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2.4 O CONTROLE DA ATIVIDADE POLÍTICA

2.4.2 A teoria da partição dos poderes

O referido autor grego, através de sua análise das formas de governo e da organização da pólis, já percebia a existência de três diferentes funções, seja na monarquia, na aristocracia ou na politeia (também compreendendo as formas corrompidas): feitura de lei por deliberações em Assembleias, a magistratura governamental e o julgamento de casos. Já propunha Aristóteles (2014, p. 87):

Em todo governo, existem três poderes essenciais, cada um dos quais o legislador prudente deve acomodar da maneira mais conveniente. Quando estas três partes

5 Apesar do autor se referir ao princípio da legalidade insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal,

regendo questões da Administração Pública, a sua lição vale para a emanação do poder político latu sensu, inclusive na esfera política-governamental. Veja-se, por exemplo, o caso de irregularidades procedimentais na atividade legiferante, quando lesam destinatários da lei produzida, isto é, apesar do Poder Legislativo ser imbuído de caráter eminentemente político, ainda assim seus feitos deverão passar pelo crivo da legalidade.

6 Veja-se o que o Poder Militar, nas funções do Executivo, realizou através dos Atos Insitucionais,

principalmente, sobre o tema, os dois primeiros, quando alteraram unilateralmente a Constituição Federal então vigente, cassou mandatos sem observar o devido processo legal, demitiu e aposentou servidores públicos compulsoriamente, e decretou o recesso do Congresso Nacional.

estão bem acomodadas, necessariamente o governo vai bem, e é das diferenças entre estas partes que provêm as suas. O primeiro destes três poderes é o que delibera sobre os negócios do Estado. O segundo compreende todas as magistraturas ou poderes constituídos, isto é, aqueles de que o Estado precisa para agir, suas atribuições e a maneira de satisfazê-las. O terceiro abrange os cargos de jurisdição. Os primeiros teriam a incumbência legislativa propriamente dita, resolver sobre a paz e a guerra, estabelecer ou romper relações diplomáticas, tendo que prestar contas aos magistrados – seria, segundo entende, o “verdadeiro soberano” da organização político-social. Já os segundos seriam os participantes do poder público, os quais possuem função precípua de mando, zelando pela boa-fé e decência no comércio, pela administração de edifícios públicos e privados, pela arrecadação e gerenciamento da renda pública, execução de sentenças etc. A derradeira função se preocuparia com o julgamento de crimes contra o Estado e contra a Constituição, de aplicação de multas, sobre contratos particulares, causas criminais, negócios entre estrangeiros, além de pequenas demandas.

Ainda sobre a evolução da teoria da partição dos poderes, necessária a menção de John Locke (2006, p. 331), contrário ao absolutismo, como exposto supra, que sustenta a existência de duas esferas típicas: a legislativa e a executiva. Aquela, despicienda de perenidade em suas funções, determina como a força da coletividade será empregada na preservação de seus membros e da propriedade através de promulgação de leis, por isso se mostra como o “poder supremo”. A última serve como forma de assegurar a legislação, razão pela qual necessita estar sempre em atividade, já que a as leis permanecem válidas por tempo indeterminado.

Dois pontos merecem destaque nesta teoria, sendo o primeiro deles no que versa ao que o filósofo inglês denominou de poder federativo. Este, embora diverso do executivo, poderia ser detido pela mesma pessoa, por ter competência relativa à questões externas à comunidade política, enquanto o executivo trataria de questões internas. Portanto, “ambos requerem para o seu exercício a força da sociedade, e é quase impraticável colocar a força da comunidade política em mãos distintas e não subordinadas” (LOCKE, 2006, p. 331). O segundo ponto se refere ao poder judicante, porque “não se configura como um poder autônomo, não se distingue claramente e parece incluído no poder executivo, o qual se ocupa da administração total das leis” (GOUGH apud ALBUQUERQUE, 2014, p. 2) 7.

Essa disjunção mostra-se necessária para Locke basicamente pelas vicissitudes humanas, cuja fraqueza, em caso de concentração dos poderes por um único homem,

7 A observação é roborada por passagem de John Locke (2006, p. 334), o qual prescreve que o poder legislativo

acarretaria na própria dispensa do cumprimento da lei ou adequaria as leis aos seus anseios, ou seja, haveria um interesse diverso do almejado pela comunidade.

Dentro do cenário de declínio do governo absolutista francês e no ápice do ideário Iluminista, ou seja, de “um processo histórico vigoroso de ruptura, liberalização e criatividade [...], inclusive para desmascarar as instituições tradicionais” (WOLKMER, 2006, pp. 149 e 151), surge a doutrina de Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu. Justamente pelas circunstâncias e efeitos de sua teorização, essa obra é considerada paradigma da tripartição dos poderes e influenciou fortemente a edição da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.

O escritor diagramou a existência de três poderes, quais sejam, o legislativo, o executivo das coisas relativas ao direito das gentes (executivo propriamente dito) e executivo das que dependem o direito civil (judiciário). Aqui as funções delineadas se aproximam muito das dos dias atuais, quer dizer, o legislativo cria leis, altera-as e as extingue; o executivo é responsável pelas relações externas e administra internamente a sociedade, executando resoluções domésticas; e o judiciário processa e julga questões criminais e disputas entre particulares (este último que Montesquieu entende por ser “nulo”).

Assevera Monstesquieu (2010, p. 169) que caso unidos na mesma pessoa o poder de julgar e legislar, o poder passará a ser arbitrário sobre as pessoas; se cumuladas as funções de julgador e executor, poderá se tornar um opressor; e, por fim, se as atribuições legislativas e executivas se reunirem sob um mesmo corpo, é de se “temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado faça leis tirânicas, para executá-las tiranicamente”.

A teoria política atual, por seu turno, consigna que o poder é uno, indivisível e indelegável; emanado de uma única entidade – o Estado (SILVA, 2013, p. 108). Então, há, em realidade, um desdobramento em certas funções: executivo, legislativo e judiciário. Porém, não se pode confundir “separação de poderes” com “separação de funções”, ou, para alguns, simplesmente uma “distribuição de funções” (DALLARI, 2010, p. 217).

É bem verdade que há necessária conexão entre ambas as instituições. A distinção funcional se reporta à especialização das atividades praticadas no âmbito estatal, em razão de sua própria natureza administrativa. Já a separação dos poderes é a execução precípua de dada função governamental por certo órgão estatal.

Assim é verificável a semelhança entre a função exercida e o órgão especializado, vale dizer, a tarefa legislativa pelo Poder Legislativo, o munus de atuação concreta por seus meios próprios pelo Poder Executivo e, por fim, a solução de lides e conflitos incumbe ao Poder Judiciário. No entanto esta ruptura e distinção já não é rígida como outrora fora.

Atualmente, a construção de um Estado extremamente atuante em todas as searas sociais acabou por tornar as suas funções administrativas em grau tão elevado de complexidade que seria inviável e platônica a idealização de uma distinção passível de abarcar todas as vicissitudes sistêmicas8. Conforme Silva (2013, p. 111), essa complexidade obrigou uma revisão da teoria clássica e a reformulação do relacionamento entre os Poderes, com verdadeira colaboração entre os órgãos, além de independência orgânica e harmonia funcional9, ou seja, no dizer de Azambuja (2008, p. 205), deve haver uma coordenação de poderes.