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Teorias e a etiologia das Perturbações do Espectro do Autismo

Capítulo II Perturbações do Espectro do Autismo

3.1. O conceito de autismo e caracterização das Perturbações do Espectro do

3.1.1. Teorias e a etiologia das Perturbações do Espectro do Autismo

Ao longo dos anos, várias foram as hipóteses que surgiram com o intuito de explicar a etiologia do autismo. São distinguidas três teorias principais – as Teorias Psicogénicas, as Teorias Psicológicas e as Teorias Genéticas e Biológicas – as quais têm originado mais discussões e estudos no seio daqueles que investigam ou convivem com o autismo, sendo seguidamente apresentadas.

›:Teorias Psicogénicas

As: Teorias: Psicogénicas: (ou: Psicanalíticas): defendem: a: teoria: das: “mães- frigorifico”:segundo:a:qual:o:autismo teria origem num défice na vinculação entre a mãe e o bebé, devido a uma eventual incapacidade emocional da mãe, demonstrando- se afetivamente distante do seu filho recém-nascido (Lima, 2012). A fraca vinculação entre:a:mãe:e:o:bebé:resultaria:numa:“incapacidade de individualização do bebé ou, ():do:seu:sentimento:do:self”:ou:seja:“o:bebé:não:teria:condições:para:se:organizar: e:ser:capaz:de:se:reconhecer:tanto:como:“sujeito”:quanto:como:um:“objecto”:entre: muitos: objectos”: (Filipe: 201224): Também: os pais inseguros ou ausentes foram apontados como co-responsáveis, segundo esta teoria, acreditando-se que a suposta débil vinculação ou rejeição por parte da mãe e do pai era percebida pelo filho bebé, que reagiria com um quadro de autismo, resultante de uma perturbação a nível psicológico (Filipe, 2012). Bruno Bettelheim (1903-1990), psicólogo de origem austríaca, posteriormente naturalizado americano, foi um dos grandes defensores e impulsionadores da Escola Psicanalítica e editou, em 1967, o livro The Empty Fortress:

Infantile Autism and the Birth of Self, no qual divulgou os seus pensamentos e

convicções sobre o autismo (Filipe, 2012:23). ›:Teorias Psicológicas

As Teorias Psicológicas defendem a ausência de uma Teoria da Mente como estando na origem do autismo. A Teoria da Mente é a designação da capacidade de compreender que o Eu possui uma mente, bem como as demais pessoas, e que as várias mentes podem não conhecer, considerar ou sentir as mesmas realidades e com a mesma intensidade. A Teoria da Mente pressupõe, portanto, uma capacidade para reconhecer uma mente e estados mentais no outro, bem como para se relacionar e sentir empatia pelo mesmo (Kutscher, 2011; Miller, 2006). Segundo Lyons e Fitzgerald (2013) a incapacidade do indivíduo com PEA em reconhecer uma mente no outro e sentir empatia pressupõe que este manifeste igualmente défices no reconhecimento e interpretação de emoções no outro, o que resulta num foco total do

aptidão para refletir acerca dos próprios estados mentais, o que leva a uma diminuição da consciência do Eu (Lyons e Fitzgerald, 2013.).

Por seu lado, Baron-Cohen (2004) designou como Teoria da Cegueira Mental - do original The mind blindness theory of autism – os défices verificados a nível da empatia, tendo em atenção a idade mental (p. 945). Baron-Cohen (2004) considera que a empatia pressupõe duas capacidades, tal como a aptidão para atribuir estados mentais a si próprio e aos outros, bem como a aptidão de ter uma reação emocional adequada aos estados mentais das demais pessoas. O mesmo autor explica que ao longo de mais de trinta estudos experimentais, crianças com um quadro clínico de PEA revelaram lacunas profundas no desenvolvimento da empatia. No entanto, Baron-Cohen (2004) sugere que, apesar de os indivíduos com PEA apresentarem deficiências na empatia, e as quais interferem profundamente nas capacidades de socialização, comunicação e imaginação destes – a denominada Tríade de Dificuldade – estes apresentam, por outro lado, uma forte capacidade de sistematização, a qual se encontra relacionada com aquela que Baron-Cohen denomina de Tríade de Forças – do original Triad of Strengths – e a qual inclui capacidades específicas (do original

islets of ability, Baron-Cohen et al., 2005:629; Baron-Cohen 2004:946), obsessão com

interesses e comportamento repetitivo (p. 945). Este autor refere, assim, a Teoria da

Empatia-Sistematização - do original The empathising-systemising theory – segundo a

qual os défices verificados a nível da empatia nas PEA pressupõem uma sistematização intacta ou mesmo num nível superior ao esperado (p. 945). A sistematização requer uma análise prévia e detalhada do sistema, de forma a compreendê-lo, bem como a identificar os componentes que têm um papel decisivo no funcionamento desse sistema (Baron-Cohen et al., 2005). O indivíduo adquire, desta forma, fortes conhecimentos acerca da sua área ou objeto de atenção.

›:Teorias Genéticas e Biológicas

Atualmente acredita-se que o autismo tem origem no sistema nervoso central sendo, possivelmente, provocado por uma perturbação do desenvolvimento no mesmo numa fase pré-natal. Esta conclusão provém dos inúmeros estudos realizados desde a década de sessenta acerca do neurodesenvolvimento, que incidiram em áreas como o desenvolvimento das funções cognitivas, da linguagem ou a socialização (Filipe, 2012). Crê-se que, para além de uma base genética, estejam ainda envolvidos fatores epigenéticos e ambientais na origem do autismo (Mulas et al., 2005 e Volkmar

et al., 2004, referidos em Mulas et al., 2010:S77), o que permitiria explicar a

heterogeneidade verificada entre os casos de autismo (Mulas et al., 2005). Os avanços da Ciência permitiram, a partir da década de noventa do século XX, comprovar a origem multigénica do autismo, tendo sido identificadas alterações genéticas nos cromossomas 7, 2 e X, podendo estas ser hereditárias. Outros exames, como ressonâncias magnéticas e tomografias, permitiram visualizar, em indivíduos com quadro clínico de autismo, diferenças significativas no tamanho de algumas

estruturas do cérebro e no desenvolvimento das mesmas ao longo da vida, comparativamente com um grupo de indivíduos sem autismo; ademais, estes exames permitiram ainda verificar que indivíduos com autismo utilizam áreas corticais diferentes de pessoas sem autismo durante a realização de determinadas tarefas, manifestando: desta: forma: “representações: cerebrais: diferentes”: (Filipe: 201228): Crê-se:desta:forma:que:os:indivíduos:com:autismo:apresentam:um:“padrão:distinto: de: processamento: cognitivo”: entre: si: mas: diferente: do: processamento: cognitivo: realizado nos indivíduos sem autismo (Filipe, 2012:29).

Outros estudos, efetuados ao longo dos últimos anos, relativos ao rácio de homens/mulheres com PEA ou a um maior risco de recorrência de PEA em irmãos, têm vindo a demonstrar uma considerável influência de fatores genéticos na origem de um quadro clínico de PEA, atuando, em particular, sobre o sistema nervoso durante os primeiros meses de gestação (Gillberg et al., 1991, referido em Gómez, Torres e Ares, 2009:560). Estecio et al. (2002, referido em Gómez, Torres e Ares, 2009:560) crê não só serem vários os genes responsáveis pelo desenvolvimento das PEA, como admite que estes atuam de forma independente. Outros estudos, ainda, apontam possíveis alterações neuroquímicas e metabólicas como estando na origem das PEA, nomeadamente uma quantidade excessiva de péptidos, a qual pode estar relacionada com a tendência do indivíduo autista para se isolar; por outro lado, outros estudos sugerem que o défice cognitivo bem como determinados comportamentos autistas estarão relacionados com um acréscimo de serotonina no sangue (Aman et al., 1999; Cook, 1990; Leckman e Lombroso, 1998; McDougle et al., 2000; Straus et al., 2002, referidos em Gómez, Torres e Ares, 2009:560); contudo, outros autores, como Piven et al. (1991) e Posey et al. (2001) (referidos em Gómez, Torres e Ares, 2009:560) refutam aquela teoria, descredibilizando a possibilidade da ocorrência de uma hiperserotonemia, e da ocorrência de alterações nas dificuldades sociais e comunicativas do indivíduo autista após o acerto dos níveis de serotonina.

Mais recentemente, surgiu a Teoria do Défice das Funções Executivas – uma teoria de base neuropsicológica (Fisher e Happé, 2005; Oznoff et al., 1991, referidos em Gómez, Torres e Ares, 2009:561) – segundo a qual os comportamentos e dificuldades manifestadas pelos indivíduos com autismo têm origem em mutações no lóbulo frontal. De acordo com Damasio e Anderson (1993) e Dawson et al. (2002) (referidos em Gómez, Torres e Ares, 2009:561), uma hiperativação continuada no sistema modular da ativação cortical originaria comportamentos semelhantes àqueles observados em indivíduos com lesões a nível dos lóbulos frontais e pré-frontais. Contudo, também esta teoria é alvo de críticas, não sendo unânimes as opiniões acerca da mesma. Gómez, Torres e Ares (2009) abordam ainda teorias que relacionam a gravidez e o parto ao desenvolvimento das PEA. Uma gravidez de risco – devido à idade, peso, consumo de tabaco, álcool e/ou determinados fármacos por parte da mãe – ou complicações durante o parto – como infeções virais ou parto

Nelson e Bauman, 2003; Patterson, 2002; Stein et al., 2006; Wilkerson et al., 2002, referidos em Gómez, Torres e Ares, 2009:562). Segundo diversos autores, uma gravidez de risco ou complicações várias durante o parto podem resultar em psicopatologias de várias ordens, perturbações do foro psiquiátrico, défice cognitivo, alterações do comportamento, perturbações globais do comportamento, dificuldades de aprendizagem, alterações neuropsicológicas, entre outras consequências (Arsenault et al., 2002; Cannon et al., 2000; Eaton et al., 2001; Batchelor et al., 1989; Weissman et al., 1999; Gillberg, 1999; Wilkerson et al., 2002; Hill et al., 1998; Jones et

al., 1998, referidos em Gómez, Torres e Ares, 2009).

Autores vários acrescentam, porém, que, apesar dos avanços da ciência e de toda a assistência oferecida atualmente – o que supõe menos complicações durante a gravidez e o parto – não só as taxas de natalidade têm vindo a sofrer uma forte redução, como se tem vindo a verificar um aumento significativo do número de casos de PEA nos países desenvolvidos (Fretts et al., 1995; Fombonne, 2001 e 2003, referidos em Gómez, Torres e Ares, 2009:562). Qeenan e Donoso (1999, referidos em Gómez, Torres e Ares, 2009:562) clarificam que uma gravidez de risco ou um parto com complicações aumentam as possibilidades de a criança sofrer perturbações no seu desenvolvimento, facto corroborado por estudos, os quais demonstraram que uma grande parte de indivíduos com perturbações do desenvolvimento sofreu algum tipo de risco ou complicação durante o período perinatal (Meier, 1985; González e Moya, 1996; Lester et al., 2002, referidos em Gómez, Torres e Ares, 2009:562). Apesar de não ser conhecida a etiologia do autismo ou alguma associação entre este e gravidez de risco ou complicações durante o parto, estudos demonstraram que foi verificado um maior número de ocorrências relativas as complicações durante o período perinatal de indivíduos com autismo, tendo sido igualmente verificados fatores como o uso de determinados fármacos, idade da mãe avançada, sangramentos vaginais ou infeções virais (Gillberg, 1998; López et al., 2008; Matsuishi et al., 1999; Gillber e Gillberg, 1983; Tsai e Stewart, 1983; Stein et al., 2006; Wilkerson et al., 2002, referidos em Gómez, Torres e Ares, 2009:563).

Por seu lado, Bauman e Kemper (1998, referidos em Mulas, 2005:S149) verificaram a existência de alterações neuropatológicas, tanto no sistema límbico como nos circuitos cerebrais. Baron-Cohen (2004) admite que têm sido identificadas irregularidades anatómicas em áreas do cérebro de indivíduos com autismo, nomeadamente a nível do cerebelo, do tronco cerebral, dos lobos frontais, dos lobos parietais, do hipocampo e da amígdala. Foram igualmente identificados défices nos volumes do cerebelo, do tronco cerebral e do corpo caloso. Foi também verificada a existência de um número consideravelmente baixo de células de Purkinje no córtex cerebral, facto que leva a uma desinibição de núcleos do cerebelo, o que por sua vez origina uma excitação em demasia do tálamo e do córtex cerebral (Mulas et al., 2005; Baron-Cohen, 2004). Baron-Cohen (2004) explica que, apesar de não estarem ainda identificados os genes que estão na origem do autismo, este acredita que a causa possa estar nos cromossomas. A alta percentagem de ocorrência de autismo entre

irmãos remete para uma origem genética, enquanto partes do cromossoma X (pelo menos quatro loci) encontram-se relacionados com o autismo, facto que, por sua vez, poderá explicar uma prevalência do autismo no sexo masculino.

Não estando, porém, determinada ainda a causa do autismo, várias outras hipóteses têm sido levantadas ao longo do tempo. Gómez, Torres e Ares (2009) mencionam outras teorias que carecem de estudos mais aprofundados e experimentais que as possam validar. São aqui incluídas teorias que relacionam o desenvolvimento de PEA com contaminações ou radiações ambientais, carências nutricionais e vitamínicas, perturbações da digestão e absorção de determinados alimentos (glúten ou caseína), crescimento cerebral deficitário, lesões cerebrais causadas por toxinas, quantidades excessivas de proteínas de albumina e de gamaglobulina no sangue, contacto com substâncias como a talidomida ou oxitocina durante a formação cerebral, vacinação, disfunção dos circuitos neuronais, entre outras. De acordo com Filipe (2012), não foi ainda provado que exista uma relação entre dietas alimentares, álcool, tabaco ou metais pesados e o surgimento do autismo, embora Lima (2012) refira a existência de casos de PEA onde foram efetuadas relações com infeções congénitas, fatores peri-natais, fatores ambientais (embora não identificados), fármacos, drogas e álcool consumidos durante a gravidez, ou mesmo a idade dos progenitores – ocorrendo um maior risco de surgimento de PEA quanto mais avançada for a idade destes, em particular, a idade do progenitor do sexo masculino. Uma outra hipótese aponta como causa a vacinação administrada aos bebés, nomeadamente a VASPR (VAcina Sarampo-Papeira-Rubéola, sendo a primeira dose administrada aos doze meses de idade), o que tem levado à decisão de inúmeros pais pela não vacinação dos seus filhos, uma situação que pode desencadear problemas de saúde pública, com o surgimento de epidemias já erradicadas (Lima, 2012; Despacho n.º 17067/2011). Taylor (2006, referido em Filipe, 2012:64) destaca, na sua investigação, que não está provada qualquer relação entre a vacinação e o aparecimento do autismo.

Fett-Conte, Bossolani-Martins e Pereira-Nascimento (2013) esclarecem que em cerca de noventa por cento dos casos de PEA não são conhecidas as suas causas (denominado como non-syndromic autism); porém, nos restantes cerca de dez por cento de casos, é exequível a identificação de fatores etiológicos, genéticos ou ambientais (syndromic autism) (p. 216). Inúmeros estudos realizados têm demonstrado que existem variados fatores genéticos relacionados com a predisposição para as PEA, e os quais podem originar um quadro clínico de PEA quando combinado com um determinado fator ambiental Fett-Conte, Bossolani- Martins e Pereira-Nascimento (2013).