• Nenhum resultado encontrado

TERAPÊUTICA DA INFEÇÃO PELO VÍRUS DA HEPATITE C

TERAPÊUTICA DA INFEÇÃO PELO VÍRUS DA HEPATITE C

O tratamento do VHC tem evoluído rapidamente ao longo dos últimos anos (37).

O principal objetivo da terapêutica do VHC é a cura ou erradicação da infeção após cessação do tratamento, avaliada na prática clínica através da resposta virológica sustentada (RVS), isto é, nível indetetável de ARN-VHC (≤15 UI/mL) no sangue 12 (RVS12) ou 24 (RVS24) semanas após o final do tratamento (38).

A RVS12 e RVS24 foram aceites como endpoints terapêuticos pelas autoridades reguladoras na Europa e nos EUA, dado que a sua concordância é de 99%.

Estudos de follow-up a longo prazo demonstraram que uma RVS corresponde a uma cura definitiva da infeção pelo VHC em mais de 99% dos casos (38), afeta diretamente os resultados clínicos e a sobrevivência, diminuindo todas as causas de mortalidade (39–41). A RVS encontra-se normalmente associada à resolução da doença hepática em doentes sem cirrose (38) e a uma diminuição muito significativa do risco de descompensação hepática, CHC e morte por doença hepática em doentes com cirrose, existindo mesmo em alguns casos reversão da cirrose (6). O VHC pode também afetar a neurocognição e uma supressão viral efetiva está associada a reversão de anomalias na ressonância magnética cerebral (38). No início de 1990, o interferão-alfa (IFN-α) surge como o primeiro tratamento para o VHC (3)(16), proporcionando uma taxa de resposta inferior a 15% (42). Este fármaco, quando administrado por injeção subcutânea, inibe a replicação do vírus e modula a resposta imune contra as células hepáticas infetadas (43). A sua combinação com ribavirina (RBV), um análogo de nucleósidos cujo mecanismo ação contra o VHC não é claro (3), aumenta as taxas

de cura até cerca de 30% (42). A adição de polietilenoglicol ao interferão, através de um processo conhecido como peguilação, prolonga a semi-vida do fármaco (3).

Até 2011, o único tratamento aprovado para a hepatite C crónica consistia na terapêutica dupla com IFN-α peguilado (PegIFN-α) e RBV, durante 24 ou 48 semanas (2)(38). No entanto, este esquema terapêutico revelou-se mal tolerado, estando associado a efeitos adversos graves (42)(44) e resultando em taxas de cura entre 40% e 65%, dependendo do genótipo do doente, presença de cirrose, estado VIH e experiência de tratamento anterior (3).

A introdução de medicamentos que inibem diretamente o ciclo de replicação do VHC resultou numa melhoria significativa da terapêutica (16). Estes medicamentos, chamados antivirais de ação direta (AADs), têm como alvo três regiões importantes do genoma do VHC: protease NS3-4A, ARN polimerase dependente de ARN NS5A e NS5B (2)(3).

Em 2011, o telaprevir (TVR) e o boceprevir (BOC) constituíram a primeira geração de AADs, ao receberem autorização de introdução no mercado (AIM) para o tratamento de doentes com hepatite C crónica portadores de VHC-G1. Estes dois fármacos têm como alvo a protease serínica NS3-4A do VHC, sendo, desta forma, referidos como inibidores da protease (IPs) (38)(42). Aprovados em combinação com PegIFN-α e RBV permitem alcançar taxas de RVS até 75% (2). No entanto, além de serem apenas efetivos no tratamento de doentes com infeção pelo VHC-G1, eles causam efeitos secundários frequentes e, por vezes, graves, particularmente nas pessoas com doença mais avançada (3)(38)(42).

Em 2014, três novos AADs foram autorizados na UE para o tratamento da hepatite C crónica, em associação com outros medicamentos (38). O sofosbuvir (SOF), um análogo nucleótido inibidor da ARN polimerase dependente de ARN NS5B com atividade pangenotípica, foi aprovado em Janeiro de 2014 (45). O simeprevir (SMV), um inibidor da protease NS3-4A de 1ª geração, 2ª vaga, com atividade contra os genótipos 1 e 4, foi aprovado em Maio de 2014 (38)(46). O daclatasvir (DCV), um inibidor NS5A eficaz contra os genótipos 1 a 4, foi aprovado em Agosto de 2014 (47).

Cada um destes três AADs pode ser usado em regime de combinação tripla com PegIFN-α e RBV, produzindo taxas de RVS de 60-100%, de acordo com o AAD utilizado, o genótipo do

VHC, a presença de substituições de aminoácidos que conferem resistência ao AAD utilizado e a gravidade da doença hepática. Embora estas associações sejam melhor toleradas do que a combinação tripla incluindo TVR ou BOC, o seu perfil de efeitos secundários constitui um desafio, devido à utilização de PegIFN-α e RBV (38).

O ano de 2014 também marcou o início da era dos regimes terapêuticos livres de IFN, com o triunfo dos regimes orais baseados apenas nos AADs, altamente eficazes, seguros e que permitem o tratamento de doentes com cirrose avançada (42).Os esquemas terapêuticos livres de IFN foram amplamente utilizados em toda a Europa em 2014, inicialmente como parte de programas de acesso rápido, essencialmente em doentes com doença hepática avançada (score METAVIR F3 ou F4) (38).

Ensaios de fase III mostraram que a combinação de RBV e SOF em doentes infetados com VHC-G2, durante 12 semanas, ou VHC-G3, durante 24 semanas, originou taxas de RVS da ordem de 80-95% (48)(49). Num estudo recente, incluindo doentes com VHC-G4, este regime terapêutico resultou em taxas de RVS de 77% nos doentes tratados durante 12 semanas, contra 90% nos doentes tratados durante 24 semanas (50).

O regime SMV e SOF, com ou sem RBV, foi utilizado com base nos resultados do estudo COSMOS, um pequeno ensaio de fase II, em doentes infetados com VHC-G1, alcançando RVS em 93-100% dos casos (38)(46)(51). Os ensaios OPTIMIST-1 e OPTIMIST-2, de fase III, investigaram a segurança e eficácia de SMV e SOF em doentes cronicamente infetados com VHC-G1, sem e com cirrose, respetivamente. No estudo OPTIMIST-1, 310 doentes naïves e com tratamento prévio, sem cirrose foram randomizados para regimes com a duração de 8 semanas versus 12 semanas. A taxa de RVS12 global foi de 83% versus 97%, respetivamente (52). O estudo OPTIMIST-2, de braço único, investigou 12 semanas de SMV + SOF em 103 doentes sem e com tratamento prévio, com cirrose. A taxa de RVS12 global foi de 83%, com 88% em doentes naïves e 79% em doentes com tratamento prévio (53). A associação de DCV e SOF, com ou sem RBV, também tem sido amplamente utilizada em toda a Europa em pessoas com doença hepática avançada (38), com base nos resultados de um estudo de fase II que incluiu doentes infetados com VHC-G1, reportando taxas de RVS12

de 98% (54). Neste estudo, 92% dos doentes com infeção pelo VHC-G2 e 89% dos doentes com infeção pelo VHC-G3 também não apresentaram qualquer sinal do vírus no sangue 12 semanas após o final do tratamento.

A combinação fixa de ledipasvir (LDV), um inibidor NS5A de primeira geração, e SOF (a seguir LDV/SOF) é recomendada para doentes infetados pelos genótipos 1, 4, 5 e 6 e para alguns doentes infetados pelo genótipo 3 (55). O ION-1, ensaio clínico de fase III, incluiu 865 doentes infetados com VHC-G1 sem tratamento prévio. Este estudo investigou a duração do tratamento (12 semanas versus 24 semanas) e a necessidade de RBV. A RVS12 foi de 97% a 99% em todos os braços, com nenhuma diferença na RVS no que respeita à duração do tratamento, à utilização de RBV, ou subtipo de G1. Dos participantes, 16% foram classificados como tendo cirrose. Não houve diferença na taxa de RVS12 naqueles com cirrose (97%)

versus aqueles sem cirrose (98%) (56). O ION-3, ensaio clínico de fase III, incluiu 647 doentes

infetados com VHC-G1, sem tratamento prévio e sem cirrose. Este estudo investigou a diminuição da duração do tratamento, 12 semanas versus 8 semanas, com ou sem RBV, sugerindo que, o tratamento de 8 semanas pode ser suficiente para alcançar RVS em mais de 90% dos doentes que apresentem baixa carga viral (<6 log UI/mL) (57). No entanto, dados preliminares baseados em coortes do mundo real (não-randomizadas) mostram resultados controversos sobre a efetividade comparável de 8 e 12 semanas (58). Dados de estudos de suporte mostraram que o LDV/SOF associado à RBV pode ser benéfico para certos doentes infetados pelo VHC-G3, bem como para doentes infetados com os genótipos 1, 4, 5 e 6, com ou sem cirrose e/ou doentes que tenham recebido um transplante hepático (55).

A associação de ombitasvir (OMV), paritaprevir (PTV) e ritonavir (RTV) (a seguir OMV/PTV/RTV), num único comprimido, mais dasabuvir (DSV), foi aprovada para o tratamento de doentes infetados com VHC-G1 (42). O OMV é um inibidor NS5A, o PTV é um inibidor NS3-4A e o RTV não tem uma ação direta contra o VHC, mas bloqueia a ação do CYP3A que decompõe o PTV, ou seja, potencia este AAD permitindo que tenha uma ação mais duradoura contra o vírus (59). Vários estudos de fase III (60–63) mostraram que esta combinação tripla de AADs, com ou sem RBV, atinge RVS de 95% a 100% em doentes com

VHC-G1. Taxas elevadas de RVS também foram reportadas em pessoas com VHC-G4 que receberam OMV/PTV/RTV com RBV, sem adicionar DSV (64–66). Em Outubro de 2015, a FDA emitiu um aviso de segurança alertando que o tratamento com OMV/PTV/RTV é contra- indicado em pessoas com doença hepática avançada subjacente, porque pode causar lesão hepática grave (67).

A associação fixa de elbasvir (EBV), um IP, e grazoprevir (GRV), um inibidor NS5A, (a seguir EBV/GRV) pode ser recomendada com base nos dados do estudo de fase III C-EDGE, que avaliou a sua eficácia e segurança, durante 12 semanas, em adultos sem tratamento prévio (genótipos 1, 4 e 6). No total, 382 doentes (91% da coorte) infetados com VHC-G1 (50% VHC- G1a, 41% VHC-G1b) receberam 12 semanas de EBV/GRV. A taxa de RVS12 foi de 92% em doentes com infeção pelo VHC-G1a (144/157) e 99% em doentes com infeção pelo VHC-G1b (129/131) (58).

Os resultados deste estudo de fase III suportaram as descobertas anteriores do ensaio de fase II C-WORTHY, em que taxas de RVS12 de 92% (48/52) e 95% (21/22) foram demonstradas em doentes naïves, sem cirrose, infetados com VHC-G1a e G1b, respetivamente, que receberam 12 semanas de EBV/GRV sem RBV.O ensaio C-WORTHY incluiu doentes monoinfetados com VHC e coinfetados com VIH/VHC (58).

As recomendações para doentes cirróticos são baseadas em 92 (22%) doentes com METAVIR F4, incluídos no estudo C-EDGE. A RVS12 foi de 97% no subgrupo de doentes cirróticos. Uma taxa de RVS de 97% (28/29) já havia sido demonstrada em doentes naïves, cirróticos, infetados com VHC-G1, tratados 12 semanas com EBV/GRV sem RBV, incluídos no ensaio C-WORTHY. A presença ou ausência de cirrose compensada não parece alterar a eficácia deste regime (58).

Os AADs permitem maiores taxas de cura do que os regimes à base de IFN, são mais seguros, melhor tolerados, com regimes de tratamento mais curtos (12 semanas ou 24 semanas), administrados por via oral, com uma carga de comprimidos reduzida e oferecem novas oportunidades para grupos de doentes anteriormente excluídos (2)(3).

Verifica-se que as novas combinações de dois ou três AADs demonstram excelente eficácia em geral, embora as taxas de cura entre certos subgrupos de doentes sejam mais baixas. Individualmente, cada AAD varia em termos de eficácia terapêutica, eficácia genotípica, eventos adversos e interações fármaco-fármaco, devendo ser utilizado em combinação com pelo menos um outro AAD (3).

Até Outubro de 2015, encontravam-se aprovados para o tratamento de pessoas com infeção pelo VHC os AADs referidos (3). Vários outros AADs estão atualmente em processo de desenvolvimento (42).

A figura 2VI mostra as etapas cruciais da evolução do tratamento da hepatite C crónica, desde

regimes baseados em IFN até às combinações orais livres de IFN (42). Esta revolução terapêutica mudou as regras para o tratamento do VHC, aumentando a perspetiva de erradicação do vírus (2).

Documentos relacionados