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3. O PENSAMENTO SMITHIANO

3.3. Teoria dos Sentimentos Morais

Para Smith, a base da sua teoria económica é seu primeiro livro “Teoria dos Sentimentos Morais”. É neste ensaio que começa sua investigação sobre a natureza das relações do homem em sociedade. Ela não se funda no egoísmo puro como muitos levam a entender, como o mesmo fala “Por mais egoísta que se suponha o homem, evidentemente 24 “Capitalismo Selvagem” é geralmente usado em dois sentidos diferentes. O primeiro na época da já consolidada Sociedade Capitalista, onde servia para descrever as atitudes predadoras existentes no âmago da luta de classes. E o segundo, mais acoplado aos sentidos dos dias atuais, faz referência aos movimentos abusivos do sistema capitalista e imperialistas em dimensões globais, dominando vários mercados e até países, prejudicando o desenvolvimento. Termo usado pela primeira vez por Karl Marx em “O Capital”.

há alguns princípios em sua natureza que o fazem interessar-se pela sorte de outros, e considerar a felicidade deles necessária para si mesmo, embora nada extraia disso senão o prazer de assistir a ela” (Smith, 2015, pos. 1558). O economista trata sim do utilitarismo que há por detrás do comportamento humano, reconhecendo que há um individualismo natural em suas ações, e que isso parte do amor a si mesmo, aos seus interesses, mas também aos interesses de quem esse indivíduo quer bem; seja sua esposa, filhos ou parentes.

A moral aqui, ou melhor, a moralidade aqui é o conjunto de valores que o homem escolhe para si e a partir deles conduz suas ações em sociedade. Apesar de existir uma moral contextualizada por uma questão temporal e espacial, também existe uma moral natural e universal, inerentes aos seres humanos. Essas são despertadas pelos sentimentos dos mesmos, mas o que seriam os sentimentos? Para ficar mais claro, comparemos com a emoção, que é elemento mais superficial desse estado afetivo. Enquanto as emoções são respostas mais imediatas, rápidas, instintivas a estímulos externos, como uma expressão de alegria, raiva, nojo, medo, tristeza ou surpresa, os sentimentos são justamente os estímulos internos que despertam esses estímulos externos, são as representações mentais do que estar a passar dentro de si. A título de exemplo, se o sentimento fosse felicidade, a emoção poderia ser observada numa expressão exteriorizada de alegria ou/e surpresa. Uma é visível externamente a outra não.

Nesse sentido, os sentimentos morais na “Teoria dos Sentimentos Morais” seriam justamente todos esses processos mentais que se passam dentro dos indivíduos e que são fluxos de influência para a escolha dos valores e convicções que conduzem o comportamento do homem em sociedade. No caso, Smith tenta capturar a linha condutora e de maior relevância para determinação da ação do homem como ser social. Não é à toa que o livro se chama “Teoria dos sentimentos morais, ou, Ensaio para uma análise dos princípios pelos quais os homens naturalmente julgam a conduta e o caráter, primeiro de seus próximos, depois de si mesmos” (Smith, 2015, grifo nosso).

Em sua primeira obra, o filósofo fundamenta sua teoria em algo verdadeiro, não algo que ele deseja por si mesmo, por questões ideológicas e de pueris sentimentos sociais de seu tempo. Ele não procura provas para justificar o que acredita ou que acha que deveria ser certo ou justo. Pelo contrário ele parte da observação, das provas e factos, paixões e pulsões da natureza humana, para a partir deste ponto construir sua teoria dos sentimentos

morais, e assim demonstrar verdadeiramente quais são os valores que serão escolhidos pelos homens.

Em suma, uma teoria deve ser isso25, até em sua origem etimológica, a palavra

revela essa sua natureza, onde você não inventa algo de novo para o universo, você constata algo natural neste universo. O amor próprio, o individualismo, o utilitarismo das paixões humanas são em si uma lei natural, e próprio do homem. Analogicamente, assim como a lei da gravidade26, descreve e constata uma realidade/lei natural em si, assim

também o fez Smith, na investigação da natureza humana, onde também observou uma lei natural na conduta dos homens.

Por isso, a base da sua teoria económica é universal, pois pode ser desconectada do próprio sentimento moral, cultural ou vieses de confirmação de uma época e contexto histórico. Suas projeções e deduções, ou pensamentos posteriores à sua base podem vir a cair com o tempo, pois são manifestações de pensamento a partir de uma base verdadeira, e assim continuam sendo projeções. Mas os pilares da sua teoria não caíram, pois são leis naturais e desta forma atemporais, diferentemente de alguns dos ideais de origem marxista, que eram aspirações austeras e utópicas, que são frutos justos da revolta de seus idealizadores ao verem a violência que sociedade burguesa27 de seu tempo, e

principalmente, ao verem o que essa sociedade burguesa tinha feito com as ideias capitalistas iniciais estruturadas por Adam Smith e David Ricardo, entre outros da Escola Clássica do pensamento económico.

Decerto que Smith foi académico notável, professor universitário e grande simpatizante das ideias iluministas, e influenciado pela filosofia do David Hume - seu contemporâneo e amigo (Smith, 2017, pos. 91; 250). A “Teoria dos Sentimentos Morais” é sua primeira obra e que lhe deixou conhecido, como visto é basicamente um tratado sobre 25 Whetten (2003, pp. 69-73), em seu artigo “O que constitui uma contribuição teórica”, nos fala justamente dos “blocos” necessários para construção e desenvolvimento de um modelo teórico. Devendo ser testado adequadamente suas conexões e restrições, passando por proposições “bem fundamentas dos ‘por quês’ quanto nos ‘comos’ e nos ‘o quês’.”. De acordo com o autor os efeitos teóricos são instáveis por alguma razão, e por isso tendem a variar com o passar do tempo, e seu significado fica muito a deriva do contexto que este é inserido de tempo e de espaço. Isto é, “entendemos o que está acontecendo ao observar onde e quando está acontecendo. Observações estão encravadas e devem ser entendidas dentro de uma determinada conjuntura”, assim devemos perceber a nossa responsabilidade e o perigo de nossas generalizações.

26 Teoria da Gravidade Newtoniana.

27 A Revolução Comercial, século XII ao século XVIII, movido principalmente pelo colonialismo e mercantilismo, foi um impulsionador da Revolução Burguesa que é também plurissecular, século XVII e metade do século XIX, no período que Karl Marx escreve sua obra “O Capital”, a burguesia já estava estabelecida no poder, a Sociedade Aristocrata, já tinha sido vencida por dominância de uma Sociedade Capitalista. Ao contrário da época de Smith, em que a Burguesia ainda estava em crescimento.

filosofia moral, e foi base para vinte e cinco anos depois escrever “A Riqueza das Nações”. E foi no fundamento dessa sua conceção de moralidade existente em todos os homens, que mesmo o escreveu a sua teoria económica.

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