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Terceiras moradas: é bom, mas não basta

3. As virtudes evangélicas e o Pai-Nosso (C 4-24)

1.3. Terceiras moradas: é bom, mas não basta

Teresa dirige-se aos que venceram o combate e entraram com perseverança nas terceiras moradas (cf. M III 1,1). “Feliz o homem que teme o Senhor” (Sl111,1),pois se não

Há ainda autores, como Clemente de Alexandria, que falam de uma segunda conversão. Esta segunda

conversão assenta numa entrega total de si mesmo em ordem à perfeição e numa vontade irrevogável de progredir na vida espiritual, a qualquer preço e sem olhar a sacrifícios; ela consiste na busca de realizar somente aquilo que agrada ao Senhor. A alma não se contenta com uma conduta meramente boa e honesta, ou em viver uma vida medianamente virtuosa; procura avançar continuamente no caminho da perfeição. Na segunda conversão, a compreensão e a experiência recebem uma nova luz que lhes concede um sentido renovado e mais profundo das coisas de Deus. Como tal, a segunda conversão é uma iniciação à via mística (cf. Tullo GOFFI – “Conversion”, in Stefano DE FIORES –

Tullo GOFFI (dir.) – Dictionnaire de la vie spirituelle, 199-201).

171 Notamos o paralelismo com a agonia mortificante de Jesus no Getsémani, na qual submeteu e uniu

totalmente a Sua vontade à do Pai (cf. Mc 14,36 e paralelos).

172 O que notámos relativamente à dinâmica de conversão está intimamente relacionado com a

dinâmica do crescimento espiritual e da ascese, particularmente numa perspectiva místico-teologal de ascese, como nos mostra José-Damián Gaitán. No sentido mais lato, a palavra ascese é sinónimo de esforço, treino, tarefa, ou seja, do compromisso pessoal no próprio crescimento e amadurecimento interior. Contudo, numa perspectiva genuinamente cristã, segundo este autor, a ascese enquadra-se melhor na tensão positiva entre o desígnio e o chamamento de Deus e a realidade concreta da existência humana (criatura e pecador). Neste sentido, à semelhança da conversão, todo o esforço e compromisso humanos são desde o seu início permeados pelo dom de Deus, porque a acção divina tem sempre primazia sobre a humana. Daí que a acção de Deus e o esforço ou compromisso do homem coincidem desde o primeiro momento da conversão. Todavia, se existisse um antes seria sempre de Deus (cf. José-Damián GAITÁN – “Crecimiento espiritual y ascesis”, 772-773).

46 voltar atrás, com razão é chamado bem-aventurado e segue seguro o caminho da salvação (cf. M III 1,1).

A luta espiritual continua presente nestas moradas. Aliás, Teresa adverte que a vida presente é um campo de batalha, com inimigos sempre à porta (cf. M III 1,2). Como tal, temos que vigiar e pedir o auxílio do Senhor. A perseverança e a fidelidade permanecem decisivas. Teresa alerta: ninguém, particularmente nenhuma das monjas, se fie em demasia no seu estado nem nas suas próprias forças ou méritos. Tudo isso é bom, “mas não basta” (M III 1,4). Por isso, “feliz o homem que teme o Senhor” (Sl 111,1; cf. M III 1,4). Geralmente, os que entraram nestas moradas desejam não pecar e são amigos da penitência; recolhem-se para orar e utilizam o seu tempo ao serviço de Deus e do próximo. Se perseverarem, têm condições para chegar à última morada (cf. M III 1,5).

Porém, é necessário não querer só de boca, mas efectivamente com “determinação determinada”. Teresa ilustra-nos com o exemplo do jovem rico (cf. Mt 19,16-29 e paralelos; cf. M III 1,6). O nosso amor por Deus tem que ser provado com obras: “Este amor, filhas, não há-de ser fabricado em nossa imaginação, mas sim provado com obras” (M III 1,7). Ressalva, contudo, que o Senhor olha mais à nossa vontade do que às nossas obras: “não penseis que olha às nossas obras, senão à determinação da nossa vontade” (M III 1,7)173.

Por maiores que possam parecer os nossos méritos e aquilo que já fizemos, o principal é perseverar e não regredir, considerando-se a si mesmo como um servo inútil (cf. M III 1,8). Das securas na oração devemos tirar humildades (cf. M III 1,9) à semelhança do que diz Paulo: “quando sou fraco é que sou forte” (2Cor 12,10).

Teresa termina o primeiro capítulo das terceiras moradas com o seguinte pedido: “Somos mais amigos de contentamentos do que da cruz. Prova-nos, Senhor! Para que nos conheçamos” (M III 1,9). Encontramos aqui o tema da prova em relação com o auto- conhecimento. No segundo capítulo das terceiras moradas, Teresa fala-nos precisamente das securas na oração e das provações. No seu entender, é comum os que se encontram nestas moradas serem provados. Quando já se julgam “senhores do mundo” vem a provação (cf. M III 2,1). Para Teresa, a prova revela-nos aquilo somos (cf. M III 2,2), possibilitando-nos ir mais além e crescer174.

173 As obras são importantes. Porém, mais importante é a motivação profunda com que elas são feitas. 174 Relativamente à prova e à tentação, Agostinho de Hipona nos seus Comentários aos Salmos (cf.

60,3) diz-nos que “a nossa vida, enquanto somos peregrinos na terra, não pode estar livre de tentações, e o nosso aperfeiçoamento realiza-se precisamente através das provações. Ninguém se conhece a si mesmo se não for provado, ninguém pode receber a coroa se não tiver vencido, ninguém pode vencer

47 O fundamental, diz-nos a autora, não é ter um hábito, mas sim exercitar as virtudes e submeter a nossa vontade à de Deus em tudo (cf. M III 2,6), de modo que se faça a Sua vontade e não a nossa. “Não tenhais medo que se matem [com penitências], porque a sua razão está muito em si” (M III 2,7). O amor ainda não se sobrepõe à razão (cf. M III 2,7). Teresa alerta para o perigo da tibieza espiritual175 que impede o crescimento e o progresso da união com Deus (cf. M III 2,7).

Na renovação espiritual típica destas moradas, chegamos à conclusão de que por mais que nos esforcemos, não conseguimos ir mais além somente pelas nossas próprias forças. Porém, como nos ensina Teresa, é preciso ousar e ter coragem de avançar: “deixemos a nossa razão e temores em suas mãos” (M III 2,8). O essencial, nesta fase, é ter a coragem de entregar as chaves da nossa vida a Deus, ou seja, de nos entregarmos a nós mesmos nas suas mãos, deixando que Ele seja verdadeiramente o nosso Senhor e o Pastor que nos conduz176.

Acontece que os planos e os caminhos do Senhor estão tanto acima dos nossos, como acima da terra está o céu (cf. Is 55,8-9). As promessas de Deus são desconcertantes aos olhos do mundo (cf. 1Cor 1,17-2,14). Perante o abismo – entre os nossos planos e pensamentos e os de Deus – joga-se a nossa conversão. Diante disto, Teresa exorta-nos ao abandono humilde e confiante a Deus: “deixemos a nossa razão e temores em Suas mãos” (M III 2,8). Juntamente com a humildade, importa exercitar a obediência (cf. M III 2,12) e a caridade (cf. M III 2,13).