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As teorias dos campos léxico-semânticos

Organograma 3 – Os sete orixás básicos

1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.5 CONSIDERAÇÕES SOBRE LÉXICO E CAMPOS LÉXICO-SEMÂNTICOS

1.5.4 As teorias dos campos léxico-semânticos

Embora o léxico seja um bem comum de um grupo social, são os indivíduos, em suas práticas discursivas cotidianas que alteram “as áreas de significação das palavras”, gerando a semântica de sua língua. Essa se estrutura, conforme Biderman (2001, p. 179), “em torno de dois pólos opostos: o indivíduo e a sociedade”, sendo o léxico originado da tensão entre esses pólos.

Ainda que a prática lexicográfica considere os signos léxicos de forma isolada, a análise léxico-discursiva concebe o contexto um elemento essencial, lugar de atualização semântica da lexia, que em contato com outras lexias no discurso, formam uma cadeia em que

o sentido de cada uma vai estar vinculado e dependente das outras que compõem o enunciado. Podemos dizer, a partir disso, que cada lexia abarca uma rede de significações determinadas principalmente, por um contexto estabelecido.

As significações ditas léxicas de certos signos são sempre apenas significações contextuais artificialmente isoladas ou parafraseadas. Considerado isoladamente, signo algum tem significação. Toda significação de signo nasce de um contexto, quer entendamos por isso um contexto de situação ou um contexto explícito, o que vem a dar no mesmo... (HJELMSLEV, 1975 apud BIDERMAN, 2001, p. 187).

A essa rede de significações atribuídas a uma lexia chamou Biderman (2001, p. 193): “campo semântico”. Consoante a autora, “o mapeamento dos campos semânticos do léxico” é tarefa complexa, uma vez que, o léxico é um sistema aberto, em constante expansão e sujeito à criatividade humana. Assim sendo, compreender os sentidos de um vocábulo é, entre outras coisas, percebê-lo num contexto específico, observando seu conteúdo denotativo ou conotativo, além de suas referências sociolinguísticas.

Compreender como o léxico de uma língua se organiza e como se estabelecem as relações sintáticas, semânticas e contextuais entre as palavras, sempre motivou pesquisadores de diferentes ramificações linguísticas. No Curso de Linguística Geral, Saussure (2006, p. 145) já prenunciava os fundamentos da teoria dos campos, quando destacou, por exemplo, que o valor linguístico de um vocábulo relaciona-se com a presença de outros vocábulos, num sistema dependente e solidário, além de sugerir que as palavras relacionam-se por associações que podem se fundar “na analogia dos significados”.

O valor, tomado em seu aspecto conceitual, constitui, sem dúvida, um elemento da significação, e é dificílimo saber como esta se distingue dele, apesar de estar sob sua dependência [...] Visto ser a língua um sistema em que todos os termos são solidários e o valor de um resulta tão somente da presença simultânea de outros, segundo o esquema:

Os grupos formados por associação mental não se limitam a aproximar os termos que apresentem algo em comum; o espírito capta também a natureza das relações que os unem em cada caso e cria com isso tantas séries associativas quantas relações diversas existam [...] Um termo dado é como o centro de uma constelação, o ponto para onde convergem outros termos coordenados cuja soma é indefinida (SAUSSURE, 2006, p. 133 e 145-146).

Significado Significante Significado Significante Significado Significante

Portanto, percebemos que já temos com Saussure (2006), a ideia que o léxico pode ser compreendido e descrito a partir da associação entre os termos da língua, e que é dessa união que temos sistemas coordenados, em que o valor de uma unidade depende da relação que estabelece com as outras.

Fundamentando-se nos princípios saussureanos de sistema e valor, Jost Trier foi considerado o primeiro a propor uma definição geral do conceito de campo. Para o estudioso, as palavras possuem uma relação significativa entre si e estão organizadas em grupos parciais que integram o todo. Explicando as noções básicas da teoria de Trier, Vilela (1979, p. 43) esclarece:

O léxico duma língua não é para Trier um Thesaurus de palavras em que sejam acumulados os conhecimentos e as experiências dum povo, mas sim a de um todo em mútua relação: as palavras duma língua constituem uma globalidade articulada, uma estrutura composta de domínios parciais que se subordinam ao todo. A esses domínios parciais chama campos, os quais articulam o léxico total e constituem o intermediário entre a palavra individual e o todo do léxico.

Diversos trabalhos linguísticos apoiaram-se nas noções de Trier sobre o relacionamento significativo das palavras em campos. Para nosso estudo, importa principalmente as contribuições de Eugenio Coseriu à teoria. Contudo, antes de reportarmo- nos com mais atenção aos princípios do mestre romeno, acreditamos ser importante mencionarmos brevemente os pressupostos de Bernard Pottier, que discute como as situações comunicativas são decisivas nos problemas de polissemia, próprios do discurso.

Segundo Pottier (1978), as lexias estão relacionadas a um número de zonas semânticas possíveis; atualizadas e significadas no ato da comunicação. Dessa forma, no discurso particular, só algumas zonas são atualizadas, fazendo com que a lexia funcione dentro de um domínio específico. É assim que urubu, lexia do domínio da fauna, pode ter o sentido deslocado e funcionar como injúria a um ser humano. Contudo, mesmo havendo um deslocamento, Pottier (1978) afirma que há um liame entre os semas específicos e os semas virtuais, que acaba por ser a base dos novos sentidos criados.

Os semas supramencionados são, por sua vez, traços semânticos distintivos que formam a essência do significado e cujo conjunto compõe o semema. São os semas, os elementos utilizados intuitivamente na língua, para estabelecer os campos semânticos. Podem ser, ainda conforme o linguista: específicos, genéricos ou virtuais. Os específicos e os

genéricos referem-se ao valor denotativo da palavra, enquanto os virtuais determinam o valor conotativo.

Assim como Pottier (1978), Coseriu (1977) concebe o léxico como uma organização estrutural e o campo léxico como uma estrutura paradigmática que comporta um conjunto de unidades lexicais. Essas unidades, fundamentadas em oposições imediatas, dividem entre si uma zona comum de significação:

Un campo léxico es, desde el punto de vista estrutural, un paradigma léxico que se origina por la distribuiçon de um continuo de contenido léxico em diferentes unidades, dadas em la lengua como palavras, que estan reciprocamente en oposicion inmediata mediante rasgos distintivos de contenido simples (COSERIU, 1977, p. 146).

Conforme os pressupostos teóricos coserianos ou lexemática (estudo da significação lexical), os princípios fundamentais para análise funcional tanto do léxico como de outros domínios linguísticos são: funcionalidade (que se baseia na “existência das unidades linguísticas e na solidariedade entre o plano do conteúdo e o da expressão”), oposição (“uma unidade existe e funciona numa língua se houver pelo menos, outra unidade com a qual tenha um traço – sema – em comum e da qual se distingue por meio doutro traço”) e sistematicidade (“princípio de expectativa empírica”) (VILELA, 1979, p. 58-59).

Além do conceito de sema, já mencionado quando reportávamos a Pottier (1978), outros termos e conceitos são importantes para a lexemática, como: arquilexema (“unidade que corresponde ao conteúdo total de um campo lexical”), lexema (“unidade de conteúdo expressa no sistema da língua e que ocupa uma parte do conteúdo do campo lexical”) e dimensão (“critério que estabelece o ponto de vista duma determinada oposição”).

Ainda achamos pertinente, pontuarmos alguns aspectos da tipologia dos campos lexicais proposta por Coseriu (1977). Conforme o estudioso, para o estabelecimento de critérios a que devem se sujeitar os campos numa língua, temos que observar pelo menos cinco princípios: 1. O número de dimensões do campo (unidimensionais ou pluridimensionais), 2. O modo como essas dimensões funcionam no campo, 3. O tipo formal de oposições (se constituem campos antonímicos – x/não x, bipolares – ex. alto-baixo, graduais – ex. normal-morno-quente, em série – que pode ser dividida em ordinais, como: janeiro-fevereiro-março... ou não-ordinais, como os nomes de árvores, flores, peixes, entre outros), 4. A base ôntica das oposições (se formam campos substantivos – conjunto de propriedades objetivas, ou relacionais – que designam relações) e 5. A relação conteúdo-

expressão (se formam campos regulares, irregulares, contínuos ou recursivos). (VILELA, 1979, p. 66-69).

As teorias dos campos supracitadas, bem como as questões concernentes ao léxico e à cultura de um dado lugar alicerçam essa parte de nosso estudo. Optamos por denominar nossos campos de campos léxico-semânticos, para podermos unir os pressupostos de teóricos como Biderman (2001), que prefere a nomenclatura campos semânticos, com os princípios de estudiosos como Coseriu (1977), que elege o termo campo léxico, além de acreditarmos que é impossível compreender o campo semântico sem o suporte lexical ou o campo lexical sem o domínio semântico.

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA