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3 Embasamento teórico

3.2 Teoria estruturalista

A escolha da teoria estruturalista para a abordagem inicial dos dados analisados se deve ao fato de que essa teoria propõe abordar qualquer língua como um sistema, em que cada um dos elementos só pode ser definido pelas relações de equivalência ou de oposição que mantém com os demais elementos. A partir da escrita remanescente da época trovadoresca, iremos verificar se podem ser encontrados indícios de que, naquela época, havia ou não oposição entre os grafemas e verificar se as consoantes fricativas na posição de coda ocorriam em situação de neutralização, assim como pode ser percebido no PB atual.

O estruturalismo surgiu em 1916, na obra Cours de Linguistique Générale, do linguista Ferdinand de Saussure, cujas ideias inovadoras propulsionaram novos estudos e teorias na área da linguística. Um dos linguistas que se dedicou a essas pesquisas foi Pike, que em 1947 escreveu Phonemics – a technique for reducing languages to writing, um texto clássico para o estudo de análise fonêmica.

A fonologia nasce do enquadramento das teorias estruturalistas do Círculo Linguístico de Praga e estuda os fonemas, que são unidades constituintes do sistema fonológico de uma língua. Segundo Silva (2012, p. 188), “os procedimentos teóricos e metodológicos postulados para análise do componente sonoro dentro de uma ótica estruturalista foram estendidos a outras áreas da análise linguística, contribuindo para com o processo da linguística como ciência”.

Câmara Jr. (1989[1970]) assume os procedimentos estruturalistas clássicos de análise fonêmica, bem como contribuições adicionais de noções assumidas pelo Círculo Linguístico de Praga, como as de neutralização e arquifonema. Por exemplo, no português, temos segmentos que apresentam contraste fonêmico e, quando estão distribuídos em pares mínimos, são caracterizados como fonemas. No modelo estruturalista, o fonema é tratado como uma unidade distinta que se relaciona a seus respectivos alofones em contextos específicos. Na oposição fonêmica entre /s/: /z/ e //: //, em pares mínimos como assa, asa e acha, haja, pode-se afirmar que há oposição dos fonemas em posição intervocálica. Em seca, Zeca e checa, jeca ocorre oposição em início de palavra. Porém, em posição de final de palavra o contraste fonêmico desaparece, podendo esta posição ser ocupada por qualquer um dos segmentos [s, z, , ] (SILVA, 2012, p. 157-158).

Apresentamos agora, sucintamente, alguns conceitos da fonologia estruturalista, considerações metodológicas e técnicas que servem para fazer uma análise fonológica básica.

De acordo com Silva (2011, p. 170), o par mínimo ocorre entre duas palavras com significados diferentes, cuja cadeia sonora é idêntica, exceto por um segmento na mesma posição estrutural. Na verdade, segundo Cagliari (2002), para que um par de palavras seja um par mínimo, basta que haja um conjunto de segmentos iguais e apenas uma diferença, que podem caracterizar tanto a oposição, quando há alteração de significado, como a variação, quando o significado não se altera. Por exemplo, curta e custa, são um par mínimo, pois têm todos os segmentos em comum menos [ɾ] e [s].

Cagliari (2002, p. 25) afirma que o som pode estar em oposição fonológica com outro num determinado contexto (ponto de um sintagma caracterizado pelo que vem antes e depois do som em análise), mas, num outro contexto, tal oposição pode não se realizar. O autor complementa, dizendo que:

Cada contexto tem sua estrutura e o que acontece num caso não precisa acontecer do mesmo modo em outros. Por exemplo, há oposição fonológica no Português entre [s] e [z], quando ocorrem entre vogais, como em caça e casa. Porém, em final de palavras, diante de pausa, só ocorre o [s] e nunca o [z], como se pode observar em palavras como fiz, paz, vês, avôs, todos, eles, etc. (CAGLIARI, 2002, p. 25)

O processo de neutralização acontece quando dois sons foneticamente semelhantes ocorrem em oposição fonológica em certos contextos, mas não estão em oposição fonológica em outros contextos, ou seja, a oposição fonológica que ocorre num contexto se neutraliza (deixa de acontecer) em outro contexto.

Segundo Trask (2004, p. 205), o conceito de neutralização foi introduzido e desenvolvido na década de 1930 pelo linguista Troubetzkoy. O conceito de neutralização tem a ver com a indicação de que a fonologia está ligada ao comportamento dos sons e com seu enquadramento num padrão, e não com o seu valor fonético absoluto.

Para Crystal (2000, p. 137), a neutralização é um termo usado na fonologia para descrever o que acontece quando a distinção entre dois fonemas se perde em um

determinado contexto. De acordo com Cagliari (2002, p. 46), as razões para a neutralização de uma oposição fonológica são:

[…] a não ocorrência de um dos membros do par de fonemas; a ocorrência complementar deles, caso em que um fonema ocorre num contexto e o outro em outro tipo de contexto; ocorrência de variação livre, envolvendo os sons em questão.

Outro elemento metodológico é o arquifonema, termo criado por Troubetzkoy, que foi fonólogo da Escola de Praga. É representado por um símbolo, geralmente uma letra maiúscula entre duas barras inclinadas, e mostra a perda do contraste entre dois ou mais fonemas, causada por uma neutralização (MONARETTO; QUEDNAU; HORA, 1996, p. 207). No português do Brasil, por exemplo, temos o arquifonema /S/, resultante da neutralização de /s/, //, /z/ e // em final de sílaba, como em festa, que pode ser pronunciada como /'fsta/ ou /'fta/, ou em asma, que pode ser pronunciada como /´azma/ ou /´ama/.

Em seguida, passaremos para a corrente que dá continuidade à sequência histórica da Linguística: a gerativa, fundada por Chomsky na década de 1950. Na fonologia gerativa, os segmentos passam a ser interpretados como constituídos por um conjunto de propriedades. As propriedades distintivas são traços ou parâmetros como "consonantalidade", "sonoridade", "continuidade" e outros, determinados por dois valores possíveis (+ ou -), que permitem classificar os sons de qualquer inventário a partir de uma matriz de especificações (acústicas e articulatórias) que os identifica no sistema. A ausência ou presença de uma determinada propriedade é indicada para cada segmento; temos, então, uma oposição binária. “Cada uma destas propriedades é referida como um traço distintivo e segmentos são constituídos de um feixe de traços distintivos” (SILVA, 2012, p. 189), como no exemplo abaixo:24

(23) [v] [i] [d] [a] v i d a consonantal + - + - silábico - + - + soante - + - + contínuo + + - + solt.retardada - - - - nasal - - - - lateral - - - - anterior + - + - coronal - - + - alto - + - - recuado - - - + arredondado - - - - baixo - - - + vozeado + + + + tenso + + + -

Assim como afirma Hernandorena (1996, p. 11), Chomsky foi o marco significativo nos estudos linguísticos a partir da década de 50, pois determinou como objetivo do estudo descritivo de uma língua a construção de uma gramática e, ao defini- la como sistema de regras que especifica a correspondência entre som e significado, inseriu a noção de regra linguística como sendo indispensável para a caracterização de qualquer língua.

Dentre os vários pressupostos teóricos que fundamentam o modelo chomskyano, focaremos o aspecto referente à distinção entre competência/desempenho e à existência de uma Gramática Universal (doravante, GU). Segundo Hernandorena (1996, p. 12), podemos afirmar que Chomsky sustenta a opinião de que toda pessoa é capaz de fazer julgamentos imediatos, intuitivos e naturais sobre as relações sintáticas e semânticas de sua língua, conseguindo também interpretar sentenças ambíguas e perceber frases mal formadas. Além disso, a autora complementa dizendo que Chomsky observou “que a criança adquire uma língua, com toda a sua complexidade, nos

primeiros anos de vida, sendo capaz de criar e empregar expressões e sentenças que nunca ouviu” (HERNANDORENA, 1996, p. 12).

Por isso, de acordo Chomsky (1965), todo falante ou ouvinte tem uma “competência linguística”, ou seja, possui um conhecimento inconsciente da língua, da gramática e do sistema de regras que a caracteriza. Para Hernandorena (1996, p. 12), a “competência” não pode ser confundida com “desempenho”, uma vez que o mesmo não depende somente do conhecimento da língua, mas de muitos outros fatores, como restrição de memória, atenção, crenças e conhecimento não-linguístico.

Outro pressuposto teórico que fundamenta o modelo chomskyano é a GU. A GU pode ser definida como uma essência comum que os homens têm como parte de sua herança genética. Segundo a proposta elaborada por Chomsky, o indivíduo adquire a língua do ambiente em que vive com base nessa essência comum, pois esse linguista estava mais preocupado com a similaridade entre as línguas do que com as diferenças existentes entre elas, atribuindo essas semelhanças a uma natureza comum. Segundo Hernandorena (1996, p. 12):

De acordo com essa concepção, as línguas constroem suas gramáticas com base na GU, ou seja, fixam parâmetros particulares a partir dos princípios gerais ditados pela GU. Um exemplo de princípio da GU é que a sílaba pode ter três elementos: ataque, núcleo e coda. A partir desse princípio, cada língua vai criar a sua gramática, determinando neste caso, que tipo de segmento pode ocupar as diferentes posições na estrutura silábica e fixando parâmetros, os quais podem estabelecer, por exemplo, que o ataque é obrigatório em todas as sílabas da língua e que a coda é opcional.

A abordagem gerativa aplicada à fonologia baseou-se inicialmente na proposta de Chomsky e Halle (1968), no livro clássico The sound pattern of English (SPE), que busca descrever os princípios universais que regulam os sistemas sonoros, procurando compreender os mecanismos que organizam a GU.

Segundo Hernandorena (1996, p. 13), o componente fonológico é definido como a parte da gramática que atribui uma interpretação fonética à descrição sintática. Ou seja, a gramática gera um número infinito de sentenças, cada uma delas com sua representação semântica e fonética. Portanto, a correspondência som-significado é definida pela gramática da língua.

Sobre esse assunto, Massini-Cagliari (1999, p. 71) afirma que a interação entre fonologia e o resto da gramática limita-se a uma interface com a sintaxe, em que o output do componente sintático constituía o input do componente fonológico. Segundo Massini-Cagliari (1992, p. 74), a gramática gerativa têm três componentes principais, sendo eles o sintático, que é o mais importante de todos, pois cabe a ele a produção das sentenças, o semântico e o fonológico, ambos componentes interpretativos, como podemos ver no exemplo (24) abaixo:

(24)

Léxico

Sintaxe

Fonologia Semântica

Vale ressaltar que o modelo de Chomsky e Halle (1968) se diferenciou do modelo estruturalista, pois tornou a relação entre a representação fonológica e a produção fonética mais abstrata, eliminando o nível fonêmico, que estabelece um nível separado para a relação entre fonema e suas variantes contextualmente especificadas. Para o gerativismo, o traço é a unidade mínima que tem realidade psicológica e valor operacional (HERNANDORENA, 1996, p. 14).

Segundo Hernandorena (1996, p. 13),

[…] no modelo de Chomsky e Halle (1968) o componente fonológico tem, como input, o fluxo da fala estruturalmente analisado e, como

output, uma representação fonética dessa cadeia de fala. A

representação fonética consiste em uma sequência de segmentos fonéticos, os quais são um conjunto de especificações de traços, isto é, de propriedades mínimas como “nasalidade”, “sonoridade” e outras. A representação fonológica consiste na representação mental dos itens lexicais, em que “conjuntos de especificações de traços fonológicos” podem manter uma correspondência unívoca ou não com o conjunto de traços fonéticos.

A representação fonética compõe uma sequência de segmentos fonéticos, que são um conjunto de especificações de traços, ou seja, propriedades mínimas como sonoridade, nasalidade e outras. O aspecto fonológico é a chave para a representação mental dos itens lexicais, em que os conjuntos de especificações de traços fonológicos podem manter uma correspondência unívoca ou não com o conjunto de traços fonéticos (HERNANDORENA, 1996, p. 13).

Massini-Cagliari (1992, p. 74) afirma que, para a fonologia gerativa:

a representação fonética de uma estrutura superficial é uma cadeia de segmentos ordenados linearmente. Cada segmento tem uma estrutura interna, ou seja, pode ser analisado como um conjunto de traços distintivos, que ora se referem a aspectos articulatórios e ora se referem a elementos perceptuais. A especificação de traços na representação fonológica é feita inteiramente através dos símbolos “+” e “-“ (ex.: + baixo, - alto, + recuado, etc.).

Conforme Cagliari (2002, p. 88) declara, as características vêm descritas entre colchetes como os símbolos fonéticos, com a valência no início, como por exemplo [+vozeado] ou [-vozeado]. As propriedades com o sinal de (+) são marcadas e as com sinal de (-) são não marcadas. Para Cagliari (2002, p. 88),

[…] há implicações teóricas fortes que se baseiam no fato de certas regras atingirem elementos marcados ou não-marcados (teorias das marcas fonológicas). Em uma notação como [+sonoro] não se lê a valência (o sinal de +), mas se diz apenas sonoro. Na notação [- sonoro], por exemplo, diz-se não-sonoro ou surdo, não sendo costume dizer menos sonoro.