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Capítulo I: Em tempo de transformações: reflexão e diversidade

1.1 Complexidade moriniana: incertezas e desafios

1.1.3 Trajetória de construção: do reducionismo ao dialogismo

1.1.3.1.3 Teoria Sistêmica

A teoria dos sistemas lança as bases de um pensamento da organização. Formulada por Von Bertalanffy, ao longo dos anos 50, século XX, parte do fato de que a maior parte dos objetos da Física, da astronomia, da biologia, da sociologia, os átomos, as moléculas, as células, os organismos, a sociedade, os astros, as galáxias, formam sistemas, ou seja, conjuntos de partes diversas que constituem um todo organizado.

Está na origem de uma noção termodinâmica, opondo-se às noções físicas de equilíbrio/desequilíbrio. Um sistema fechado não dispõe de fonte energética, material exterior a ele próprio. Por exemplo, uma pedra: está em estado constante de equilíbrio e não há troca de energia com o exterior. Mas um sistema aberto pressupõe essa troca. Por exemplo, a constância da chama de uma vela, do meio interior de uma célula, ou de um organismo não estão ligados ao equilíbrio; pelo contrário, há desequilíbrio no fluxo energético que os alimenta; sem esse fluxo, há desregulação organizacional e conseqüente enfraquecimento. Portanto, trata-se de um desequilíbrio que alimenta e permite ao sistema manter-se em aparente equilíbrio; só haverá desintegração, se o sistema for abandonado a ele próprio, ou seja, se houver fecho do sistema.

Evidencia-se, assim, o paradoxo: um estado firmemente constante, mas frágil, em que as estruturas permanecem as mesmas, embora as constituintes sejam mutáveis. Nossas células, por exemplo, renovam-se incessantemente, enquanto o conjunto permanece o mesmo, aparentemente estável e estacionário. Paradoxalmente, o sistema fecha-se ao mundo para manter sua estrutura e seu meio interior que, de

outro modo, se desintegrariam, mas é sua abertura que permite esse fecho. Isso significa que há uma relação indissolúvel entre a manutenção das estruturas e a mudança de constituintes.

No caso específico dos seres vivos (sistemas organizando seu fecho), temos, portanto, a organização da sua própria autonomia, que ocorre na e pela abertura. Esse problema-chave foi ocultado pela física antiga e pela metafísica ocidental cartesiana, para que todas as coisas vivas eram consideradas sistemas fechados. Maturama (2001) chama os sistemas vivos de sistemas autopoiéticos moleculares, abertos ao fluxo da matéria e energia, mas fechados em sua dinâmica de estados. Se a autopoiese pára de ser conservada através das mudanças estruturais, o sistema vivo morre. A dinâmica dessas mudanças estruturais está ligada à dinâmica das interações no meio onde o sistema existe como tal. A confruência entre o sistema determinado estruturalmente, sua organização definidora (identidade) e o meio em que ele existe em interações recursivas são condições de surgimento e conservação espontâneos do sistema vivo, ou seja, o domínio operacional de um sistema vivo está subordinado à conservação do modo de viver como entidade singular:

A corporalidade, que é onde a autopoiese do sistema vivo de fato ocorre, é a condição de possibilidade do sistema vivo, mas o modo de sua constituição e realização contínua é em si continuamente modulada pelo fluir do viver do sistema vivo no domínio no qual ele funciona como uma totalidade. (MATURAMA, 2001, p.177).

O meio e o sistema nele contido estão em mudanças estruturais contínuas, modulando um ao outro pela ação recursiva. Portanto, da idéia de sistema aberto, decorrem duas conseqüências: a) as leis de organização do ser vivo não são de equilíbrio, mas de desequilíbrio recuperado ou compensado, de dinamismo estabilizado; b) a inteligibilidade do sistema deve ser encontrada não apenas no próprio

sistema, mas também na sua relação com o meio e essa relação não é de simples dependência, mas é constitutiva do sistema. Dessa forma, sob o ponto de vista epistemológico, o sistema só pode ser entendido incluindo-se nele o meio que lhe é ao mesmo tempo íntimo e estranho, interior e exterior.

A noção de sistema permitiu substituir a unidade elementar, no centro da teoria, pela unidade complexa e essa é a maior virtude da teoria sistêmica. A noção de sistema sempre foi uma noção de apoio para designar todo o conjunto de relações entre constituintes, formando um todo. Mas só se tornou revolucionária quando deixou de completar a definição das coisas, dos corpos e dos objetos (considerados como substâncias decomponíveis em elementos primários, isoláveis nitidamente em espaço neutro e submetidos às leis externas da natureza) para substituir essa definição. A partir daí, o sistema separou-se necessariamente da ontologia clássica de objeto, e, assim, o objeto das ciências transformou-se: não mais algo isolado, mas o próprio sistema.

A primeira lição sistêmica é que o todo é mais que a soma das partes, ou seja, existem qualidades emergentes, que nascem da organização de um todo e que podem retroagir sobre as partes. Portanto, sob o ponto de vista metodológico, os sistemas abertos não podem ser entendidos como entidades radicalmente separáveis.

Com a concepção sistêmica geram-se grandes desdobramentos que vão ligar, contextualizar, globalizar os saberes até então fragmentados. Surgem as novas ciências sistêmicas: Ecologia, Ciências da Terra e Cosmologia, com caráter poli e transdisciplinar, ou seja, têm por objeto um sistema complexo que forma um todo organizador. Essas ciências vão restabelecer conjuntos construídos a partir de interações e retroações, ressuscitando entidades naturais sobre as quais sempre

incidiram as grandes interrogações humanas: Universo, Terra, Natureza e Humanidade (graças à visão da nova Pré-História do processo milenar de hominização).

As ciências rompem com o reducionismo para tratar de sistemas complexos, e, apesar dos muitos hiatos que ainda existem, firmam o primeiro elo indissolúvel entre ciências da vida e ciências humanas.

São essas três teorias que constituem “a via de inteligibilidade para o mundo novo que se apresenta diante do homem, embora seus impactos só tenham sido percebidos a partir da década de 60 [século XX]” (PETRAGLIA, 2001, p.26). As três, cada uma a sua maneira e simultaneamente, complementam-se e pedem uma teoria da organização. Ao entendermos o organismo como uma máquina, no sentido de totalidade organizada, a noção de organização toma consistência no ser vivo, cujos traços fundamentais são inexistentes nas máquinas artificiais: uma relação nova referente à entropia (desorganização) como aptidão para a neguentropia (reorganização) a partir da entropia. Chegamos assim à auto-organização (organização viva), e, com ela, aos nomes de Von Neumann, Von Foerster, Henri Atlan e Ilya Prigogine.

De acordo com (1996d), Von Neumann, em sua teoria dos autômatos auto-organizadores, inscreve o paradoxo da diferença entre máquina viva (auto- organização) e artefact (só organização). Nesta, os elementos são mais fiáveis, mas as máquinas são menos seguras. Naquela, os elementos são menos fiáveis (células, moléculas, órgãos, se degradam rapidamente), mas se renovam garantindo a fiabilidade do conjunto. No ser vivo o fenômeno da entropia segue seu curso muito mais rapidamente do que na máquina artificial, mas, de forma inseparável, acontece a neguentropia. O poder das máquinas naturais – seres vivos – é um poder não somente

de tolerar uma desordem que as máquinas artificiais não podem tolerar, mas de se alimentar dessa desordem para se regenerar. A contribuição de Von Foerster consiste na descoberta do princípio da “ordem a partir do ruído” (order from noise), ou seja, a partir da desordem e com alguns princípios de ordem, nascem as organizações. Atlan concebeu a teoria do “acaso organizador”, uma relação dialógica ordem/desordem/organização que, mediante inumeráveis inter-retroações, age no mundo físico, biológico e humano, tornando-se auto-organização9.

De outra forma, Prigogine também introduziu a idéia de organização a partir da desordem, explorando a constituição e a automanutenção de estruturas coerentes, a partir de um certo limiar de agitação.10