• Nenhum resultado encontrado

3 POLÍTICAS DE ATENDIMENTO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE

3.3 A REESTRUTURAÇÃO DA FEBEM NO RIO GRANDE DO SUL

3.3.3 Terceira gestão após a promulgação do ECA

No ano de 1999, assumiu a direção da instituição Carmen Oliveira, designada pelo então governador Olívio Dutra (PT) para reestruturar a FEBEM. A presidente nomeada havia participado de um grupo de trabalho que funcionou durante a elaboração do Plano de Governo da coligação que venceu as eleições, e que tinha por objetivo elaborar as novas diretrizes de reordenamento da FEBEM.

A premissa básica da nova política era a de não restringir a instituição às “quatro paredes”. Nas palavras da Presidente:

[...] visando a integração deste sistema [de atendimento ao adolescente em conflito com a lei] foram definidas as atribuições interfaces entre os operadores (do judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública e conselho tutelar), buscando superar sérios conflitos e entraves hoje existentes nesta relação. Também foram estabelecidas as diretrizes para a constituição de uma rede de proteção social, bem como de políticas e programas, tendo como objetivo a inclusão social e o fortalecimento de vínculos sociais e comunitários de adolescentes (OLIVEIRA, 2001:192).

No que tange o projeto pedagógico, a nova gestão propôs-se a organizar a FEBEM como um estabelecimento educacional para o atendimento de jovens infratores em medidas de internação e de semiliberdade, definindo esse projeto como promoção da proteção integral através da oferta de oportunidade e facilidades para o desenvolvimento humano, livre e digno de adolescentes e jovens em condições peculiar e circunstancial de conflito com a lei (OLIVEIRA, 2001:193).

Na observação da própria gestora, foram levados em conta os avanços históricos da instituição e, também, houve a valorização da composição pluralista das próprias equipes existentes na FEBEM. Foram propostas situações de valorização da instituição e de seus funcionários, como o Projeto “FEBEM 30

anos”12. Esse projeto criou uma agenda com datas que foram comemoradas junto com os funcionários. A estratégia era de conscientizar os trabalhadores da FEBEM para que não se sentissem trabalhadores de um lugar estigmatizado e também chamar a comunidade para se integrar às transformações da instituição.

Segundo a presidente, o ponto de partida para o seu trabalho era retirar o caráter assistencialista e afirmar a FEBEM como uma instituição inclusiva. Nessa política inclusiva,

A ênfase especial foi dada no sentido de explorar muito mais as potencialidades da incompletude institucional prevista no ECA, para a utilização do máximo possível de serviços na comunidade e de maior número de parceiros para que a instituição não se fechasse em si mesma. A idéia era evitar a tendência da FEBEM se autoreproduzir enquanto instituição total e buscar aumento de contato com o mundo exterior, estabelecendo mecanismos de troca com a sociedade e uma oxigenação do espaço institucional (OLIVEIRA, 2001: p. 211).

Essa gestão, além de dar ênfase à desconstrução de uma instituição fechada, preocupou-se em estimular os profissionais, atribuindo a eles responsabilidades individuais e coletivas. Houve o estímulo para que os funcionários apresentassem projetos de caráter pedagógico para serem desenvolvidos com os internos.

A ação da presidente também foi de evitar as horas-extras e as excessivas licenças de saúde ou desligamento da instituição. Segundo a presidente,

[...] o número elevado de licenças de saúde, cujos afastamentos levam a autorização de horas-extras, gerando desgaste nas equipes que ficam sobrecarregadas e que desta forma demandam novos licenciamentos médicos (OLIVEIRA, 2001:169).

Visando mudar as condições de trabalho dos funcionários da instituição, foi criado o Serviço de Saúde ao Trabalhador e um projeto de intervenção para o trabalhador em crise, que se materializou em visitas domiciliares, atendimento psicológico externo, prevenção do uso de drogas, bem como outros atendimentos, entre eles, natação e artes marciais.

12

Esse projeto promoveu alguns eventos junto com os trabalhadores da instituição e culminou com um grande evento com o nome “FEBEMFAZBEM”, que foi aberto à comunidade. Também foi criado um informativo periódico.

Para a instituição dar maior visibilidade ao que tinha sido feito nas gestões anteriores e o que estava sendo feito na atual, foi criada uma Assessoria de Pesquisa, vinculada diretamente ao gabinete da Presidência.

Quanto à reforma administrativa, foi contratada uma consultoria externa, com objetivo de realizar a Gestão de Materiais, Administração de Pessoal, Controladoria de Finanças e Tecnologia da Informação e Fluxo dos Processos.

Esse novo posicionamento causou muitos conflitos e resistências entre os funcionários. Segundo a presidente, essa realidade, somada à presença de funcionários de cargos de confiança não vinculados ao quadro funcional, levou a um embate entre os “de fora” – assessores e cargo de confiança da presidência – e os “de dentro” da instituição – funcionários do quadro, inviabilizando, muitas vezes, ações de mudanças. Um exemplo desse conflito foi a dificuldade de fazerem parceria de trabalho com o projeto Hip-Hop, em que os oficineiros eram adolescentes de periferia, o que os faziam alvo de discriminação por parte dos funcionários da FEBEM. Mesmo assim, avalia a presidente,

Foram visíveis as contribuições desses assessores, principalmente, na área de Projetos e Capacitação de Recursos (que possibilitou a apresentação de projetos qualificados e inovadores e, com isto, aumentando as chances de disputa junto às agências financiadoras) e também na Pesquisa (implantando procedimentos gerais, como a utilização de dados existentes sobre o atendimento e a criação de novos identificadores para “administrar com a força dos fatos”) (OLIVEIRA, 2001:214).

Segundo a presidente, a máquina burocrática existente dificultou o surgimento de uma nova lógica institucional. Para ela, a estrutura burocrática da FEBEM estava composta por muitos profissionais que tinham uma militância que muito se assemelhava aos efeitos da máquina de disciplina da instituição total. (OLIVEIRA, 2001: 216).

Em síntese, a introdução de uma nova lógica administrativa provocou sérios embates entre a nova gestão e os setores que se sentiam ameaçados pelas novas diretrizes e pela presença de assessores externos que não pertenciam ao quadro funcional. A situação foi agravada com a ocorrência de um motim, em setembro de 1999, que ocasionou a morte de um monitor. Em função desses fatos, a Comunidade Socioeducativa - CSC, unidade em que ocorreu o conflito, foi

reformada. Durante a reforma, os internos foram transferidos para a cidade de Osório. Em agosto de 2000, pouco tempo após o retorno dos internos para Porto Alegre, ocorreu outro motim que teve grande repercussão na imprensa. Esse fato teve como desdobramento a solicitação, pelo Judiciário e pelo Ministério Público, de afastamento da presidente da FEBEM. O Judiciário e o Ministério Público entraram com uma representação criminal e um pedido de liminar, feitos para julgar o suposto crime de falsidade ideológica e irregularidades administrativas. A liminar sustentava que a instituição teria permitido aos adolescentes de primeiro ingresso ter contato com os adolescentes com perfis “bem mais comprometidos”. Segundo essa liminar, esse fato colocou em risco irreparável a ordem e a segurança pública. Também foi alegado que a direção tinha faltado com a sinceridade, pois fornecera informações sobre as condições físicas da instituição não condizentes com a realidade.

Segundo a gestora, a atitude do Ministério Público foi desproporcional, uma vez que nenhum pedido de afastamento foi encaminhado em gestões anteriores onde ocorreu uma sucessão de episódios violentos, com morte de internos e sérias denúncias de violação de direitos humanos (OLIVEIRA, 2001:217). A hipótese que esta gestora levantou em relação à desproporcionalidade das penalidades aplicadas é a de que houve um embate político e oposição a um projeto que tinha como objetivo institucional a inclusão social dos adolescentes que são vistos pela sociedade como “lixo humano”. Lembra, essa gestora, que outras gestões anteriores também foram interrompidas de forma traumática, suspendendo os processos, e, assim, colocando a instituição em um eterno recomeço (OLIVEIRA, 2001:220).

Documentos relacionados