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Teresina: História, Modernidade, Urbanização e Mudanças Culturais (1970-2000)

A busca pelo moderno se fez em oposição às representações do mundo rural, como elemento de arcaico e atraso. Contraditoriamente o arcaico foi revestido de valores positivo, aparecendo como um estilo idílico, tranquilo, pacífico, de pureza ingênua em contraposto com a pressão urbana, seu ritmo acelerado, seu tempo linear e progressivo. O rural despertava sentimentos nostálgicos frente a aceleração das mudanças urbanas e o desenraizamanto, levado à busca das temporalidades cíclicas, contato com a natureza e seu ritmo (MATOS, 2007, p. 112-113).

A busca pelo moderno foi, é e continuará sendo uma marca da cidade de Teresina e dos que a fizeram, a fazem e dos que a farão. Teresina, até mesmo antes de sua construção enquanto cidade objetiva foi uma ‘invenção’ fruto da modernidade, pois, embora materializada na ‘utopia’ de Saraiva, já nasceu da necessidade de fazer atender demandas que a cidade de Oeiras não conseguia mais dar conta como principal cidade e sede da Província do Piauí. Resumidamente, a invenção de Teresina se deu por um conjunto de fatores, sobretudo porque Oeiras já não conseguia mais ‘agregar’ valores e ‘adjetivos’ qualitativos o suficiente para manter-se como ‘cidade magnética’, condição digna das sedes de província, à época. Ao apresentar-se como superada, acabou se transformando numa cidade arcaica, atrasada101. A modernidade era um fenômeno ‘auto multiplicador de si’ no espaço urbano e seu ritmo acelerado, linear e progressivo clamava por uma nova cidade, ainda que alguns sentimentos nostálgicos por Oeiras fizessem resistência. Mas outras vozes ecoavam, era a hora e a vez de uma nova capital, surgia assim Teresina, filha da necessidade de novos significados, porém, justificada pela ‘fadiga’ da velha o boa Oeiras.

Os escritos a seguir compreendem narrativas de cunho teórico e empírico que buscaram descrever e caracterizar o processo de modernização da cidade de Teresina

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enfocando elementos de sua metamorfose urbana e seus efeitos na mudança de hábitos e costumes de seus moradores. Nele buscamos ainda compreender conceitualmente as categorias História, Cidade, Urbanização e Cultura aplicadas no ‘movimento de modernização’ da capital piauiense, modernização esta igualmente ‘atravessada’ pelas concepções de ‘progresso’, ‘desenvolvimento’ e ‘crescimento urbano’. Concentradamente, estes esforços reflexivos e analíticos buscaram observar e descrever o fenômeno da Urbanização da cidade e seus efeitos sobre as práticas, os jeitos de ver, sentir e vivenciar a cidade do teresinense nas três últimas décadas do século XX.

Teresina, Concepções de Modernidade como Elemento Interconexo com a Tradição

O conjunto de transformações e mudanças que se processaram em Teresina ao longo de sua existência compreenderam ações tanto de ordem informal como formal. A informalidade das transformações da cidade compreendeu um movimento quase que ‘natural’ que lhe impôs movimento, dinâmica, vida própria desde a condição de ‘Vila’ de pescadores até se tornar capital da província. Já as transformações formais ou planejadas ocorreram buscando dar à cidade formas organizativas e funcionais, condição que inclusive fundamentou sua criação e a acompanhou por toda a sua Historicidade. Este processo se deu historicamente a partir da incorporação das concepções de ‘modernidade’, de ‘desenvolvimento’ e de ‘progresso’ – bastante vigorosas no ocidente desde o século XIX – tanto em seus gestores públicos como nos seus citadinos, processo esse travado no embate com os elementos da Tradição que pululavam na cidade. Temporalmente, foi fenômeno que acompanhou toda a história da cidade, mas que, no nosso entendimento, se intensificou nas três décadas finais do século XX, dando nova feição à cidade e empreendendo novos comportamentos nos seus moradores, preparando-os para o novo século (XXI) e novo milênio (terceiro).

Por se tratar de objeto de estudo relacionado à cidade, foi por esta categoria que iniciamos por apontar breves conceitos ou significados, instrumentos teóricos que igualmente aplicamos a outras categorias 102 que atravessaram este estudo. Nela, ao dialogar com seus múltiplos significados na interface com as transformações que a cidade sofreu nas três décadas finais do século XX, buscamos construir nossa tese, narrar as ‘memórias afetivas’ de Teresina observando nela as ‘tensões’ entre ‘tradição’ e ‘modernidade’ evidenciando sua

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‘estigma’ de ‘eterno’ processo de modernização.

Não só as cidades, mas as tentativas de conceituá-las são plurais, logo, subjetivas e mutantes de acordo com o contexto histórico observado. De acordo com Silva e Silva (2009, p. 51), “de forma geral, uma cidade é um aglomerado populacional organizado em um espaço geográfico específico, que possui administração própria e onde a maioria dos habitantes não trabalha na produção de alimentos”, a exemplo de atividades ligadas ao setor primário da economia - agricultura, pecuária e extrativismo vegetal ou mineral – onde, de forma intensiva ou extensiva, parte considerável do processo produtivo deste setor está centrada na produção de gêneros alimentícios ‘in natura’.

De forma simplificada, podemos definir e ao mesmo tempo caracterizar a ‘Cidade’ como uma área ‘densamente’ povoada onde se realizam várias atividades - residencial, comercial, industrial e de prestação de serviços - concentrando ou não as atividades secundárias e terciárias da economia em oposição ao campo ou zona rural que agrega o setor primário da economia: agricultura, pecuária e extrativismo vegetal ou mineral - ainda que no campo se preserve também o aspecto residencial.

A cidade como espaço onde existe maior concentração de habitantes, é o lugar da sede do município, sendo ele composto ou não de uma zona rural. No contexto federativo brasileiro, cada ‘Estado’ corresponde a áreas composta por um conjunto de cidades, da qual, uma delas é a sua sede política e administrativa, denominada de capital. Sendo ainda que o próprio país, também tem sua capital, situada no território denominado de Distrito Federal.

A compreensão da noção de cidade pode variar de acordo com o espaço, com a sociedade e com cada época (CARDOSO, 1996). Ainda assim, há uma unanimidade entre os historiadores que concordam que a origem das cidades foi um marco definidor na história da humanidade. Pois, a partir da organização das sociedades e depois do surgimento das cidades que “os seres humanos teriam passado de sujeitos das leis da natureza para agentes que a dominam” (SILVA; SILVA 2009, p. 52).

Na cidade, a sobrevivência humana requeria novas demandas e novas formas de organização do trabalho, elemento condicionante da manutenção da vida. Nelas, o processo de manutenção da vida passou a estar estabelecido simultaneamente na aproximação/distanciamento entre o ‘velho’ e o ‘novo’, entre o ‘ontem’ e o ‘hoje’, entre a ‘permanência’ e a ‘ruptura’, entre a ‘tradição’ e ‘modernidade’.

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conjunto amplo de modificações nas estruturas sociais do Ocidente, a partir de um processo longo de racionalização da vida”. Para Jacques Le Goff (1994), o conceito de modernidade estava estritamente vinculado ao pensamento ocidental, marcado por um processo de racionalização que se estendeu desde a economia, passando pela política até chegar à cultura.

No plano político, a racionalização deu-se quando a esfera política deixou de estar vinculada ao carisma, ao ‘Direito Divino’, ao costume, à tradição e passou a ser legitimada em fundamentos racionais, em um contrato, em regras estabelecidas pelos cidadãos. No plano cultural, aos poucos ocorreu o desencantamento do mundo: o mundo moderno passou a poder só ser entendido pela razão, sem necessitar recorrer a mitos, a lendas, ao temor, à superstição. Nela a ciência passou a gozar do status de poder explicar, com valor de verdade, toda uma compreensão de mundo, concorrendo com as explicações de bases teológicas - divinas. Outra mudança que caracterizou a modernidade foi a separação e a autonomia entre a ciência, a moral e a arte. Antes, essas esferas de valor estavam embutidas na religião.

Recorrendo a Karl Marx, Marshal Berman (2007, p. 24) afirmava que ser ‘moderno’ era antes de mais tudo, fazer parte de um universo no qual, “tudo que é sólido desmancha no ar”. Portanto, é fazer parte de um momento de incertezas no mundo dos objetos concretos. O moderno permeia o momento da implosão de tradições e do surgimento de novos movimentos, de novos ritmos sociais, da constituição de ‘novas tradições’, algumas mais consistentes e duradouras, outras, nem tanto. O que não resiste ao tempo e ao movimento da mudança tomaremos aqui como moderno (BERMAN, 2007). Às transformações que este movimento colocava ao que era moderno numa perspectiva de enquadramento da cidade ao modo de produção capitalista, atuando por meio de classes sociais hegemônicas, de forma a manter um processo de expansão e/ou desterritorialização, sobretudo na urbe, denominamos modernização. Já a compreensão e aplicação da racionalidade, técnica caracterizada pelo processo cíclico de rupturas e fragmentações internas na sociedade moderna, denominamos de modernidade. Aqui, temos que, a relação entre modernidade e modernização deve ser entendida da seguinte forma: a primeira podia e deveria ser entendida como ‘racionalidade normativa e ideológica’ e a segunda como ‘racionalidade técnica e instrumental’ assim como defendia Harvey (1993).

Em outra passagem, o mesmo Berman (2007, p. 28) expõe que:

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[...] para tentar identificar os timbres e ritmos peculiares da modernidade do século XIX, a primeira coisa que observaremos será a nova paisagem, altamente desenvolvida, diferenciada e dinâmica, na qual tem lugar a experiência moderna. Trata-se de uma paisagem de engenhos a vapor, fábricas automatizadas, ferrovias, amplas novas zonas industriais; prolíficas cidades que cresceram do dia para a noite, quase sempre com aterradoras consequências para o ser humano; jornais diários, telégrafos, telefones e outros instrumentos de mídia, que se comunicam em escala cada vez maior; Estados nacionais cada vez mais fortes e conglomerados; multinacionais de capital; movimentos sociais de massa, que lutam contra essas modernizações de cima para baixo, contando só com seus próprios meios de modernização de baixo para cima; um mercado mundial que a tudo abarca, em crescente expansão, capaz de um estarrecedor desperdício e devastação, capaz de tudo exceto solidez e estabilidade.

As novas paisagens altamente desenvolvidas, diferenciadas e dinâmicas, na qual têm lugar as ‘experiências modernas’ ao qual Berman (2007) se refere, encontra em Matos (2007) a contraposição campo/cidade. Pois, se para o primeiro a modernidade apresentava “uma paisagem de engenhos a vapor, fábricas automatizadas, ferrovias, amplas novas zonas industriais” dos quais emergiam “prolíficas cidades que cresceram do dia para a noite, quase sempre com aterradoras consequências para o ser humano”, para a segunda a emergência da modernidade, fenômeno que se generalizou no ocidente e fora dele, era concentradamente perceptível nas cidades e nas práticas sociais do citadino. Ou seja, para Matos (2007) a emergência do moderno ocorre exatamente na sobreposição e no predomínio da tradição urbana versus a tradição rural, momento em que esta última perde força e foco nas experiências modernas. Perda de força e foco este que não significou total abandono, até mesmo porque, o movimento de modernização, marca do século XX, foi igualmente estendido à zona rural sob vários aspectos, sobretudo naqueles que englobavam parte do processo produtivo naqueles espaços assentados nas concepções de produção, consumo e acúmulo, típicas do modo de produção capitalista, fenômeno predominantemente moderno.

A emergência da modernidade, concentradamente perceptíveis nas cidades e nas práticas sociais do citadino, alteraram domínios da vida e da cotidianidade do morador da

urbe, mas também daqueles que se situam no e entre o campo e a cidade103. Nela, a produção tanto ‘material’ como ‘imaterial’ “passaram a ter como destino os mercados de massa” (MATOS, 2007, p. 67).

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Um ‘Entre-lugar’ tanto na acepção de BHABHA (2003) em ‘O local da Cultura’ como em NORA (1998) em ‘Entre Memória e História: a problemática dos lugares’.

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Os elementos de ordem teórica que fortalece a compreensão de modernidade, mas também as concepções de vida moderna estão mais clarificadas se observarmos estas duas categorias centradas nas formas de organização social na ótica da sociedade capitalista. Neste aspecto, segundo Matos (2007, p. 67),

A ideia de moderno estava relacionada a estilos de vida, novas organizações de tempo-espaço, comportamentos e hábitos difundidos mais amplamente pelos meios de comunicação, também a veiculação de um modo de vida calcado em referenciais como funcionalidade, conforto, eficiência, racionalidade.

Assim, tem-se que o moderno se apresentava como uma ‘solução’ prática para alguma demanda humana cuja forma de contemplá-la, passava por uma nova forma, uma nova via, uma nova prática, uma nova ‘formula’ e um novo produto. Nestes termos, a modernidade se constituía como fenômeno humano que trazia transformações tanto materiais como culturais que possibilitava às diversas sociedades, reconhecer num campo de experiências acumuladas a projeção ou realização de novas formas e novos meios de chegar a determinadas respostas para ‘velhas’, porém, atuais, questões.

Com a modernidade, estabeleceu-se uma tendência segundo a qual

[...] uma espécie de vetor homogeneizador, que criava a impressão de que os elementos da modernidade predominavam de modo absoluto. Não que todos compulsoriamente tivessem passado a viver de acordo com esses padrões e absorvido essas perspectivas, mas as imagens desse novo ideal de vida não deixaram de ser sonhadas, desejadas e incorporadas por uns e refutadas por outros (MATOS, 2007, p. 67),

Esta perspectiva do ‘novo’ em detrimento do ‘velho’, da transformação como possibilidade à imutabilidade, encontrava na cidade e nos moradores da cidade maior penetração do que nas relações historicamente construídas e consolidadas na tradição campesina104. Merrington (1997, p. 215) apontava, em linhas gerais, elementos suficientes

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Segundo Merrington (1997), na Europa feudal, por exemplo, até a ‘baixa idade média’, as demandas materiais das questões de sobrevivência humanas, quase que na sua totalidade, eram prontamente atendidas no campo através da agricultura, da pecuária e do extrativismo. Já, as questões de ordem espiritual eram atendidas nos cultos e nos ritos religiosos que no ocidente teve no cristianismo-católico seu modelo hegemônico.

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para entendermos a cidade no contexto da modernidade diante da dinâmica capitalista. Para ele,

A cidade é o princípio dinâmico do progresso, o campo é inerte e passivo, exigindo um estímulo externo, o ‘puxão do mercado’ exercido pelas cidades como núcleos concentrados de transações de trocas e de riqueza em capital, que por sua vez constitui o poderoso fundamento para a ideologia da burguesia ascendente: a vitória do capitalismo é a vitória da civilização urbana e dos princípios da liberdade de mercado105.

Dito de outra forma, Merrington (1997, p. 215) atribuía o progresso de produtividade no campo como uma vitória do capital urbano sobre o que ele denominava de “atraso rural”, pois, "as cidades, ao invés de constituírem o efeito, foram a causa e a ocasião da melhoria e refinamento do campo”.

A modernidade não implicou e nem implicava a construção de padronização ou hegemonização total entorno do novo, de estilos de vida, fosse em seus aspectos materiais ou culturais. A modernidade implicava desde o século XIX, a conflituosa e também harmônica convivência e manutenção de experiências residuais diante de criações emergentes, sem conflitar relações reguladoras com vistas à substituição de padrões já consolidados. A modernidade convivia e aceitava perfeitamente a tradição, desde que esta não se apresentasse como superada dentro de padrões racionais, científicos, academicamente aceitos, ainda que estes viessem a ser superados (a posteriori). Este era, aliás, o signo do moderno - a capacidade de perceber a superação de rotinas quando estas não respondiam mais às demandas espaço- temporais históricas e socialmente construídas (MATOS, 2007).Com o advento da urbe, as demandas materiais das questões de sobrevivência humana, assim como as demandas espirituais, não puderam mais ser atendidas a partir da cultura e da tradição campesina, ainda que não a dispensasse em nenhum momento. A urbe apresentava peculiaridades e particularidades próprias, entre elas a emergência de novas formas de pensar e agir com vistas a fomentar respostas às questões materiais vitais para a sobrevivência humana. Nela, as demandas por bens, produtos e serviços, não eram mais prontamente atendidas no escambo, na troca ou na permuta. Na cidade, evidenciou-se uma mercadoria capaz de se equiparar e ser trocada ou negociada por qualquer outra mercadoria: a moeda. Em

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Para maior compreensão da relação urbano e rural na baixa Idade Media ver: MERRINGTON, Jonh. A cidade e o campo na transição para o capitalismo. In: SWEEZY, Paul; DOOB, Maurice, et al. A Transição do

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contrapartida, embora sem negar os valores da ótica capitalista, a tradição campesina estava mais em contato com a natureza e nela ‘contemplava’ boa parte de suas demandas e necessidades.

Foi neste embate entre a ‘tradição rural’ e a emergência e consolidação da ‘tradição urbana’ que o advento da modernidade se legitimou e se situou sem negar e sem se sobrepor à primeira, apenas colocando-se como campo de possibilidades que encontrava respaldo na racionalidade técnica, no pragmatismo, na ‘crença’ num ‘estilo’ de vida consumista. Nela consolidou-se uma cultura e tradição, fundamentados em referenciais como a funcionalidade, o conforto, a eficiência, a racionalidade, o conhecimento técnico e o acúmulo.

Nesse campo de possibilidades, Matos (2007, p. 69), afirmava que na ‘trama urbana’ estabelecia-se “oposições entre solidariedades e conflitos, aumento de mobilidade e desejos de enraizamento, planificação-ordenamento e criação-identidade, num fluxo continuo de tensões”. Isto não implicava que o moderno se estabelecia exatamente no conflito e no choque de interesses entre a tradição ruralesca e a emergente cultura urbana, entre campo e cidade, mas exatamente nos aspectos que davam identidades a cada um destes espaços e a cada uma destas culturas, sendo que o moderno era ‘contaminado’, tomado, pelo novo, diferentemente do Tradicional que se apega no que estava enraizado na tradição, insistindo nesse paradigma fixado (numa dada sociedade/cultura) como capaz de oferecer respostas pertinentes e ainda válidas.

Era importante observar que a urbe, por si só, não era eminentemente o lugar do eternamente moderno, nela, o novo, a transformação ou a mudança consolidava-se em ‘modelos’ aceitos e válidos se transformando em tradição ou simplesmente alguns desses ‘modelos’ envelheciam e se ‘esvaiam’ diante do novo. O mesmo se aplicava ao campo, que por si só não podia e não devia ser visto como lugar do velho, da tradição e do atraso. O campo impunha fluxos que modernizava a cidade e vice-versa.

Colocamos a urbe como lócus hegemônico do moderno pela complexidade e pelo conjunto de desdobramentos novos apontados a cada instante na busca de atender as necessidades constituídas nesse espaço. Igualmente, era na cidade que se concentravam predominantemente e hegemonicamente formas modernas e sistematizadas de racionalizar respostas para as demandas cada vez mais complexas do citadino, fosse para e na própria

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Foi neste movimento campo-cidade, rural-urbano, que as cidades brasileiras, sobretudo as de médio e grande porte, se constituíram como campo de possibilidades e sobrevivência para contingentes populacionais cada vez mais numerosos, cada vez mais diferentes e sedentos por novas oportunidades. Neste aspecto, o advento da urbe como espaço do moderno, do progresso, do desenvolvimento, embora já ocorresse desde o século XIX, se intensificou no Brasil durante o século XX, notadamente na sua segunda metade.

Teresina não fugiu a esta condição e teve sua história, cultura e tradição, drasticamente alteradas ao também ‘acompanhar’, não por escolha própria, o movimento campo-cidade, rural-urbano, sem negar nem sem apagar a força e os valores da tradição agrária do país. Esta tradição agrária, somados a valores urbanos contingenciados pelas experiências de capital política, econômica e cultural do Piauí desde 1852, fez a cidade experimentar vivencias envoltas de contradições (e desigualdades sociais). Nela viveram e conviveram ao longo de sua existência gerações de estabelecidos e de outsiders106, de migrantes e imigrantes. Nela se

desenvolveram historicamente relações de poder a partir das várias ‘microcidades’ nela existentes107. Nela coadunavam-se forças das várias comunidades, guetos, colônias de

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Para melhor compreender as complexas e polissêmicas relações existentes entre diferentes grupos sociais existentes na cidade, assim como para compreender a lógica da configuração e das relações sociais de interdependência que se verificam na urbe (violência, discriminação, exclusão social, lazer, trabalho) ver: ELIAS, Norbert; SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.Nessa obra, os autores observam a dinâmica de uma cidade (Winston Parva) analisando-a a partir de sua subdivisão em três zonas, três bairros distintos: na zona “A”, habitavam as pessoas mais privilegiadas economicamente, cuja ascensão social permitiu que elas se mudassem para a área de classe média da cidade, deixando, assim, a zona “B”; nas zonas “B” e “C” residiam os operários das fábricas locais. Entretanto, por detrás da aparente semelhança existente entre os residentes dessas duas últimas áreas da cidade, profundas disparidades foram

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