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Neste capítulo, ancorada na Teoria da Enunciação de Benveniste e tendo em vista o pressuposto desta tese, de que a leitura e a escrita são atividades subjetivas concebidas como atos de enunciação, discuto os conceitos que embasam a análise feita. Nesse caminho, a hipótese que norteia esta pesquisa é a de que a maneira singular, única de o “sujeito” organizar a língua (escrita) a ponto de se subjetivar ao enunciar e (se) enunciar na redação do ENEM para expressar seu ponto de vista, pode ocorrer na tensão, ao produzir o texto, entre aquilo que se constitui como as regras de escrita exigidas nas competências do ENEM e aquilo que o aluno consegue, ou não, produzir a partir dessas exigências, o que configura um trabalho de uso da língua (escrita) em discurso.

Em vista disso, no primeiro capítulo, apresentei a orientação dos PCN e dos PCN+EM para o trabalho com gêneros textuais na escola e mencionei teorias de ensino de redação veiculadas em manuais do Ensino Médio. A orientação dos PCN é que o ensino de Língua Portuguesa deve ser feito a partir do estudo dos gêneros textuais que circulam socialmente. Os PCN+EM trazem a ideia de que

O texto só existe na sociedade e é produto de uma história social e cultural, único em cada contexto, porque marca o diálogo entre os interlocutores que o produzem e entre os outros textos que o compõem. (BRASIL, 2000, p. 139)

No documento, o homem é visto como um texto que constrói outros textos. É nesse cenário de descompasso que se insere este trabalho, que tem como objetivo olhar para a redação do ENEM como um resultado do que foi aprendido nas aulas de Redação no Ensino Médio e verificar os mo(vi)mentos que o locutor realiza, ao apropriar-se da língua para se comunicar, nesta situação específica de enunciação: a escrita da redação do ENEM. Cabe dizer que a apropriação, em Benveniste, é tornar a língua apta a um uso específico, é por isso que torna aquilo algo do sujeito. No mesmo capítulo, discuti o conceito de gênero, compreensão fundamental para a implementação da proposta dos documentos supracitados.

Na análise feita, o olhar para a escrita toma como base a definição de enunciação de Benveniste (1989, p. 82) de que “enunciação é este colocar em funcionamento a língua por um ato individual de utilização”. Considero haver consenso entre as orientações dos PCN e dos PCN+EM, transcritas anteriormente, e o modo como Benveniste (1989) caracteriza a enunciação:

a acentuação da relação discursiva com o parceiro, seja este real ou imaginado, individual ou coletivo. Essa característica instaura, necessariamente, o que se pode denominar o quadro figurativo da enunciação. Como forma de discurso, a enunciação coloca duas ‘figuras’ igualmente necessárias, uma, origem, a outra, fim da enunciação. É a estrutura do diálogo”. (BENVENISTE, 1989, p. 87, destaques do autor)

Essas figuras, para o linguista, são os parceiros que se alternam como protagonistas da enunciação. Ressalto que os PCN e os PCN+EM não têm orientações na perspectiva de Benveniste, mas dão abertura para ler suas orientações desse lugar.

Nessa direção, mobilizo a Teoria da Enunciação, de Benveniste, para tratar o ato de escrita do sujeito-leitor/escritor-locutor-aluno e participante do ENEM como enunciação, isto é, tratá-lo como sujeito que se apropria da língua para manifestar-se como “eu” que diz a um “tu” algo sobre “ele”, em um tempo e um espaço específicos. Desse modo, como asseverou Benveniste (1989, p. 84), “a língua se acha empregada para a expressão de uma certa relação com o mundo”. O recorte específico dessa análise está relacionado à necessidade de reforçar o que pesquisadores benvenistianos, tomando como base a Teoria da Enunciação do linguista, vêm propondo como emergência: olhar para a escrita na escola como uma possibilidade de enunciação.

Em razão da opção metodológica feita, em que enfoco a análise no modo como o locutor mobiliza a língua (escrita), na tentativa de influenciar de alguma maneira o leitor-interlocutor, com intuito de levá-lo a correferir com o que lê/escreve ao (se) enunciar, abordo a noção de sujeito do ponto de vista de Benveniste. Correferir está sendo compreendido como um efeito de que, na relação entre o texto produzido pelo participante e a leitura feita pelo avaliador, estão sendo construídos laços e ambos os participantes dessa relação estão conseguindo se entender. Assim, a correferência pode ocorrer na relação entre os participantes, uma vez que se relaciona com a compreensão entre eles. Isto é, na situação de enunciação em que o sujeito-leitor/escritor-locutor-

aluno e participante do ENEM escreve a redação e constrói referências sobre o tema, o leitor-avaliador vai co-construir essas referências e não necessariamente vai correferir. Em se tratando dos resultados da prova de redação do ENEM, a suposição é de que o avaliador atribui notas máximas ou quase máximas à redação, porque o participante atendeu às cinco competências exigidas, que são:

1) Demonstrar domínio da modalidade escrita formal da Língua Portuguesa;

2) Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo em prosa;

3) Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista; 4) Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação;

5) Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos. (BRASIL, 2013, p. 8)

Especifiquei que as notas desejadas devem ser máximas ou quase máximas, porque o aluno que obtém nota menor que 960 pontos na redação tem poucas chances de ser classificado nesses cursos. O ENEM é hoje o maior concurso que o Brasil realiza, como já destaquei nesta tese, pois conta com milhões de inscritos. Quando começou a ser aplicado, não era obrigatória a escrita da redação proposta. Atualmente, ela é uma exigência, tem caráter eliminatório e exerce grande peso na nota final do candidato, chegando a ser decisiva para sua entrada na Educação Superior. Por isso, o aluno tem interesse em se preparar para essa prova.

Na avaliação da redação, se o participante não argumentou como era esperado, ele é penalizado pelo leitor-avaliador de seu texto. Isso significa que, na relação de compreensão em que estão inseridos, a correferência ficou comprometida, porque foi afetada de algum modo. Pode, por exemplo, não estar em função do repertório suposto ou em função do manejo da língua escrita. No entanto, não há correferência apenas nos momentos em que o participante consegue obter a nota máxima, pois, quando as notas forem menores, ela também pode estar presente.

A meu ver, a correferenciação, no ENEM, nas avaliações feitas, anula o que poderia ocorrer de modo singular. Por mais que se fuja ao que era privilegiado antes das reformas no ensino de Língua Portuguesa, o ENEM continua privilegiando a forma em

detrimento do conteúdo. Isso porque no ENEM a avaliação acontece somente naquela possibilidade (na possibilidade (im)posta pela banca, uma vez que a proposta é marcada); assim, outra possibilidade não será aceita como possível (correta), porque o processo é seletivo, diferente do ensino que deve ser feito na escola, segundo o que propõem os PCN e os PCN+EM. Na avaliação, por mais que se fuja ao que era privilegiado antes das reformas do ensino de Língua Portuguesa, o ENEM continua a privilegiar a forma em detrimento do conteúdo. A reflexão que proponho deve-se ao fato de que o ensino e a aprendizagem de leitura e de escrita na escola, que tem momentos em que os alunos também são chamados a lidar com o estabelecido como “correto”, deve ir além do êxito ou não do participante no ENEM. Ela precisa ser elaboral.

Para essa reflexão, tomo como base a teoria benvenistiana para: a) colocar em questão o modo como vêm sendo operacionalizadas em sala de aula as orientações dos PCN e dos PCN+EM em relação ao ensino de leitura e de escrita; b) pensar na possibilidade de analisar a redação do ENEM como uma forma específica de enunciação, porque coloca em cena um “eu” que se dirige a um “tu” para tratar de algo (ele) em um tempo e em um espaço específicos, na tentativa de compreender o que está implicado nesse processo.

Conforme já dito, apresento as propostas de redação do ENEM/2013 e do ENEM/2015, analiso redações do ENEM e discuto a Vista Pedagógica emitida pelo Inep. Nesta pesquisa, leitura e escrita estão sendo tratadas como formas complexas de enunciação que permitem evidenciar o que o escritor empreende em sua escrita, devido à projeção de (inter)locutor que atravessa e determina esse processo. Entendo que essa projeção, no processo de leitura da proposta e no processo de produção escrita da redação no ENEM, é afetada, sobremaneira, pela situação discursiva de avaliação, uma vez que estão inseridos em uma condição coercitiva de processo de seleção. Olho para a escrita que constitui o corpus desta tese como resultado do processo de ensino de leitura e de escrita no espaço escolar, que tem como propósito a transmissibilidade de saberes que possibilitem ao sujeito escolarizado sustentar uma condição de cidadão diante da sociedade. Assim, entendo o sujeito como o efeito do que se produz em função da leitura-interpretação que se faz do que diz, como aquele que está no que diz, pois é

na e pela linguagem que o locutor se constitui sujeito. Ao mesmo tempo, a linguagem

o singulariza, porque é alguém que diz do seu jeito, em um determinado tempo histórico- social e em um espaço político-simbólico específico.

A partir dessa compreensão, adoto os pressupostos da Teoria da Enunciação, de Benveniste, como base teórica para nortear a análise de redações do ENEM. Para tanto, minha reflexão enxerga o sujeito-leitor/escritor-locutor-aluno e participante do ENEM como aquele que, na prova de redação do ENEM, apropria-se da língua com a finalidade de ler e de escrever, ao mesmo tempo que é convocado a correferir com o interlocutor- leitor-avaliador em uma escrita institucionalizada. A escrita de um texto do tipo dissertativo-argumentativo, elaborada a partir do que lhe foi ensinado na escola, é avaliada no ENEM em função de cinco competências, transcritas no início deste capítulo, que cobram aspectos gramaticais e discursivos, mas acabam por priorizar a forma.

Tendo em vista o exposto, começo pela definição de língua e fala em/para Benveniste (1995), em seguida trato do modo como Benveniste diferencia as condições de emprego das formas da língua, especificamente no artigo “o aparelho formal da enunciação”. Em um segundo momento, mobilizo a definição de Benveniste sobre subjetividade, no artigo “da subjetividade da linguagem” e apresento como ele constrói o fundamento da linguagem, o que torna possível pensar a intersubjetividade. A partir do texto “a forma e o sentido na linguagem” apresento o modo como Benveniste (1989) concebe repertório, a meu ver, condição que, aliada ao domínio de mecanismos linguísticos, permite a quem escreve ser bem-sucedido na produção de alguns textos. Além das abordagens mencionadas, alicerço minha tese também nas “Últimas Aulas no

Collège de France” (2012), livro em que notas de aulas de Benveniste são comentadas

e ampliadas por meio de anotações de alunos. Esse livro trata, particularmente, de escrita e diferencia língua e língua escrita.

Assim, busco no aporte teórico benvenistiano alicerce para analisar a relação entre os participantes da enunciação, locutor-participante e interlocutor-leitor-avaliador, por meio do texto escrito pelo participante e da recepção-avaliação de seu texto pelo avaliador. Reitero que a prioridade na avaliação da redação vem sendo a forma em detrimento do conteúdo, que é escrito/dito no processo de leitura e de interpretação da proposta e do texto produzido. A questão, portanto, merece reflexão.

2.1- A definição de língua e fala para Benveniste e o artigo “o aparelho formal da enunciação”

Em sua Teoria da Enunciação, Émile Benveniste considera a linguagem como elemento essencial de reflexão dos estudos linguísticos por conter as questões que

envolvem o homem na língua. Assim, língua e fala são constitutivas da linguagem e, para Benveniste (1995), é pela linguagem que o “eu” se torna sujeito e se diferencia dos outros. Isso significa que homem e linguagem não existem isolados e, sim, que estabelecem uma relação de interdependência. Assim determina o teórico:

A linguagem está na natureza do homem, que não a fabricou. Inclinamo-nos sempre para a imaginação ingênua de um período original, em que um homem completo descobriria um semelhante igualmente completo e, entre eles, pouco a pouco, se elaboraria a linguagem. Isso é pura ficção. Não atingimos nunca o homem separado da linguagem e não o vemos nunca inventando-a. Não atingimos jamais o homem reduzido a si mesmo e procurando conceber a existência do outro. É um homem falando que encontramos no mundo, um homem falando com outro homem, e a linguagem ensina a própria definição do homem. (BENVENISTE 1995, p. 285)

O autor afirma que, além de a linguagem anteceder ao homem, ela é condição para sua existência. Em sua concepção, a linguagem possui um caráter intersubjetivo, tendo em vista que, no mundo, o que se encontra são homens falando com outros homens. Nesse sentido, para pensar a produção de texto do sujeito-leitor/escritor- locutor-aluno e participante do ENEM como condição que possibilita a ele situar-se em uma determinada prática social de uso da língua, alinho-me às afirmações de Agustini e Borges (2013). São palavras das pesquisadoras:

Com efeito, apostamos que produzir textos é a própria condição de existência que possibilita ao homem situar-se em determinada prática social de uso da língua enquanto integrante da sociedade, e os PCNEM-LP (BRASIL, 2000) incluem-se nesse pensamento ao apontar que o uso da língua só pode ser social. Nesse sentido, consideramos que a produção de um texto dever ser tomada como uma experiência de linguagem, e, desse modo, há algo que é peculiar do funcionamento da língua – e, necessariamente, constitutivo em uma produção de linguagem: a dupla natureza da linguagem que fundamenta e instaura o homem (BENVENISTE, 2006 [1970]). (AGUSTINI & BORGES, 2013, p. 7)

Para Agustini e Borges (2013), a operacionalização da dupla natureza da linguagem pode ser compreendida no momento de apropriação da língua pelo locutor, quando ele se torna sujeito na e pela linguagem. Esse duplo funcionamento refere-se, respectivamente, ao subjetivo (operado pela oposição eu-tu) e ao referencial (operado pela oposição eu-tu em relação a ele). Conforme a posição enunciativa de Benveniste,

o instante em que se instaura o colocar a língua em funcionamento tem o caráter da irrepetibilidade configurada em relação aos participantes, ao espaço e ao tempo da enunciação.

A partir da relação de interdependência entre homem e linguagem, é possível definir homem, isto é, a própria linguagem. É nela, ao mesmo tempo vista como meio de o homem se constituir sujeito, que há o fundamento da passagem do homem a sujeito. Então, Benveniste vê a linguagem como requisito e meio de o homem se constituir como sujeito. Essa passagem trata da questão da subjetividade na língua. “Subjetividade” definida por Benveniste (1989, p. 286, destaque do autor) como “a capacidade do locutor para se propor como ‘sujeito’”. Em suma, a linguagem torna evidente a condição intersubjetiva do homem e possibilita a constituição efetiva do sujeito na materialidade da língua.

Alinhada às considerações de Agustini e Borges (2013), em relação à produção de texto ser vista como uma experiência de linguagem, concebo a escrita do participante do ENEM como experiência de linguagem.

No início do artigo “o aparelho formal da enunciação”, Benveniste (1989) diferencia as condições de emprego das formas e da língua. Para o linguista, toda descrição linguística requer o emprego das formas, enquanto o emprego da língua é um fenômeno que parece se confundir com a própria língua. Segundo ele, enunciar é colocar a língua em funcionamento por um ato individual, é a apropriação da língua pelo locutor que a mobilizará e a converterá em discurso ao enunciar, de modo a produzir sentido, ao correferir com o interlocutor, tendo em vista a comunicação.

Para Benveniste (1989, p.86), “ao colocar em funcionamento a língua por um ato individual de utilização”, o locutor emprega muito mais do que as formas possíveis, que só significam na e pela enunciação, porque as converte em discurso. Isso significa que, na enunciação, o aparelho formal da língua é mobilizado pelo locutor para se constituir como sujeito e instaurar o outro. Assim, cada indivíduo se determina como sujeito em relação ao outro. Nesse aspecto, o linguista afirma que a língua fornece ao falante um sistema constante para o exercício da linguagem e, também, o instrumento que assegura o funcionamento do discurso: a oposição entre “eu” e “tu”, bem como a oposição “eu/tu” a “ele”. E acrescenta às duas configurações da língua a inclusão do falante no discurso que produz. O homem, a partir de um grupo ou classe, apropriando- se da língua para (se) enunciar.

Desse modo, Benveniste (1989) aponta que, o ato de o locutor produzir o enunciado mobilizando a língua determina as características gerais da enunciação e supõe a conversão da língua em discurso. Logo, a língua é apenas uma possibilidade antes da enunciação. Depois ela se transforma em discurso que emana de um locutor que suscita outra enunciação. Esse processo individual de enunciação pode ser chamado de apropriação. Nele, o locutor se apropria do aparelho formal da língua e enuncia sua posição postulando um interlocutor. Desse modo, busca introduzir aquele que fala naquilo que diz ao (se) enunciar.

Definida como ato individual de utilização da língua, segundo Benveniste (1989), a enunciação, sendo irrepetível porque é nova cada vez que o aparelho formal eu-tu-ele-aqui-agora é instaurado, é uma alocução que possibilita a conversão individual da língua em discurso. O processo da enunciação faz perceber como as palavras conduzem ao sentido. Benveniste (1989) afirma que a semantização encontra- se no centro desse processo e conduz à teoria do signo e à significância.

Então, benvenisteneanamente, o que ocorre na enunciação é a língua sendo empregada em uma relação com o mundo. Essa apropriação é, para o locutor, necessidade de ser compreendido pelo interlocutor. Na tentativa de que o outro compreenda da mesma forma, a co-construção da referência é importante, pois quando o participante do ENEM escreve o texto, ele está construindo referência sobre o assunto solicitado. No momento em que o leitor lê, ele co-constrói, no processo de leitura que está embutido na avaliação, as referências. Essas condições vão reger o mecanismo da referência e criar uma situação singular: o indivíduo, ao se apropriar da língua, introduzirá o outro naquilo que diz. Entretanto, nesse processo, não há garantias de que haverá correferência. Pode ou não haver correferência, pois dependerá do repertório compartilhado e do manejo da língua.

Nesse sentido, afirma Benveniste (1989):

Ainda que se compreenda o sentido individual das palavras, pode-se muito bem, fora das circunstâncias, não compreender o sentido que resulta da junção das palavras; esta é uma experiência corrente, que mostra ser a noção de referência essencial. (BENVENISTE, 1989, p. 231)

Na citação, o linguista afirma que o locutor só será compreendido pelo interlocutor se houver um conhecimento compartilhado das circunstâncias do ato de

enunciação e do que é dito. Assim, tratar de referência, nessa perspectiva, é olhar para o ato singular de conversão da língua em discurso. Mesmo que se compreenda o sentido individual das palavras, fora das circunstâncias, pode-se não compreender o sentido que resulta da junção delas. Sobretudo, o modo como aquele que escreve constrói a referência é essencial, se há problema no manejo da língua ou se há um problema de repertório, isso vai impactar na construção da referência de tal modo que poderá afetar a correferência.

Benveniste (1995, p. 84) afirma que na “enunciação, a língua se acha empregada para a expressão de uma certa relação com o mundo”, incluindo, assim, a questão da referência na enunciação. É assim porque ao mobilizar a língua e se apropriar dela, o locutor refere pelo discurso, e o outro pode ou não correferir com ele, a depender, inclusive, do repertório compartilhado. A atribuição de referência reporta à singularidade de cada instância de enunciação e implica o processo de sintagmatização e semantização, que apresenta o sujeito no uso da língua, dizendo de si mesmo e dizendo a situação de enunciação. Esse mecanismo é considerado por Benveniste (1989) como um dado constitutivo da enunciação. Segundo o linguista, cada enunciação tem o propósito de unir o locutor e o interlocutor por um laço social.

Nesse sentido, ao tratar a língua em dimensão enunciativa, Benveniste (1989) inclui o homem. Sua presença aponta para a língua como discurso, constitutiva do homem no mundo. Essa perspectiva, da (inter)subjetividade na linguagem, abre caminhos para se pensar em uma instância de língua que pode comportar enunciações do “eu” e do “tu” constituindo-os como locutor e interlocutor.

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