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Teoria socio-histórica e teoria sociocultural da aprendizagem

CAPÍTULO II – ENQUADRAMENTO TEÓRICO 2.1 Contextualização do modelo pedagógico do MEM

2.2. Teoria socio-histórica e teoria sociocultural da aprendizagem

Numa fase embrionária o modelo pedagógico do MEM teve como referência os princípios teóricos e práticos das técnicas de Freinet. Esta abordagem baseava-se numa conceção empírica da aprendizagem, de cariz experimental, tateada por um processo de ensaio-erro. Gradualmente, o MEM, a partir da reflexão dos professores e do mentor Sérgio Niza, iniciou um percurso em direção a uma perspetiva socio- construtivista.

Esta evolução possibilitou uma visão diferenciada, afastando-se assim de um domínio centrado estritamente na criança, num plano abstrato, passando para uma construção da aprendizagem, estabelecida através das interações e gestão cooperada da vivência em grupo, sendo o mesmo o cerne da atividade.

Do enfoque pedocêntrico, deslocaram a gestão do ato pedagógico para uma visão sociocêntrica da educação escolar onde a interação (entre pares e com o professor), organizada para fins concretos de atividade educativa, de estudo e de intervenção por projetos cooperados, ganha progressiva qualidade no desenvolvimento dos educandos. (Niza, 2013, p. 143).

O modelo pedagógico do MEM integra assim como referência a teoria socio- histórica, sustentada pelo pensamento de Vygotsky, segundo o qual a aprendizagem e o desenvolvimento, ganham uma função distinta daquela que até ao momento

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vinha sendo disseminada. Na linha de pensamento do autor referido, a aprendizagem não desempenha um papel determinante no processo de desenvolvimento, figurando-se, sim, como uma alavanca impulsionadora do mesmo. “Em estudos experimentais sobre o desenvolvimento do ato de pensar em crianças em idade escolar, tem-se admitido que processos como dedução, compreensão, evolução das noções do mundo (…) ocorrem todos por si mesmos, sem qualquer influência do aprendizado escolar.” (Vygotsky, 2000, p. 104).

Neste sentido, constata-se que o processo de aprendizagem ocorre anteriormente à frequência de um contexto educativo formal. Partindo desta premissa, a conceção de Vygotsky postula dois conceitos fulcrais para o entendimento do papel desempenhado pela educação. “Em sua visão educativa, sublinha dois conceitos nucleares: o de formação social das funções psicológicas superiores e o da via dupla do desenvolvimento – real e potencial.” (Pimentel, 2007, p. 222).

O surgimento das funções psicológicas superiores sucede de um domínio e controlo, por parte do sujeito, situando-se num plano consciente e metacognitivo das ações. Por seu turno, as funções psicológicas elementares referem-se a operações de cariz inato e involuntário. À medida que o indivíduo contacta e interage com o meio, interiorizando o código cultural a que pertence, a complexificação destas relações possibilita e impele as operações psicológicas superiores. Esta necessidade surge no âmago das relações sociais, que instigam à criação de meios e artefactos resultantes da interação num coletivo.

As funções psicológicas superiores de comportamento humano são geneticamente socioculturais. Elas se originam da atuação em situações coletivas, sustentadas pela interação com outras pessoas e pela mediação de instrumentos técnicos e sistemas semânticos (criados e compartilhados pelos membros da sociedade na qual o indivíduo está inserido e da qual é participante). (idem, p. 223).

O processo inerente à interiorização e apropriação, decorrente deste movimento, que sucede inicialmente de forma exterior e posteriormente de modo interior, confere ao sujeito um papel de comprometimento e atuação. Esta interiorização prende-se com a reconfiguração, num nível interno, de uma operação externa. Vygotsky (2000) defende um princípio genérico alusivo à mutação destas funções. Primeiramente as mesmas surgem no meio social, na interação com os

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outros (interpsicológica). Num segundo momento, acontecem ao nível individual, remetendo para um estado interno (intrapsicológica).

Retomando outro conceito primordial, relativamente à duplicidade do processo de desenvolvimento, expresso nas vertentes de real e potencial, Vygotsky (2000) denomina de nível de desenvolvimento real às funções mentais já efetuadas, concluídas. O nível de desenvolvimento potencial encerra as funções que se encontram numa fase emergente, ou seja, que estão num plano prospetivo de consolidação. A ideia de zona de desenvolvimento proximal (ZDP) constitui uma ferramenta de relevo no campo da ação pedagógica, perspetivando o desenvolvimento de forma multidirecional e dialógica. “A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário.” (Vygotsky, 2000, p. 113).

O contributo da teoria socio-histórica enriqueceu a estrutura teórica e prática do modelo pedagógico do MEM, tal como hoje o conhecemos, reinventando alguns dos princípios inerentes às técnicas de Freinet. A organização, sustentada pela cooperação em grupo, potencia a experiência relativa a um treino de vivência e exercício democrático, onde se valoriza a negociação e interação entre os diversos atores.

O nosso trabalho na Escola Moderna é centrado nos grupos sociais e na dinâmica cultural dos grupos que se constituem na escola, por afinidades. Digamos que o nosso modelo é um modelo sociocentrado, não é um modelo centrado na criança em abstrato, é centrado na dinâmica contratual do grupo/turma. (Nóvoa, Marcelino & Ramos do Ó 2015, p. 332).

Relativamente à teoria sociocultural, o intento preconizado pela sua conceção foca-se no entendimento das relações entre os comportamentos e ações do ser humano e, por conseguinte, do meio histórico e cultural que lhes é inerente, contextualizando as mesmas nesse determinado momento. Citando a definição atribuída pelo teórico desta abordagem, Wertsch (1998), “o objetivo de uma abordagem sociocultural é explicar as relações entre a ação humana, por um lado, e as situações históricas, institucionais e culturais nas quais essa ação ocorre, por outro.” (apud, Serralha, 2016, p. 56).

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O conhecimento adquire expressão e materializa-se na interação social, através de situações colaborativas e mediadas entre pares. É neste domínio que o sujeito se forma e assume como elemento pertencente a um contexto específico.

(…) when looking at both individual and social activity, we need to look beyond solitary actors to the communities to which they belong, and to the inherited resources of artefacts and practices that serve as ‘tools’ for achieving the goals to which their activities are directed. (Wells & Claxton, 2002, p. 3).

Nesta medida, a participação e intervenção dos sujeitos em situações conjuntas, contribuem para a apropriação de hábitos sociais e culturais, que se perpetuam na sociedade e que integram o código histórico da mesma. A aplicação, por parte dos indivíduos, destes recursos ou artefactos altera o modo como os mesmos percecionam e agem perante a realidade. Wertsch (1998) descreve este processo, relativamente aos sujeitos, como “agents-acting-with-mediational- means”. (Wells & Claxton, 2002).

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