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Teoria dos Poderes Implícitos

A discussão acerca da Teoria dos Poderes Implícitos surgiu quando da proposta de emenda à Constituição da República de n.º 37/2011 a qual, em breve síntese, “dá poder exclusivo à polícia para realizar investigações criminais, [...]”, conforme notícia do sítio “g1.globo.com”.

A proposta aventada era capitaneada principalmente pela Polícia em sua totalidade, englobando até a Polícia Judiciária, vezes que pleteiam para si o exclusivo poder de investigar, ou seja, somente incumbe à Polícia investigar, não ao Ministério Público.

Não obstante tal proposta é certo que o Ministério Público é o titular da ação penal, consoante própria disposição do inciso I do artigo 129 da nossa Constituição da República de 1.988.

Ao se pautar da titularidade da ação penal à Instituição do Ministério Público é que surge o grande cerne da questão acerca da possibilidade, ou não, do Ministério Público investigar e, ao mesmo tempo, propor a ação penal.

Partindo da Teoria dos Poderes Implícitos, originária do precedente da Suprema Corte dos Estados Unidos da América, em 1819, Mc CulloCh vs. Maryland, extraindo sua definição do sítio “CONJUR”, temos que:

De acordo com a teoria, a Constituição, ao conceder uma função a determinado órgão ou instituição, também lhe confere, implicitamente, os meios necessários para a consecução desta atividade.

Ora, a partir dessa teoria afirma-se que se determinado órgão detém a incumbência de executar uma atividade ou função fim, ele poderá, por isso mesmo, utilizar-se dos meios necessários a atingir este fim, pouco importando se não foram concebidos expressamente pelo texto constitucional. Se o constituinte conferiu ao Ministério Público a titularidade privativa da ação penal, esta “deve englobar a ação

penal propriamente dita e as providências antecedentes para permitir o seu desencadeamento, os atos de investigação criminal” (SANTIN, 2001. p. 240).

Ao retratar esta teoria para a Constituição da República de 1.988 constata-se que a Magna Carta ao conferir poderes ao Ministério Público de propor a ação penal, em sua exclusividade, estará, no mesmo instante, concedendo poderes para que investigue, ou seja, para que instrua sua ação sem depender de qualquer outro órgão.

A jurisprudência brasileira vem aceitando a referida Teoria dos Poderes Implícitos:

"HABEAS CORPUS" - CRIME DE TORTURA ATRIBUÍDO A POLICIAL CIVIL - POSSIBILIDADE DE O MINISTÉRIO PÚBLICO, FUNDADO EM INVESTIGAÇÃO POR ELE PRÓPRIO PROMOVIDA, FORMULAR DENÚNCIA CONTRA REFERIDO AGENTE POLICIAL - VALIDADE JURÍDICA DESSA ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA - CONDENAÇÃO PENAL IMPOSTA AO POLICIAL TORTURADOR - LEGITIMIDADE JURÍDICA DO PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - MONOPÓLIO CONSTITUCIONAL DA TITULARIDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA PELO "PARQUET" - TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS - CASO "McCULLOCH v. MARYLAND" (1819) - MAGISTÉRIO DA DOUTRINA (RUI BARBOSA, JOHN MARSHALL, JOÃO BARBALHO, MARCELLO CAETANO, CASTRO NUNES, OSWALDO TRIGUEIRO, v.g.) - OUTORGA, AO MINISTÉRIO PÚBLICO, PELA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, DO PODER DE CONTROLE EXTERNO SOBRE A ATIVIDADE POLICIAL - LIMITAÇÕES DE ORDEM JURÍDICA AO PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - "HABEAS CORPUS"

INDEFERIDO. NAS HIPÓTESES DE AÇÃO PENAL PÚBLICA, O INQUÉRITO POLICIAL, QUE CONSTITUI UM DOS DIVERSOS INSTRUMENTOS ESTATAIS DE INVESTIGAÇÃO PENAL, TEM POR DESTINATÁRIO PRECÍPUO O MINISTÉRIO PÚBLICO. - O inquérito policial qualifica-se como procedimento administrativo, de caráter pré-processual, ordinariamente vocacionado a subsidiar, nos casos de infrações perseguíveis mediante ação penal de iniciativa pública, a atuação persecutória do Ministério Público, que é o verdadeiro destinatário dos elementos que compõem a "informatio delicti". Precedentes. - A investigação penal, quando realizada por organismos policiais, será sempre dirigida por autoridade policial, a quem igualmente competirá exercer, com exclusividade, a presidência do respectivo inquérito. - A outorga constitucional de funções de polícia judiciária à instituição policial não impede nem exclui a possibilidade de o Ministério Público, que é o "dominus litis", determinar a abertura de inquéritos policiais, requisitar esclarecimentos e diligências investigatórias, estar presente e acompanhar, junto a órgãos e agentes policiais, quaisquer atos de investigação penal, mesmo aqueles sob regime de sigilo, sem prejuízo de outras medidas que lhe pareçam indispensáveis à formação da sua "opinio delicti", sendo-lhe vedado, no entanto, assumir a presidência do inquérito policial, que traduz atribuição privativa da autoridade policial. Precedentes. A ACUSAÇÃO PENAL, PARA SER FORMULADA, NÃO DEPENDE, NECESSARIAMENTE, DE PRÉVIA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL. - Ainda que inexista qualquer investigação penal promovida pela Polícia Judiciária, o Ministério Público, mesmo assim, pode fazer instaurar, validamente, a pertinente "persecutio criminis in judicio", desde que disponha, para tanto, de elementos mínimos

de informação, fundados em base empírica idônea, que o habilitem a deduzir, perante juízes e Tribunais, a acusação penal. Doutrina.

Precedentes. A QUESTÃO DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DE EXCLUSIVIDADE E A ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA. - A cláusula de exclusividade inscrita no art. 144, § 1º, inciso IV, da Constituição da República - que não inibe a atividade de investigação criminal do Ministério Público - tem por única finalidade conferir à Polícia Federal, dentre os diversos organismos policiais que compõem o aparato repressivo da União Federal (polícia federal, polícia rodoviária federal e polícia ferroviária federal), primazia investigatória na apuração dos crimes previstos no próprio texto da Lei Fundamental ou, ainda, em tratados ou convenções internacionais. - Incumbe, à Polícia Civil dos Estados-membros e do Distrito Federal, ressalvada a competência da União Federal e excetuada a apuração dos crimes militares, a função de proceder à investigação dos ilícitos penais (crimes e contravenções), sem prejuízo do poder investigatório de que dispõe, como atividade subsidiária, o Ministério Público. - Função de polícia judiciária e função de investigação penal: uma distinção conceitual relevante, que também justifica o reconhecimento, ao Ministério Público, do poder investigatório em matéria penal. Doutrina. É PLENA A LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO PODER DE INVESTIGAR DO MINISTÉRIO PÚBLICO, POIS OS ORGANISMOS POLICIAIS (EMBORA DETENTORES DA FUNÇÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA) NÃO TÊM, NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO, O MONOPÓLIO DA COMPETÊNCIA PENAL INVESTIGATÓRIA. - O poder de investigar compõe, em sede penal, o complexo de funções institucionais do Ministério Público, que dispõe, na condição de

"dominus litis" e, também, como expressão de sua competência para exercer o controle externo da atividade policial, da atribuição de fazer instaurar, ainda que em caráter subsidiário, mas por autoridade própria e sob sua direção, procedimentos de investigação penal destinados a viabilizar a obtenção de dados informativos, de subsídios probatórios e de elementos de convicção que lhe permitam formar a "opinio delicti", em ordem a propiciar eventual ajuizamento da ação penal de iniciativa pública. Doutrina. Precedentes. CONTROLE JURISDICIONAL DA ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO: OPONIBILIDADE, A ESTES, DO SISTEMA DE DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS, QUANDO EXERCIDO, PELO "PARQUET", O PODER DE INVESTIGAÇÃO PENAL. - O Ministério Público, sem prejuízo da fiscalização intra--orgânica e daquela desempenhada pelo Conselho Nacional do Ministério Público, está permanentemente sujeito ao controle jurisdicional dos atos que pratique no âmbito das investigações penais que promova "ex propria auctoritate", não podendo, dentre outras limitações de ordem jurídica, desrespeitar o direito do investigado ao silêncio ("nemo tenetur se detegere"), nem lhe ordenar a condução coercitiva, nem constrangê-lo a produzir prova contra si próprio, nem lhe recusar o conhecimento das razões motivadoras do procedimento investigatório, nem submetê-lo a medidas sujeitas à reserva constitucional de jurisdição, nem impedi-lo de fazer-se acompanhar de Advogado, nem impor, a este, indevidas restrições ao regular desempenho de suas prerrogativas profissionais (Lei nº 8.906/94, art. 7º, v.g.). - O procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público deverá conter todas as peças, termos de declarações ou depoimentos, laudos periciais e demais subsídios probatórios coligidos no curso da investigação, não podendo, o "Parquet", sonegar, selecionar ou deixar de juntar, aos autos, quaisquer desses elementos de informação, cujo conteúdo, por referir-se ao objeto da apuração penal, deve ser tornado acessível tanto à pessoa sob investigação quanto ao seu Advogado. - O regime de sigilo, sempre excepcional, eventualmente prevalecente no contexto de investigação penal promovida pelo Ministério Público, não se revelará oponível ao investigado e ao Advogado por este constituído, que terão direito de acesso - considerado o

princípio da comunhão das provas - a todos os elementos de informação que já tenham sido formalmente incorporados aos autos do respectivo procedimento investigatório. (STF, HC 89837/DF, Min. Rel. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 20.10.2009, DJe 20.11.2009) (grifei)

PROCESSUAL CIVIL – VIOLAÇÃO DO ARTIGO 332 DO CPC, DO ARTIGO 50 DA LEI N. 9.784/99 E DOS ARTS. 10, INCISO IX, E 24 DA LEI N.

4.595/64 – PREQUESTIONAMENTO NÃO CONFIGURADO – VIOLAÇÃO DO ART. 453 DO CPC – INEXISTÊNCIA – SÚMULA 83/STJ – VIOLAÇÃO DO TRATADO DE BASILEIA – AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO – SÚMULA 284/STF – POTENCIALIDADE DE PREJUÍZO – FISCALIZAÇÃO POR TRIBUNAL DE CONTAS DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA ESTATAL – POSSIBILIDADE – DECISÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM, EM TODOS OS FUNDAMENTOS, DE ACORDO COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE – SÚMULA 83/STJ – INTENÇÃO GERAL DE REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA – INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. [...]

4. A fiscalização dos Tribunais de Contas não deve abarcar as atividades econômicas das instituições financeiras estatais, desde que sejam praticadas dentro dos riscos comerciais e negociais aceitáveis. Entretanto, quando praticadas de maneira deliberada para causar, ainda que potencialmente, prejuízo ao Tesouro ou enriquecimento sem causa de terceiro, deve ser exercida fiscalização pela Corte de Contas. 5. Todos os sistemas e órgãos de controle e fiscalização de recursos públicos devem, em uma República, ser valorizados e dotados de poderes implícitos idôneos para que sejam atingidos os fins constitucionais. 6.

Estando o acórdão do Tribunal de origem de acordo com a jurisprudência desta Casa, deve ser aplicada a Súmula 83/STJ. 7. A intenção, ainda que implícita, de reexame de matéria fático-probatória deve ser repelida, com base na Súmula 7/STJ. Agravo regimental improvido. (STJ, AgRg no REsp 1119799/DF, Min. Rel. Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 20.10.2009, DJe 29.10.2009) (grifei)

Por estes julgados é possível concluir que o Ministério Público poderá se dotar de todos os meios necessários para que a sua “opinio delicti” seja concretizada sem dúvida alguma, sendo que se retirasse essa forma de investigação por parte do Ministério Público estaria inviabilizando, no mais das vezes, a propositura de adequada ação penal.

Nestes parâmetros é que os termos da PEC 37/2011 foram rejeitados, não podendo colocar com exclusividade o poder de investigação em mãos da Polícia Judiciária, uma vez que o Ministério Público, com o poder de investigar, proporcionará maiores avanços na persecução penal do que se lhe retirasse essa atribuição.

Não se trata de que o Ministério Público investigue melhor do que a Polícia Judiciária mas, sim, de que havendo mais órgãos e instituições incumbidas do poder de investigar, mais eficaz e até mais legítima a repressão à delinquência.

Tolher do Ministério Público o poder de investigar infrações penais seria torna-lo mero intermediário entre a polícia e a justiça criminal, com simples

função de chancela do que a polícia civil ou a polícia federal viesse, ou não, a descobrir.

Destaca-se, assim, o § 4.º do artigo 144 da Magna Carta, in verbis:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

[...]

§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

[...]

Pela redação do nosso texto constitucional de 1.988 constata-se que a apuração de infrações penais é incumbida à policia civil e à polícia federal, desde que denotada sua esfera de atribuição, inserindo dentro dessa função a de investigação criminal.

Em primeiro plano poderia se levar em consideração que haveria uma certa exclusividade da investigação em mãos da Polícia Judiciária, não podendo qualquer outro órgão investigar, sob pena de se verificar uma ilegalidade.

Entretanto, com o avanço do Ministério Público e de sua disposição em nossa Constituição da República de 1.988, a qual dispôs sobre uma maior gama de poderes do que na égide das constituições anteriores, este paradigma foi quebrado, podendo, também, essa Instituição investigar, tanto na esfera criminal quanto na tutela de interesses difusos e coletivos através do Inquérito Civil.

Neste trilhar leciona José Renato Nalini (2009, p. 391):

A enunciação constitucional de suas funções institucionais evidencia a poderosa ascensão dessa carreira que já não se resume a formular a acusação perante a Justiça Criminal. Embora ao Ministério Público incumba promover, privativamente, a ação penal pública, avoluma-se o rol das demais atribuições. É seu dever institucional zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, [...]

Como já salientada na Teoria dos Poderes Implícitos e pela derrubada da PEC 37/2011, não resta dúvidas de que o Ministério Público é capaz de investigar e detém competência para tanto, haja vista que é titular da ação penal e, por este lado, tem interesse em coibir a prática de delitos na sociedade.

Partindo do princípio de que o Ministério Público é um órgão somatório à possibilidade de investigar cria-se a figura do promotor investigador, aquele que poderá tomar as rédeas de uma investigação pela sua própria vontade e competência.

Ao promotor investigador incumbe receber diretamente a notitia criminis ou de forma indireta, nesse último caso através da polícia judiciária, e investigar os fatos que esta notícia trouxer.

Ressalta-se que no âmbito da investigação, como o Ministério Público é uma Instituição dotada de autonomia, poderá o parquet adotar as medidas que entender necessárias para o correto e concreto andamento da investigação, visando sempre uma averiguação minuciosa do fato criminoso.

Ademais, poderá o Ministério Público incorrer no trabalho em conjunto com a Polícia Judiciária, não devendo haver nenhuma rivalidade entre os órgãos, tendo em vista que o interesse primordial das investigações é a apuração delitiva e consequentemente coibir a prática de crimes. Tanto uma quanto outra estão vinculadas ao atendimento do interesse social.

Cabe salientar que o sistema processual penal adotado pelo Brasil na atualidade é o acusatório:

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL.

INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIA. ARTIGO 184 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. INOCORRÊNCIA. PERÍCIA DESNECESSÁRIA PARA A ELUCIDAÇÃO DOS FATOS. ORDEM DENEGADA. I - O deferimento de provas submete-se ao prudente arbítrio do magistrado, cuja decisão há de levar em conta o conjunto probatório já existente. II - É lícito ao juiz indeferir diligências que reputar impertinentes, desnecessárias ou protelatórias (arts. 184 e 400, § 1º, do CPP, este último incluído pela Lei 11.719/2008). Precedentes. III - Inocorrência de afronta aos princípios da ampla defesa e do contraditório ou às regras do sistema acusatório, por se tratar de perícia desnecessária para a elucidação dos fatos imputados ao paciente. IV - A discussão sobre o acerto ou desacerto da decisão do juiz de primeiro grau, ademais, exige o exame aprofundado de fatos e provas, o que, em sede de habeas corpus, não se mostra possível, visto tratar-se de instrumento destinado à proteção de direito demonstrável de plano, que não admite dilação probatória. V - Ordem denegada. (STF, Habeas Corpus n.º 104.473/PE, Min. Rel. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 05.10.2010, DJe 27.10.2010) (grifei)

HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. NULIDADE. RITO ADOTADO EM AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. SISTEMA ACUSATÓRIO. EXEGESE DO ART. 212 DO CPP, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.690/2008. EIVA RELATIVA. DEFESA SILENTE DURANTE A REALIZAÇÃO DO ATO. PRECLUSÃO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO EFETIVO PREJUÍZO. PRINCÍPIO DA

INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA. 1. A nova redação dada ao art. 212 do CPP, em vigor a partir de agosto de 2008, determina que as vítimas, testemunhas e o interrogado sejam perquiridos direta e primeiramente pela acusação e na sequência pela defesa, possibilitando ao magistrado complementar a inquirição quando entender necessário quaisquer esclarecimentos. 2. É cediço que no terreno das nulidades no âmbito no processo penal vige o sistema da instrumentalidade das formas, no qual se protege o ato praticado em desacordo com o modelo legal caso tenha atingido a sua finalidade, cuja invalidação é condicionada à demonstração do prejuízo causado à parte, ficando a cargo do magistrado o exercício do juízo de conveniência acerca da retirada da sua eficácia, de acordo com as peculiaridades verificadas no caso concreto. 3. Na hipótese em apreço, o ato impugnado atingiu a sua finalidade, ou seja, houve a produção das provas requeridas, sendo oportunizada às partes, ainda que em momento posterior, a formulação de questões às testemunhas ouvidas, respeitando-se o contraditório e a ampla defesa constitucionalmente garantidos, motivo pelo qual não houve qualquer prejuízo efetivo ao paciente.[...] (STJ, Habeas Corpus n.º 163.428/DF, Min. Rel. Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 21.06.2011, DJe 01.08.2011) (grifei)

Pelos arestos citados é possível denotar que no nosso ordenamento jurídico pátrio vige o sistema acusatório, e não o inquisitivo, uma vez que incumbe à própria acusação dispor sobre as provas que pretende produzir e, também, é a esta que destina a investigação.

No âmbito do sistema pátrio há evidente divisão das tarefas no âmbito do processo e até na via administrativa, uma vez que ao acusatório todo o conjunto probatório existente é dirigida à acusação, de tal sorte que esta poderá expor sua opinião sobre o que ocorreu quando da notitia criminis.

Já no que concerne ao inquisitivo, ao magistrado da causa incumbe o poder de produzir provas de ofício, que é vedado pelo nosso ordenamento jurídico, vezes que somente a acusação poderá investigar, que no caso é o Ministério Público e, também, determinará quais provas a produzir, haja vista que o destino tanto das provas, quanto da investigação, é para a referida Instituição.

Eduardo Luiz Santos Cabette e Francisco Sannini Neto (2013), em contraponto à atividade investigativa do Promotor de Justiça, em artigo já citado, estabelecem que a razão pela qual o Promotor de Justiça não poderia investigar é que a Constituição Federal de 1.988 determinou a investigação criminal como uma atividade exclusiva atribuída às Polícias Civil e Federal, de tal sorte que não poderia uma lei infraconstitucional dispor o contrário; que o fim destinado da investigação não é para o titular da ação penal, mas à própria Justiça; que o ditado “quem pode mais, pode o menos” não pode ser levado em consideração uma vez que o texto

constitucional de 1.988 foi expresso ao dispor acerca das competências de cada órgão, que as regras de investigação criminal são expressas à Polícia Judiciária e que se fosse adotada referida premissa incorreria em distorção acerca das demais atividades das partes.

Muito embora o respeito devido a essa opinião, é certo que a Teoria dos Poderes Implícitos denota de grande aplicabilidade no âmbito jurídico brasileiro, de tal sorte que com a investigação patrocinada pelo Ministério Público este adotará as cautelas exigidas e necessárias ao correto deslinde da notitia criminis. Um exemplo notório de referida aplicação é a Operação Lava Jato, deflagrada pelo Ministério Público Federal.

Acrescente-se que em nosso texto constitucional de 1.988 há a previsão específica, como função da Instituição, o controle externo da polícia judiciária, evidenciando que o próprio Ministério Público, ao exercer este controle, atuará nas atribuições da própria Polícia, como a investigação de eventos criminosos.

Neste trilho, Hugo Nigro Mazzilli (1991, p. 12):

É multifária a atividade policial, mas, a nosso ver, o controle que o Ministério Público deve exercer sobre ela diz respeito essencialmente às áreas em que a atividade policial se relaciona com as funções institucionais do Ministério Público: trata-se da investigação de crimes, dentro e fora dos inquéritos policiais, ou seja, a tarefa de polícia judiciária e de apuração de infrações penais.

A atribuição, pelo constituinte, do controle externo da Polícia, concomitante com a titularidade da ação penal, só faz reforçar a afirmação da Teoria dos Poderes Implícitos, até porque o controle inclui o poder de interferência e participação na atividade exercida pelo controlado. Consoante lapidar ensinamento doutrinário, “na realidade, o poder de interferência é indissociável da noção de controle, nada obstando, em princípio, que a lei autorize o órgão de controle a agir em substituição ao órgão controlado” (SMANIO; MALULY; DEMERCIAN, 2013, p.

49).

Pela exposição doutrinária a função institucional do Ministério Público, uma vez titular da ação penal é, também, a de investigação, uma vez tomado em conta a notitia criminis.

Parece evidente que a intenção do constituinte não foi dar à Polícia Civil exclusividade para apuração das infrações penais, tanto que não usou o termo

“privativamente, nem “exclusivamente”. O que o constituinte fez foi fixar a atribuição da Polícia Civil, sem obstar que outros órgãos a exercessem concorrentemente, como expressamente permitido, de resto, pelo próprio CPP, em seu art. 4º, par.

único, e sem qualquer intuito de retirar a eficácia das normas infraconstitucionais mencionadas ou de outras equivalentes. Bem por isso é que a insólita tese recebeu contundentes críticas de Tourinho Filho. (Processo Penal, vol. 1, 1990).

Razão assiste a Hélio Tornaghi que preleciona em seu Curso de Processo Penal" (São Paulo: Saraiva, 1989, v. 1, p. 29):

A competência dada à Polícia Judiciária não exclui a de autoridades administrativas às quais, por lei, seja cometida a mesma função. Se, por exemplo, uma lei atribuir às autoridades alfandegárias o poder de investigar contrabandos ou descaminhos, elas poderão fazer inquéritos. Se outra lei cometer às do Serviço de Fiscalização à Medicina a função de investigar os crimes contra a saúde pública, elas terão também esse poder.

Aliás, consoante evolui a legislação penal e processual penal, mais se tem sedimentado que ao Ministério Público cabe relevante papel na apuração de crimes, como atividade preparatória da persecução penal em juízo. Ilustre-se com a Lei nº 12.850/2013, arts. 4º a 7º, que trata da colaboração premiada.

Conclui-se, assim, que não pode se levar em conta que não há aplicação da Teoria dos Poderes Implícitos no âmbito jurídico brasileiro. Não seria razoável conceber que, sendo o Ministério Público o titular privativo da ação penal pública, e tendo em conta que a formalização da acusação implica o conhecimento amplo do fato que lhe servirá de causa petendi, não possa o promotor, por meios próprios e por sua iniciativa, buscar elementos de convicção para formar a sua opinio delicti, ato de seu ofício.

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