua estrutura básica. Em outras palavras, o desenvolvimento de esquemas ocorre tanto em quantidade quanto em qualidade, pois aumentam em número e em complexidade, de acordo com as experiências de cada um.

É importante considerar aqui o papel da aprendizagem, seja ela decorrente do processo de escolarização, ou consequência do desempenho de diferentes práticas sociais. A construção de no- vos conhecimentos possibilita ao indivíduo, além de um número maior de esquemas para interpretar a realidade, um número maior de variáveis para cada esquema internalizado. Tal desenvolvimento propicia uma diminuição da generalidade de cada esquema e, con- sequentemente, um aumento na capacidade de reconhecer especi- icidades nos esquemas.

Se na leitura de um texto grande parte das informações necessárias para a sua compreensão não está explícita, sendo necessária a interação do leitor com informações implícitas; no processo de categorização semântica, por sua vez, a teoria dos esquemas oferece, também, pistas substanciais para evidenciar certas formas de organização e de evocação do conhecimento estruturado na memória semântica.

É preciso considerar, ainda, que a aplicação da teoria dos esquemas à investigação das formas de organização do conhe- cimento na memória semântica e à capacidade de categorização justiica-se, principalmente, porque categorizar é uma

atividade necessária para que não se instaure o caos e para que possamos lidar com os elementos que nos cercam da forma mais econômica possível, papéis eicientemente já desempenhados pelos esquemas na compreensão de tex- tos, durante o processo de leitura.19

Nosso arrazoado teórico teve como objetivo mostrar sob uma perspectiva psicolinguística as relações entre usos de lin- guagem e o uso da cognição básica, da percepção, da memória e da categorização, evidenciando mais uma vez que a linguagem não pode ser dissociada dos processos mentais e tratada como uma entidade distinta e autônoma. Desta forma, postulamos que a faculdade da linguagem faz parte de nosso conhecimento de mundo e que a fraseologia constitui grande parte desse co- nhecimento materializado por formas polilexicais, relativamen- te ixas, com certo grau de idiomaticidade e convencionais.

Na Fraseologia encontramos ecos de um amplo leque de áreas de investigação que normalmente se entre- cruzam no que se conhece como linguística e ciência cognitiva. A saber, cognição, consciência, experiência, corporização, cérebro, e interação humana, cultura, so- ciedade e história, numa interrelação entrecruzada na linguagem de uma maneira complexa, rica e dinâmica (LUQUE-NADAL, 2010, p. 185).

Nosso conceito de competência discursiva diz respeito à capacidade de selecionar, ou reconhecer entre as estruturas lin- guísticas, paralinguísticas e epilingísticas disponíveis, as que me- lhor atendam aos propósitos discursivos dos interlocutores.

Do ponto de vista da produção, trata-se de seleção das estruturas para atingir aos objetivos da comunicação pretendi- da, enquanto que do ponto de vista da recepção, trata-se de re- 19 Conforme Rumelhart (1980), Stanovich (1981) e Smith (1989).

conhecer, identiicar e correlacionar as estruturas disponíveis, fazendo inferências, se necessário, numa espécie de contrato de cooperação entre os enunciadores.

As estruturas linguísticas dizem respeito aos fonemas, morfemas, sintagmas, frases, que constituem os enunciados linguísticos. As paralinguísticas são extralinguísticas, porém com interferência crucial na enunciação, tais como: pausas hesitações, entonação, ritmo, velocidade da fala etc. Na mo- dalidade escrita elas podem se revelar por meio de diacríticos, negritos, sublinhados, uso de maiúsculas...

Já as epilinguísticas, por sua vez, são estruturas que se prestam ao controle e relexão sobre o uso da linguagem du- rante a enunciação, ou, nas palavras de Franchi (1987),

prática que opera sobre a própria linguagem, compara as expressões, transforma-as, experimenta novos modos de construção canônicos ou não, brinca com a linguagem, investe as formas lingüísticas de novas signiicações.

3.4 O Ensino de Língua Materna –