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A terceira dimensão ontológica do corpo

No documento O PROBLEMA DO OUTRO EM SARTRE (páginas 48-50)

Como foi visto, a primeira dimensão do ser do Para-si é existir enquanto corpo. A segunda dimensão é o corpo do Para-si que é conhecido pelo outro. O outro me revela o objeto que sou para ele. A terceira dimensão ontológica do corpo trata de como existo para mim enquanto corpo que é conhecido pelo outro.

Com o olhar do outro, eu experimento meu ser-objeto. Objeto que sou apenas para o outro, nunca para mim mesmo. Sartre observa que o encontro com o outro

não me alcança somente em minha transcendência: na e pela transcendência que o outro transcende, a facticidade que minha transcendência nadifica e transcende existe para o outro, e, na medida em que sou consciente de existir para o outro, capto minha própria facticidade, não mais apenas em sua nadificaçao não-tética, não mais somente existindo-a, mas em sua fuga rumo a um ser-no-meio-do-mundo. (SARTRE, 1997, p. 441).

Por meio do olhar, meu corpo é revelado pelo outro como um Em-si, meu corpo é então alienado e minha facticidade objetivada. Aqui surge a experiência da timidez que Sartre afirma ser como ter consciência constante de seu corpo como é para o outro. O Para-si não fica tímido ou embaraçado pelo seu corpo como ele existe: “Meu corpo tal como é para o outro é que poderia embaraçar-me” (SARTRE, 1997, p. 443).

Sartre afirma que a linguagem nos revela as estruturas do corpo do Para-si que é para- outro. Pela linguagem, tentamos nos ver pelos olhos do outro. Mas a linguagem não se dá no plano irrefletido, somente no nível da consciência reflexiva que o conhecimento que tenho de mim mesmo pelo outro que me comunica por meio da linguagem. Assim, “é por meio dos conceitos do outro que conheço meu corpo” (SARTRE, 1997, p. 445). Mas na reflexão o Para-si vai adotar o ponto de vista do outro, pois não é possível ter um ponto de vista da própria facticidade.

Sartre até aqui descreve a relação fundamental com o outro, descrevendo também as dimensões de ser do corpo do Para-si. E a relação entre meu corpo e o corpo do outro é fundamental para estudar as relações concretas com o outro.

4 AS RELAÇÕES CONCRETAS COM O OUTRO

Após a análise do olhar e do corpo, é possível adentrar no aspecto referente às relações concretas com o outro. Agora podemos estudar as atitudes do Para-si em um mundo onde existem outros Para-si. E sendo atitudes concretas, a ontologia do olhar, antes apenas descrita, ganhará uma denotação prática nas relações mais primitivas com o outro no mundo.

Há agora uma complexidade maior na relação do Para-si com o Em-si: essa relação é em presença do outro.

O Para-si transcende sua facticidade rumo ao Em-si como fuga de sua condição que é nada, tentando buscar no Em-si um fundamento. Mas o Para-si não é o Em-si: é relação com o Em-si. O Para-si como negatividade total de fundamento, é apenas relação.

Para Sartre (1997), o Para-si mantém uma relação de fuga e perseguição com o Em-si, pois o persegue a fim de tentar escapar de sua condição e de ter uma natureza; e ao mesmo tempo é fuga, na medida em que ele não é seu fundamento.

Quando surge o outro, transforma o Para-si em um Em-si pelo olhar que lhe é lançado; e o outro o vê como uma liberdade que é dada. Mas pelo olhar há uma objetivação que o aliena e que não se pode conhecer. Então, a fuga do Para-si torna-se agora petrificada, mas do seu lado de fora. Entretanto:

Apenas pelo fato de que eu a experimento e de que ela confere à minha fuga este Em-si do qual minha fuga foge, devo voltar-me para tal objetividade de minha fuga e tomar atitudes com relação a ela. Esta é a origem de minhas relações concretas com o outro; são inteiramente comandadas por minhas atitudes com relação ao objeto que sou para o outro. (SARTRE, 1997, p. 453).

Como o outro revela um ser que sou, mas que não tenho acesso, minha relação com ele resulta em duas atitudes: o outro me olha, me objetiva e sabe o que sou levando vantagem em relação a mim. Mas como o Para-si é esta fuga do Em-si, posso tentar negar este lado de fora que me é dado. Dessa forma, volto-me para o outro para objetivá-lo, pois ao fazer isso destruo minha objetividade para ele.

O outro como liberdade é fundamento do ser-Em-si, já que ele objetiva e qualifica o Para-si. Assim, o Para-si tenta recuperar esta liberdade e apoderar-se dela, sem que ela deixe de ser livre. Se conseguisse apropriar-me da liberdade do outro, que fundamenta o seu ser

objeto, o Para-si seria meu próprio fundamento. Desse modo, “transcender a transcendência do outro, ou, ao contrário, incorporar em mim esta transcendência sem priva-la de seu caráter de transcendência – estas são as duas atitudes primitivas que adoto em relação ao outro” (SARTRE, 1997, p. 453).

Portanto, o fato originário para Sartre é que o Para-si é experiência do outro em seu ser, ou como projeto de objetivação ou de assimilação do outro. Estas atitudes se opõem, pois uma é a morte da outra. Sartre conclui que “o fracasso de uma acarreta a adoção da outra” (1997, p. 454).

A escolha de abordar uma ou outra relação com o outro é arbitrária, pois há um círculo vicioso de fracasso nas relações.

No documento O PROBLEMA DO OUTRO EM SARTRE (páginas 48-50)

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