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Terceira Audiência Pública – Interrupção da Gravidez de Fetos Anencéfalos

No documento Diogo Rais Rodrigues Moreira (páginas 86-93)

CAPÍTULO III ESTUDO DE CASOS

4. Terceira Audiência Pública – Interrupção da Gravidez de Fetos Anencéfalos

A terceira audiência pública realizada pelo Supremo Tribunal Federal tratou de outro tema polêmico relativo à vida, a matéria discutida na Corte se referiu sobre a possibilidade de interrupção da gravidez de fetos anencéfalos. Essa audiência pública foi realizada nos autos da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54, distribuída em 17 de julho de 2004, sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio. Essa ADPF foi formalizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), apontando como violados os artigos 1º, inciso IV (dignidade da pessoa humana); 5º, inciso II (princípio da legalidade, liberdade e autonomia da vontade); 6º, caput, e 196 (direito à saúde) - todos da Constituição Federal. E, como violadores, os artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal - Decreto-Lei nº 2.848/40.

O pedido da ação pode ser resumido como a viabilização da atuação médica interruptiva da gravidez nos casos de fetos anencéfalos sem a incidência dos dispositivos penais face à atuação dos profissionais da área de saúde neste procedimento.

Embora essa tenha sido a terceira audiência pública realizada pelo Supremo Tribunal Federal, foi nesse processo que ocorreu o primeiro despacho a convocar uma audiência pública naquela Corte. O Relator, por despacho de 28 de setembro de 2004, convocou essa audiência, submetendo ao plenário para designação de data após a análise da admissibilidade da referida arguição de descumprimento de preceito fundamental. Mas apenas em 31 de julho de 2008, mais de um ano após a primeira audiência pública realizada no Supremo, o Relator ratificou seu despacho e agendou as audiências para quatro dias: dia 26 e 28 de agosto e 14 e 16 de setembro de 2008.

Pelo trecho do despacho abaixo transcrito, constata-se que, diferente do Ministro Carlos Ayres Britto, o relator que dirigiu a primeira audiência pública naquela Corte, Ministro Marco Aurélio, preferiu não adotar o regimento interno da Câmara dos Deputados, assim, mesmo diante da omissão regimental, convocou a audiência adotando regramento próprio, destinando os dias e horários de sua realização, bem como o tempo máximo atribuído a cada expositor, se aproximando da decisão da Ministra Carmem Lúcia na convocação da segunda audiência pública do Supremo.

“Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Fonteles, requereu a realização de audiência pública, indicando rol de professores a

serem ouvidos, dos quais ficaria dispensada a intimação (folha 270). O citado Procurador requereu a juntada de documentos. Aberta vista à argüente, esta ressaltou a neutralidade das peças (folhas 275 e 284). À folha 286 à 500, está a documentação do incidente suscitado, com o acórdão relativo à concepção do Plenário.

“2. Encontrando-se saneado o processo, devem ocorrer audiências públicas para ouvir entidades e técnicos não só quanto à matéria de fundo, mas também no tocante a conhecimentos específicos a extravasarem os limites do próprio Direito. Antes mesmo de a Procuradoria Geral da República vir a preconizar a realização, havia consignado, na decisão de 28 de setembro de 2004, a conveniência de implementá-las. Eis o trecho respectivo (folha 241):

„Então, tenho como oportuno ouvir, em audiência pública, não só as entidades que requereram a admissão no processo como amicus curiae, a saber:

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Católicas pelo Direito de Decidir, Associação Nacional Pró-vida e Pró-família e Associação de Desenvolvimento da Família, como também as seguintes entidades: Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, Sociedade Brasileira de Genética Clínica, Sociedade Brasileira de Medicina Fetal, Conselho Federal de Medicina, Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sociais e Direitos Representativos, Escola de Gente, Igreja Universal, Instituto de Biotécnica, Direitos Humanos e Gênero bem como o hoje deputado federal José Aristodemo Pinotti, este último em razão da especialização em pediatria, ginecologia, cirurgia e obstetrícia e na qualidade de ex-Reitor da Unicamp, onde fundou e presidiu o Centro de Pesquisas Materno-Infantis de Campinas – CEMICAMP‟.

“Já agora incluo, no rol de entidades, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC.

“Visando à racionalização dos trabalhos, delimito o tempo de quinze minutos para cada exposição – viabilizada a juntada de memoriais – e designo as seguintes datas das audiências públicas, que serão realizadas no horário matutino, a partir das 9h: [...]” (Grifo nosso). Embora não tenha adotado o regramento da Câmara dos Deputados e sim optado pela criação de regras sobre o desenvolvimento dessa audiência pública, à semelhança da Ministra Carmem Lúcia na segunda audiência pública realizada no Supremo, seu regramento se revelou muito mais simples, pois não adotou a fase de habilitação como ocorreu na segunda audiência. Como se constata no trecho transcrito acima, aceitou as indicações formuladas pelo Procurador-Geral da República e convidou os amici curiae a indicarem representantes para exposição em audiência pública e, além deles algumas entidades e expertos que solicitaram sua participação.

Na abertura da audiência pública, o Ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal à época estava presente e, seguindo o Regimento Interno da Corte – em

especial seu art. 14867– o Ministro Marco Aurélio, Relator e autoridade convocadora daquela audiência pública, passou a presidência ao Ministro Gilmar Mendes que teve oportunidade de se manifestar sobre este instrumento, realçando a produção de diálogo e a abertura do Supremo Tribunal Federal concedida a comunidade científica e civil. Após sua manifestação, esteve presente por certo período, mas declinou da presidência daquela sessão, devolvendo esse encargo ao Ministro Relator Marco Aurélio:

“Gostaria de apenas fazer o registro, eminente Ministro-Relator, Ministro Marco Aurélio, senhoras e senhores presentes, da importância deste instrumento previsto nas Leis nºs 9.868 e 9.882, que permite este diálogo particular e esta abertura na interlocução do Supremo Tribunal Federal com a comunidade científica e com a sociedade como um todo.

“Esta é a terceira Audiência Pública que o Supremo Tribunal Federal realiza no contexto das Leis nºs 9.868 e 9.882.

“A primeira delas deu-se no âmbito da Lei de Biossegurança, naquela referida ação direta de inconstitucionalidade de todos conhecida. Agora, estamos a realizar a segunda Audiência Pública neste tema de magna relevância para dirimir sensíveis dúvidas, controvérsias do ponto de vista científico, ético e religioso.

“Passo a Presidência dos trabalhos ao eminente Relator desta ação de argüição de descumprimento de preceito fundamental, um outro instrumento também cuja relevância não cansamos de destacar e que vem servindo de instrumento subsidiário para trazer ao Supremo Tribunal Federal questões que de outro modo não chegariam à Corte. Ainda neste pronunciamento de abertura, o presidente Gilmar Mendes compara a mesma situação a ser debatida em audiência pública, quando posta por um habeas corpus, realçando que naquela oportunidade, pela natureza e peculiaridades da ação, não puderam utilizar-se da audiência pública, como se observa no trecho abaixo:

“Neste caso específico, o Ministro Marco Aurélio há de se lembrar o tema inicialmente foi agitado no Supremo Tribunal Federal em um habeas corpus, mas, por razões específicas, era impossível de o Tribunal nele se manifestar por conta das limitações já temporais que o tema aqui envolve. De modo que somente este instrumento possibilitou à Corte se debruçar com o cuidado, com a serenidade e com a necessária cautela, que permite esta prova, e que somente esta ação de argüição de descumprimento permitiu esse desenvolvimento necessário e cauteloso que estamos tendo, graças também às mãos seguras do eminente Relator Ministro Marco Aurélio”.

Após o pronunciamento, o presidente do Supremo devolveu a presidência dos trabalhos ao Ministro Relator que, em seu pronunciamento, informou a intenção de

documentação da audiência pública e apontou qual a natureza que atribuía à audiência pública, no caso, um instrumento de convicção:

“O que formalizado nesta audiência pública formará apenso que estará junto ao processo revelador da argüição de descumprimento de preceito fundamental, para consulta pelos integrantes da Corte.

“É nossa idéia também, lançando mão do serviço técnico do Tribunal, encaminhar a cada integrante do Supremo Tribunal Federal, para domínio maior da matéria, um DVD contendo as exposições que teremos a satisfação de ouvir, de presenciar.

“[...]

“Costumo dizer que, sem fato, não há julgamento e aquele que personifica o Estado-Juiz há de defrontar-se com conjunto de elementos objetivando formar o respectivo convencimento sobre a controvérsia. Visamos, com esta Audiência Pública, que se desdobrará de início em três dias, colher esses dados de convicção.” (Grifo nosso).

No decorrer da audiência pública foram ouvidas vinte pessoas, sendo preservada a paridade de opiniões, buscando o equilíbrio da audiência. Assim agendou-se a exposição de dez expertos que, com base nas teses fundamentadas em sua expertise, se revelaram favoráveis e outros dez contra o deferimento da arguição, sendo concedido quinze minutos para cada expositor. Talvez a preocupação do Ministro Relator em, já no início da audiência pública, informar a todos sobre a gravação em DVD e seu encaminhamento a cada Ministro, se justifique pelo fato de prever que os Ministros não presenciariam a audiência pública, como de fato ocorreu, tendo comparecido e apenas de maneira esporádica durante o desenrolar da audiência pública os Ministros Gilmar Mendes e Menezes Direito, não tendo notícia de comparecimento dos outros oito Ministros.

O desenrolar desta audiência pública assumiu características da informalidade, transcorrendo com poucas intervenções e sendo facultado perguntas ao Ministério Público e ao advogado representante da arguente. Aliás, pelo trecho transcrito abaixo, que corresponde a parte do pronunciamento de encerramento desta audiência pública, fica claro sua intenção de informalismo e espontaneidade.

“Antes de encerrar a Audiência Pública, desejo registrar que ela foi norteada, acima de tudo, pela espontaneidade e liberdade em seu sentido maior.

“Tudo o que veiculado integrará o processo, mediante notas taquigráficas, memoriais e DVD.

“Agradeço aos expositores indistintamente, pouco importando o convencimento exteriorizado, como já ressaltado pelo Doutor Luís Roberto Barroso, presente a honestidade e disciplina intelectuais.

“Remeteremos posteriormente a cada qual o DVD, que espero contenha índice que permita acessar, com facilidade maior, as faixas e as exposições feitas.

“[...]

“Estando o processo aparelhado com essas peças a que me referi, teremos a fase das alegações finais e, posteriormente, as manifestações da Advocacia-Geral da União e do Ministério Público, para que então possa, com base em elementos - e sem elementos não há julgamento, não se julga -, confeccionar o relatório e o voto e pedir dia para o pregão – inserção do processo em pauta - no Plenário da Corte.

“Declaro encerrada a Sessão.

“Mais uma vez, meu agradecimento, inclusive, àqueles que acorreram para assistir ao que tratado nesta Audiência Pública, e tratado, com toda certeza, com muita mestria. Muito obrigado a todos”. (Não grifado no original).

A audiência pública foi presidida na maior parte pelo Ministro Marco Aurélio e, pontualmente e em poucos momentos, pelo Ministro Gilmar Mendes, pois este estando presente em sua sessão, por força do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, assumiu a presidência dos trabalhos, mas brevemente, apenas fez um pronunciamento de abertura da sessão, e nas outras vezes que esteve presente declinou da tarefa, devolvendo-a ao Ministro Relator.

Em que pese a polêmica e delicadeza que permeia os temas que orbitam o direito à vida, e, em especial, esta que assume aspectos que adentram convicções religiosas e sociológicas. Como no caso da interrupção de gravidez diante de fetos anencéfalos, o transcorrer dessa audiência foi elogiável do ponto de vista da tranquilidade da condução dos trabalhos e de seu informalismo e espontaneidade, facultando a participação dos técnicos envolvidos na causa, destinando espaço para o advogado e Ministério Público esclarecer mais dúvidas a respeito dos depoimentos e do tema. O clima de tranquilidade e leveza contrastou com a polêmica e tensão inerentes ao tema e permitiu a produção de farto material que, provavelmente, contribuirá para a decisão dos Ministro. Embora essa audiência pública tenha trazido grande gama de fundamentos para cada tese oposta e a sociedade civil, por intermédio da mídia especializada e comum, tenha acompanhado intensamente seus debates, os autos ficaram em conclusão ao relator desde 09 de julho de 2009, retornando apenas em 27 de fevereiro de 2011 com o relatório e voto (não disponível até 08/03/2011) e solicitação de inclusão na pauta para julgamento.

4.1. Quadro sinótico da terceira audiência pública

Terceira Audiência Pública no Supremo Tribunal Federal

Tema da audiência Interrupção da gravidez de fetos anencéfalos

Processo Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54

Ministro convocador Min. Marco Aurélio

Presidente do

Supremo à época Min. Gilmar Mendes

Data de convocação 28 de setembro de 2004, ratificado em 07 de agosto de 2008

Data de realização 26 e 28 de agosto, 04 e 16 de setembro de 2008

Regramento Não adotou nenhum regramento específico, utilizou-se de recursos das audiências comuns, facultando perguntas ao advogado da arguente e procurador do arguido, além daquelas feitas por ele mesmo.

Publicidade e divulgação

Publicação no Diário de Justiça e transmissão pela Rádio e TV Justiça e também franqueou acesso a toda imprensa.

Critério de admissão dos expositores

Foram convidados os indicados pela Procuradoria Geral da República, pelos amici curiae admitidos e algumas entidades e expertos que solicitaram sua participação.

Quantidade de pessoas que se manifestaram

20 (vinte) pessoas se manifestaram

Julgamento

Os autos ficaram em conclusão com o relator desde 09 de julho de 2009, retornando apenas em 27 de fevereiro de 2011 com o relatório e voto (não disponível até 20/03/2011) e solicitação de inclusão na pauta para julgamento.

No documento Diogo Rais Rodrigues Moreira (páginas 86-93)