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A TERCEIRA FASE DO MOVIMENTO NEGRO CAPIXABA E AS POLÍTICAS DE

Capítulo 3 ENTRE O PROTESTO E A INSTITUIÇÃO: AS POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA

3.2 A TERCEIRA FASE DO MOVIMENTO NEGRO CAPIXABA E AS POLÍTICAS DE

A constituição do Movimento Negro capixaba completamente entrelaçada com a terceira fase da trajetória nacional do Movimento Negro, que a partir do final da década de 1970 passa a ter parte de suas reivindicações materializadas em políticas de promoção da igualdade racial no Brasil. No Espírito Santo, tal materialização passa acontecer a partir do final dos anos 70 com a criação do Movimento Negro

Unificado136. A capital do Estado, Vitória, entra no circuito de mobilizações raciais com uma série de

atividades que retratava, inclusive, seu estreito diálogo com outras cidades da região Sudeste. Exemplo disso foi a Reunião da Comissão Executiva Nacional do MNU (na época MNUCDR), realizada na Escola Maria Ortiz, no centro de Vitória – ES, nos dias 13 e 14 de abril de 1979 (FORDE, 2016).

De acordo com Forde (2016), foi a partir da mobilização do MNU e de seus respectivos Centros de Luta, que se formaram várias entidades, grupos e organizações cujas ramificações chegaram aos dias atuais.Dentre as muitas organizações citadas pelo autor, e já destacadas por nós em nosso segundo capítulo, evidenciaremos aquelas que, em nossas análises, foram chaves no processo de tensionamento para a implementação de políticas de combate ao racismo e a discriminação racial no Espírito Santo. Isso

não significa que as organizações não apontadas por nós foram – ou são – menos importantes para a

constituição do Movimento Negro no Estado. Ao contrário disso, acreditamos que todos os processos alcançados só o foram devido a articulação de vários sujeitos e a capacidade de consenso, formulação e síntese alcançadas pelo conjunto de organizações negras. Nossos destaques nesta pesquisa são principalmente pela impossibilidade, devido ao nosso tempo e possibilidades físicas, de entrevistar todos os representantes de todas as organizações do Estado do Espírito Santo. Desta forma, nossa seleção se deu, a partir de nossa metodologia exposta, às seguintes organizações:O próprio MNU, criado em 1979 e rearticulado em 2012; o Centro de Estudos da Cultura Negra (CECUN) criado em 1983;a União de Negros pela Igualdade – ES (Unegro-ES),criado em 2004; o Círculo Palmarino, criado em 2005;o Fórum

Estadual da Juventude Negra, criado em2007 e o Coletivo Negrada da Ufes, criado em 2012137.

Acerca do CECUN, criado em 1983138, é importante destacar que este se estabeleceu enquanto uma

entidade do Movimento Negro Capixaba reconhecida em todo o Brasil devido às inúmeras atividades desenvolvidas ao longo de sua história. Desde sua fundação, a busca pela politização da pauta negra,

136 Ver mais em: 2.3 – O Movimento Negro Espírito-Santense 137

De acordo com o Decreto nº 053-S, de 05 de janeiro de 2017, entre nossos selecionados para esta pesquisa, somente a União de Negros pela Igualdade – ES (Unegro-ES), faz parte da atual composição do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial – CEPIR. Não conseguimos acessar nos documentos oficiais as antigas composições do CEPIR para investigarmos quais organizações compuseram o CEPIR dentro do nosso marco temporal, 2003 a 2016.

autonomia e a valorização dos negros e negras nos parece ser uma das maiores preocupações de seus militantes, conforme trecho de uma de nossas entrevistas:

Naquela época, quando surgimos, não se falava muito de reparação ainda não, mas como não tratar de política para esse povo? Por isso que eu falava da politização! [...] Por volta de fevereiro de 83, criamos [o CECUN] e tal, e a gente começou.[...] na verdade nossa proposta, é uma proposta que já teve no início autonomia, e a gente buscava sempre empreender para sobreviver, que era desafio pros pretos daqui. […] Inclusive teve muita critica. Muita gente do movimento de esquerda (que era militante mesmo) nos criticava: "ah esses caras só querem ganhar dinheiro!‖ Mas para poder sobreviver e desenvolver o nosso trabalho e tal, a gente precisava de ganhar dinheiro. A gente criou, por exemplo, a noite da beleza negra, no início dos anos 90. Isso tinha uma portaria para levantar dinheiro; aquilo ali aguentava a gente pelo menos seis meses; umas coisinhas de papel ou pra tirar cópia. [...] Criamos também uma banca de revista, ali ao lado do teatro Carlos Gomes, que era para justamente isso também, para nós (Entrevistado 4).

A principal bandeira nacionalmente levantada pelo Movimento Negro era a educação. Isso não se diferenciava em terras capixabas. Em 1985 o CECUN assume a pauta educacional como mote de suas ações e realiza dois encontros estaduais: O Negro e a Educação e o Negro e a Cultura. Os acúmulos dos debates realizados nesses encontros são levados ao 1º Encontro de Negros da Região Sul-Sudeste, realizado no Rio de Janeiro em 1987, que tem como resultado os primeiros questionamentos direcionados ao governo do Estado acerca da inserção da história dos negros e negras nos currículos escolares, fazendo com que ―a luta contra a discriminação racial passou a reivindicar, com maior vigor, o desenvolvimento de políticas para a superação do racismo e das desigualdades raciais na educação‖ (FORDE, 2016, p. 142).

Ainda em 1988, com autoria do CECUN, é protocolado na Secretaria de Estado da Educação (SEDU) um projeto que previa a introdução da história do negro no currículo escolar. Veja bem: ainda em 1988, quinze anos antes da aprovação da lei 10.639/03, o Movimento Negro Capixaba já apresentava projetos ao governo do Estado para conseguir introduzir nos currículos escolares, a história dos negros e negras no país.

Entretanto, somente em 1993, após reiteradas cobranças e tensionamentos do Movimento Negro, é criada uma Comissão Paritária, entre órgãos do Serviço Público e Representantes de Entidades do Movimento Negro para a elaboração, implantação e implementação da história, cultura e contribuição do negro na formação do povo brasileiro no ensino fundamental e médio (FORDE, 2016). Apesar da elaboração, através da Comissão, do Projeto de Inclusão da História, Cultura e Contribuição do Negro na Formação do Povo Brasileiro no Ensino Fundamental e Médio; da apreciação deste pelo secretário de educação e da realização do 1º Seminário Nacional de Entidades Negras da Área da Educação (SENENAE), realizado pelo CECUN, em 1996, efetivamente nada foi definido ou efetivado em âmbito estadual.

O que temos como fato na década de 1990 como resposta do governo às demandas negras que efervesciam local e nacionalmente, é a criação no Governo de Albuíno Azeredo (primeiro governador negro do Espírito Santo), de um departamento de Apoio e Promoção da População Negra, vinculado à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania. De acordo com as pesquisas de Forde (2016), o Departamento iniciou suas atividades com um grande evento: a vinda do líder negro sul-africano, Nelson Mandela ao Espírito Santo.

Figura 3 - Jornal “Justiça & Cidadania”. Visita de Nelson Mandela ao ES

Fonte: FORDE, 2016, p. 126

―Nesse período também, em nível estadual, a Verônica da Pas139

junto com o CECUN, em diálogo com o governo estadual Albuíno, idealiza o Museu Capixaba do Negro, o MUCANE‖ (Entrevistado 2). Nosso entrevistado se recorda que o final da década de 80 e inicio dos anos 1990 foram fundamentais para a assinatura do Decreto 3.527 - N, em 13 de maio de 1993, que instituía o MUCANE. Isso porque, longe de ser uma iniciativa benevolente do governo, o Museu foi fruto de pressões sociais, resultantes da movimentação de negras e negros do Espírito Santo cujas lutas por dignidade, respeito e reconhecimento remontam todos os períodos concretizados até a terceira fase do Movimento Negro nacional. A luta pela construção de um lugar físico de produção e valorização do negro capixaba marcam a primeira tentativa, em 1991, do diálogo entre as organizações negras e o governo.

A importância da figura do governador Albuíno Azeredo na criação do Museu Capixaba do Negro gera polêmicas entre os envolvidos no processo. Se para alguns, as origens africanas não sensibilizaram o governador para a relevância do projeto, para outros, a presença de um negro no Palácio Anchieta foi imprescindível para a assinatura do decreto. Segundo Edileuza de Souza, a presença de Albuíno no cargo de governador foi chave: ―o museu só existe porque Albuíno é um

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O nome do Museu Capixaba do Negro – Maria Verônica da Pas – éuma homenagem à primeira coordenadora da instituição, considerada por muitos a principal responsável pela existência do Mucane. Mulher negra, médica psiquiatra, militante do movimento negro e propulsora do movimento de mulheres negras no Espírito Santo, Verônica foi precursora em várias frentes da luta feminina, além de ter sido coordenadora do museu até sua morte, em 1996. (MUCANE, 2012).

homem negro. Diga o que quiser, mas foi um cara que abraçou esse projeto. A gente só está discutindo isso tudo porque ele topou a ideia‖. (MUCANE, 2012, p. 6).

Fato é que o decreto assinado no aniversário da abolição da escravidão no Brasil, e criando o Museu no âmbito do Departamento Estadual de Cultura, não significou a materialização do Mucane. O prédio para a

instalação da instituição só foi doado ao Departamento Estadual de Cultura140―um ano após a criação da

instituição no papel. Além disso, a solenidade representou apenas a entrega do espaço uma vez que não foi anunciada uma data oficial para o museu começar a funcionar, nem previsto um orçamento para a sua manutenção‖ (MUCANE, 2012, p. 6).

De acordo com Forde (2016), ―como resultado da ação do movimento negro capixaba, criou-se um conjunto de marcos legal no âmbito do Poder Público Municipal de Vitória‖ (p.153), sendo estas: a criação

em 1994, do SOS Racismo na Casa do Cidadão em Vitória – ES; Lei 4.193/95, que assegura a

pluralidade étnica nos anúncios e propagandas institucionais do município de Vitória; Lei 4719/95, que institui o dia 20 de novembro como data comemorativa e realização de atividades alusivas à data no município de Vitória; Decreto nº 10.236/98, que regulamenta as atividades alusivas ao 20 de Novembro no município de Vitória; Lei 4803/98, que institui a inclusão da História Afro-Brasileira no currículo escolar

do município de Vitória; Lei 4988/99, que proíbe a expressão ―boa aparência‖ nos anúncios de

recrutamento de pessoal no município de Vitória (FORDE, 2016).

A avaliação de um de nossos entrevistados é que quanto às políticas de combate ao racismo e combate às desigualdades sóciorraciais, o Espírito Santo ele tem apresentado alguns avanços,

[...] principalmente a partir da segunda metade dos anos 90. Nós podemos citar a experiência no município de Vitória quando um conjunto de legislações são elaboradas e sancionadas, uma delas que obriga campanhas municipais de vitoria a ter representatividade negra; outra lei é a dos anos 90 que obriga o ensino da historia brasileira nas redes municipais. Bom, pena que essas leis elas são chamadas de leis mortas né, que elas não pegaram né, muitos de nós inclusive nem lembramos muito delas (Entrevistado 2).

A instituição destas leis municipais na cidade de Vitória datam o período em que o Movimento Negro passa a exigir do Estado novas respostas aos problemas raciais. Em âmbito nacional, o fortalecimento do movimento negro pré e pós-Constituinte materializa a Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela cidadania ea vida, realizada em 20 de novembro de 1995. Aqui no Espírito Santo, ―a ‗onda negra‘ identificada em 1988 tomou corpo de uma ‗marcha negra‘ em 1995‖ (FORDE, 2016, p. 156).

O ―tom‖ do discurso desse movimento – materializado em uma ampla programação alusiva aos 300 anos de Imortalidade de Zumbi dos Palmares, ocorrida em 1995 – reflete a envergadura da sua agenda política. Nessa programação, o movimento negro organizou uma marcha-caravana até Brasília, intitulada ―Marcha Zumbi contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida‖; da qual o Espírito Santo participou com inúmeros ônibus transportando militantes capixabas (FORDE, 2016, p. 156).

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A grande aglomeração e entusiasmo em torno da Marcha Zumbi, além da capacidade de articulação e

proposição do Movimento Negro nacional – e estamos incluindo o Movimento Negro capixaba nesta

análise – transformaram essa marcha em um grande e importante marco do Movimento Negro no Brasil, que passa a questionar efusivamente a partir desta o não-enfrentamento efetivo das desigualdades raciais por parte do Estado.

É neste mesmo momento, também no ano de 1995, que toma fôlego o Movimento pelas Reparações Já!. Aqui no Espírito Santo, o CECUN foi a entidade que tomou a frente deste movimento por entender que a reparação da dívida deveria ser imediata. A entrevista que fizemos com um de seus militantes demonstra esse pensamento:

[...] nós não queremos ser só encaixados pelo no setor público. O que é dívida, é dívida né? Tanto que nós nos anos 90 nós, fizemos parte da campanha das reparações. Nós e o núcleo de negro da USP, Núcleo de Consciência Negra da USP. E aí pra essa campanha aqui no Estado fomos nós que coordenamos. [...] o CECUN sempre apostou nessa questão desafiante (Entrevista 6).

O Movimento Reparações Já!,se constituiu em um movimento que ingressou com uma ação declaratória na Justiça Federal em São Paulo, pleiteando da União o reconhecimento do direito à indenização dos afro-brasileiros – no ―valor total de US$ 6,14 trilhões e US$ 102 mil para cada descendente de escravos,‖ –, que seria requerida posteriormente em ação coletiva de execução.

Conforme justificava, ―a situação de marginalidade vivida hoje pelos descendentes de escravos foi provocada pela forma como se deu a Abolição‖. Quando extinguiu a escravidão, o Estado brasileiro omitiu-se, não dando qualquer amparo aos ex-escravos. ―Eles não tinham terra, casa, emprego ou escolaridade‖. O valor de US$ 102 mil por afrodescendente era resultado de um cálculo estimado pela liderança do Movimento, e levava em conta o suposto número de escravos que veio para o Brasil (3,6 milhões), o tempo médio de anos trabalhados por cada um (20 anos) e a renda média anual de trabalhadores dos países ―desenvolvidos‖ (US$ 10 mil). Os salários dos países ―desenvolvidos‖ [europeus] serviram de parâmetro porque foram estes que teriam patrocinado o tráfico de escravos (DOMINGUES, 2018, p 342).

O Movimento pelas reparações ―ganhou as ruas da Grande Vitória, à medida que foram realizadas

diversas atividades de divulgação, sensibilização e coleta de assinaturas para a Proposta de Projeto de Lei a ser encaminhada ao Congresso Nacional‖ (FORDE, 2016, p 159).

A proposta do Movimento que exigia as reparações compôs a gama de propostas entregue pela Marcha Zumbi ao Congresso Nacional. A proposta abordava uma série de políticas de ações afirmativas – cotas no sistema educacional, no mercado de trabalho e nos meios de comunicação –, sendo a mais polêmica o pagamento de uma indenização financeira. O fato é que desde a direita mais extrema ate frações do movimento negro e operário mostraram relutância face à campanha e, em algumas circunstâncias, passaram a tratá-la com chacotas (DOMINGUES, 2018).

Entendendo que a questão racial não havia entrado plenamente na esfera pública ou na agenda política brasileira após o boom dos Movimentos Negros no início da década de 1980, após o retorno da Marcha Zumbi e com o ―Programa de Superação do Racismo e da Desigualdade Racial‖ em mãos, o Movimento Negro Capixaba exige que seja criado um espaço em que de fato pudesse haver a interlocução entre o Poder Executivo e o movimento negro. Desta forma é criado, em âmbito municipal o Conselho Municipal do Negro do município de Vitória, em 1997, Dia Nacional de Denúncia do Racismo, pela Lei Municipal nº 4.432/1997 e vinculado à Secretaria Municipal de Cidadania e Segurança Pública. (FORDE, 2016).

É certo que o Movimento Negro capixaba não se acomodou com a criação deste Conselho, que importante destacar foi criado na esfera municipal apenas na cidade de Vitória. Ao contrário disso, a chegada dos anos 2000 – com a efervescência dos encontros preparativos para a III Conferência Mundial contra o racismo, a discriminação, a xenofobia e formas de intolerâncias correlatas, em 2001 na cidade de Durban, na África do Sul – trouxe consigo a necessidade do Movimento Negro consolidar o debate das ações afirmativas na agenda estatal do Espírito Santo. Com o foco neste debate, foi realizado o ―Seminário Semana de Consciência Negra‖, em 2002, tendo como um de seus maiores interesses a apresentação à população capixaba das denúncias, proposições e reivindicações que o Movimento Negro fazia ao Estado.

A intensa mobilização das organizações negras nesse seminário repercutiu em igualmente intensos processos de tensionamento durante os anos seguintes. Nosso marco temporal, 2003, é caracterizado por muitos avanços em termos das políticas de combate ao racismo e a discriminação. Em âmbito nacional temos a criação da SEPPIR, símbolo do reconhecimento das lutas históricas do Movimento Negro brasileiro; a instituição da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial, que faz com que pela primeira vez na história o Governo Federal inclua no seu Plano Plurianual o objetivo de promover a redução das desigualdades raciais e a estruturação do Conselho Nacional de Políticas de Igualdade Racial. Além dessas, temos ainda em 2003 a importante implantação da Lei 10.639.

A esta última solicitamos uma atenção especial.

Se voltarmos alguns parágrafos acima, perceberemos que a proposta protocolada na SEDU pelo Centro de Estudos da Cultura Negra,a cerca da criação de uma comissão que elaborasse uma proposta de implantação e implementação da história, cultura e contribuição do negro na formação do povo brasileiro

no ensino fundamental e médio nas escolas capixaba, ainda em 1988 – e reiterada em 1990, 1991 e

1992 -, trata exatamente de uma antecipação do projeto da Lei 10.639, evidenciando como o Movimento Negro Capixaba estava nacionalmente articulado, e as pautas de luta, fosse aqui ou em outro estado,

seguiriam uma mesma lógica: a busca pela superação do racismo, da discriminação racial e da valorização da população negra.

Em termos de legislação, na esfera estadual foram implantadas leis, nos anos de 2003 e 2004 de suma importância para o combate ao racismo, sejam estas a Lei nº 7.688, de 2003 que autoriza o Poder Executivo estadual a promover campanha educativa de combate ao racismo e a Lei nº 7.723, de 2004, que institui a política de promoção da igualdade racial no Espírito Santo.

Acerca da primeira, é interessante destacar que esta trata exatamente das reivindicações anteriores do movimento negro capixaba, no que tange à inclusão no currículo das escolas estaduais o debate sobre a cultura afro-brasileira, a contribuição e a participação do negro na formação e construção do Brasil, as desigualdades sóciorraciais, o combate à reprodução do racismo e a história das lutas e das resistências do povo negro. A respeito da segunda lei, homologada no ano de 2004, podemos sinalizar que esta

marca na história, o reconhecimento – ao menos em âmbito legal – do Governo do Estado do Espírito

Santo, que a premissa a ser considerada no conjunto das políticas públicas do Governo do Estado deve ser combater as desigualdades entre as raças e promover a igualdade racial.

Em seu texto original, a Lei nº 7.723 de 2004 tem como base os princípios do reconhecimento público do caráter pluriétnico da sociedade capixaba; a igualdade racial como ideário democrático; a articulação entre todos os entes públicos, a fim de concretizar a Política de Promoção da Igualdade Racial e por fim, a consolidação de formas democráticas de gestão da política de promoção da igualdade. Entretanto, a materialidade do racismo institucional faz com que nas relações cotidianas de construção e implementação de políticas publicas estaduais, seja necessário que o Movimento Negro esteja, constantemente, denunciando a não-utilização desta lei como premissa.

No fim, ―a principal dificuldade, sem dúvidas é o racismo institucional. E ele se manifesta de várias formas. Do ponto de vista da falta de reconhecimento e que, na verdade é tudo questão do desinteresse, a verdadeira política do desinteresse‖ (Entrevistado 5).

Nos termos de nossas entrevistas, por diversas vezes os representantes das organizações negras capixabas entrevistadas se referiram a esta lei como base dos processos de tensionamento no âmbito estatal:

[...] quando a gente começou a bater de frente com o estado mesmo, existia a lei 7.723/04 que instituía as políticas de promoção da igualdade racial. A gente também pautava a lei que instituía as políticas públicas de juventude. Mas no fim ninguém dava a mínima pra isso né, pra essas duas leis. Tínhamos que ficar em cima deles o tempo todo. E a gente pautou isso em marcha, pautou isso nas conferências, nos conselhos [...] (Entrevistado 1)

Se fossemos tratar de todos os desdobramentos provocados pela soma do Seminário Semana de Consciência Negra, organizado pelo Movimento Negro Capixaba em 2002, às conquistas nacionais do ano de 2003, certamente não findaríamos tão logo nossas análises. Mas existem alguns marcos no plano organizacional da militância negra espírito-santense que não podemos deixar de tratar. Um deles é a reivindicação do Movimento Negro pela implantação das cotas na Universidade Federal do Espirito Santo.

Capitaneadas pelo CECUN, ―em dezembro de 2003 reivindicou-se à Reitoria da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) a implantação de um sistema de cotas para negros no vestibular a ser realizado