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Nas aproximações da metade do século XX, como reação ao Modernismo, o Pós-modernismo edificou seu traçado, postando – no campo intelectual, estético, político e epistemológico – a crítica aos arranjos sócio-políticos do Iluminismo e sua sociedade pura e perfeita. Vale lembrar que este movimento, ao atacar a teorização crítica, alvejando seu projeto educacional emancipador-libertador, estabeleceu os contornos para a fundação da Pedagogia Pós-crítica.

As teorias pós-críticas forneceram uma visão alargada das narrativas de dominação. As vozes silenciadas no currículo passaram a ser audíveis e deixaram ver o exercício de poder presente nas relações de gênero, sexualidade, raça e territorialidade, negando a unicidade da relação poder-classe social inspirada na teoria crítica.

Elas acenam, também, como a escola crítica, para o cuidado que se deve ter com as artimanhas da política, mas que o poder não é exercido apenas na política, ele está travestido em muitas formas e disperso na rede social, às vezes mais sofisticado, camuflado e letal.

Neste sentido, cabe o alerta de Silva (2001a, p. 150) “[...] depois das teorias críticas e pós-críticas, não podemos mais olhar para o currículo com a mesma inocência de antes”.

O currículo, hoje, com seu desenho polissêmico, vem potencializado por abordagens pós-formais, pós-críticos e pós-estruturalistas, interpretado com lanterna crítica ampliada e abrigando agendas do multiculturalismo, pós-colonialismo e estudos culturais.

É interessante observar a poética construção de Silva (2001a, p. 86) “[...] os diferentes grupos culturais se tornariam igualados por sua comum humanidade” ao lançar as pistas para o entendimento do impulso multiculturalista.

Não há como esquecer que o multiculturalismo e a cultura contemporânea carregam a ambigüidade em seu mapa genético, tampouco são imunes ao substrato do poder.

O multiculturalismo representa a resistência tecida pelos grupos culturais dominados, nos porões das construções culturais dominantes. É, também, a respeitabilidade de uma nova ordem cultural, que subverte o poder pelo convívio compulsório no mesmo tempo/espaço de diferentes patrimônios culturais, raciais, étnicos e nacionais. O seu veio é, pois, a luta política.

Nos Estados Unidos, a contenda travada entre o currículo universitário tradicional e seu feixe de fundamentos literários, estéticos e científicos da cultura branca, masculina, europeia e heterossexual contra as aspirações dos grupos das culturas subordinadas, representados por mulheres, negros, homossexuais deflagrou uma moldagem da prática multicultural mais focada nas questões curriculares.

Longe de ser um universo consensual, o currículo, mais uma vez, passa a ser concebido como uma entidade de conhecimento e poder, onde as desigualdades já não sinalizam para as questões apenas de classe social - como na escola crítica – mas, antes, as desigualdades passam pelo reconhecimento das diferenças e identidades de gênero, raça, sexualidade, religiosidade e territorial.

A análise pós-colonial propõe uma releitura nas evidências de poder deixadas pelas conquistas/exploração/expansão/colonização dos povos europeus na herança econômica, política e cultural das nações dominadas. Ela exercita seu olhar para a valorização dos produtos culturais produzidos por povos marginalizados pela identidade da metrópole imperial, portanto questionando a relação de poder e privilégio epistêmico e apresentando um dado novo: a relação de poder entre nações.

O investimento na soberania implicava em extermínio, subjugo físico e cultural; havia a urgência de serem transmitidos os saberes “civilizados” aos povos nativos, numa prática de conversão.

Porém, o mecanismo de aculturação é um processo recíproco; a cultura do explorador e do explorado passam a operar o fenômeno designado de mestiçagem ou crioulagem cultural. Portanto, o hibridismo corporifica, simultaneamente, feições de poder e resistência.

Há, neste momento, mais uma adjetivação para as instâncias curriculares – o currículo descolonizado.

Historicamente, o fato que demarcou a origem dos Estudos Culturais foi a inauguração do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos, na Universidade de Birmingham, Inglaterra, datado de 1964.

As obras que iluminaram esta discussão foram Culture and society (1958), de Raymond Williams, e Uses of literacy (1957), de Richard Hoggart, ainda com igual influência The making of the english working class (1963), de E. P. Thompson.

Para o momento histórico inglês, o termo cultura representava o referenciamento às grandes obras literárias e artísticas, fontes estas que eram usufruídas apenas pela classe burguesa. Em contrapartida, os Estudos Culturais, corporificando um movimento de vanguarda, pregava o processo de naturalização da cultura, que compreendia os modos de vida e registros de vivências de qualquer agrupamento humano, dando status de cultura a todas as manifestações, independente de sua gênese social, se inspirada na elite literata ou, na sobrevivência dos subordinados, esta última assim nomeada de Cultura Popular.

O estoque teórico dos Estudos Culturais veio balizado por pensamento marxista – Althusser e Gramsci - porém, nos anos 80, entram em cena os aportes do pós-estruturalismo com Foucault e Derrida. Em suma, ratifica-se o veio político.

A cultura legitima-se como um campo de luta, num jogo de poder, onde significados são produzidos num cenário de conflitos e confrontos, para gerar modelagens identitárias e subjetivas de comportamentos para as pessoas, grupos e para o mundo.

Ao historiar a tradução de currículo à luz dos Estudos Culturais, há uma aquiescência à equiparação, não há separação entre Ciências Naturais das Ciências Sociais e Artes, tampouco entre conhecimento escolar e conhecimento cotidiano, popular, midiático. Todo o conhecimento é concebido como objeto cultural, pois a cultura também é uma construção social.

No Ocidente, a discussão acerca do currículo escolar assume fôlego novo. Nos Estados Unidos, este tema ganha destaque; na Grã-Bretanha, recebe status de currículo nacional, tendo aportes da legislação parlamentar, e, na Áustria, há, como medida inicial, uma cartografia dos panoramas curriculares das províncias, levantamento das comunalidades entre eles e posterior estabelecimento do currículo com feição mais nacional.

No Brasil, a processualidade do currículo constitui-se em temática de efervescência investigativa, fato comprovado pelas evidências divulgadas em eventos e periódicos da área educacional. Constatação esta tributada a Moreira. et al. (2003, p. 7), quando afirma que o campo do currículo “[...] vem adquirindo cada vez mais consistência e visibilidade [..] revelando-se cada vez mais complexo e multifacetado”.

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