• Nenhum resultado encontrado

Capítulo II Dinâmica socio-histórica dos conflitos por terras na Colômbia

2.2 Terra e conflito armado interno no século XX

A relação entre terra e conflito define a Colômbia no século XX como um país formado por “países distintos”, isto é, “muitos centros, muitas periferias”, nas quais controlar terras é “disputar poder político”. Como tema ínsito à paz, a terra permite acessar canais estratégicos de tomada de decisão política e econômica, que afeta a sociedade da forma mais ampla possível (TORRIJOS, 2015, p. 278).

A maneira como “os problemas agrários são colocados foi transformada em quase todos os lugares pela expansão do conflito armado” (PECÁUT, 2015, p. 06). E o conflito colombiano também se orientou pelas mais diversas formas de ocupação e apropriação privada de terras, pela

[...] acción de terratenientes y agroexportadores, en particular, interesados en el control de la tierra y de los trabajadores [...] y otras fuerzas políticas interesadas en afianzar sectores de medianos propietarios rurales, como soporte para la formación del mercado nacional” (FAJARDO, 2015a, p. 03).

Dentro das disputas por terra e poder, o século XX marcou um período de rupturas bruscas na Colômbia e, ao mesmo tempo, a continuidade da dominação e funcionamento institucional (PECÁUT, 2015). As reivindicações por terra foram se tornando pautas conexas à industrialização, à ampliação do mercado interno colombiano e, em última análise, à própria paz, emergindo pela primeira vez como “um problema nacional” (MACHADO, 2009, p. 165). Embora o apelo à violência não seja uma novidade, o assassinato de Jorge Eliecer Gaitán23 (1898-1948)) e o fenômeno de “La Violencia” dividiram o imaginário popular em um antes e um depois, erigindo a violência a uma forma frequente de “contenção e destruição (incluindo extermínio físico)” das expressões “políticas, reivindicativas e organizacionais do campo popular (ÁLVAREZ, 2015, p. 05).

Nos anos 1920 e 1930, a instabilidade política foi agravada por desequilíbrios econômicos, como “o ingresso massivo de inversões norte-americanas” (FAJARDO, 2015a, p. 04). As lutas agrárias acumularam importantes debates e avanços, com apoio de grupos de esquerda como a Unión Nacional Izquierdista Revolucionaria (UNIR), o Partido Comunista de Colombia (PCC) e o Partido Agrario Nacional (PAN). Com seus suportes, a massa de trabalhadores se organizava contra a superexploração24 e precarização das condições de vida dos trabalhadores rurais, camponeses e arrendatários, abrindo uma “fase aguda de mobilização e conflitos” (MACHADO, 2009, p. 174).

A eclosão de movimentos nos anos 1920 e 1930 foi a culminância de crescentes mobilizações, que já se anunciavam em anos anteriores. Por exemplo, em 1903, indígenas – no que ficou conhecido como o caso de “la Casa Arana” – fizeram um levante contra a empresa peruana exportadora de borracha na região do rio Putumayo. Ao mesmo tempo, ocorriam greves de trabalhadores portuários de Santa Marta, Barranquilla e Cartagena, assim como de ferroviários da Cundinamarca (SALDANHA, 2015). Em 1910, o indígena Quintín Lame (1880-1967), do Cauca, demandou proteção legal às terras de seu povo, gerando forte repressão estatal25. Em 1917, indígenas impuseram lutas sociais no rio Igará-Paraná e, embora fossem duramente reprimidos, voltaram a se revoltar em Cauca, Tolima e Córdoba, reivindicando terra e direitos. (FAJARDO, 2015a; 2015b; TOSTA, 2015).

23Jorge Eliecer Gaitán (23 de janeiro de 1898 - 9 de abril de 1948) era candidato pelo Partido Liberal à Presidência da

República para o periodo 1950-1954, com altas probabilidades de ser eleito nas eleições de 1949 devido a seu grande apoio popular. Seu assassinato em Bogotá provocou enormes protestos como “El Bogotazo”, e posteriormente, “La Violencia” se entendeu em boa parte do país (MACHADO, 2009).

24Considera-se que todos os trabalhadores sob o capital são explorados, pois parte do que produzem é apropriado pelo

capitalista. Assim, a superexploração do trabalho é uma combinação da mais-valia absoluta com a mais-valia relativa por meio da intensificação na exploração da mão-de-obra (LEVIEN, 2015).

25A inspiração chegou aos anos 1970, com o grupo “Campesino Indígena Quintín Lame” e o “Movimiento Armado Quintín

Lame” (guerrilha formada por indígenas do Valle del Cauca, Huila e Tolima, Meta e Caquetá que lutavam por territórios originários).

As tensões geradas no início de século XX foram se somando irresolutas a novos conflitos das décadas seguintes, de tal forma que “as lutas pela apropriação de terras têm sido constantes”, renovando a lógica histórica na qual os grandes proprietários avançam sobre terras estatais, reservas indígenas e comunidades camponesas (PECÁUT, 2015, p. 03 e 04). As mobilizações vocalizavam “o inconformismo por parte dos camponeses, que se sentiam violados ao serem despejados de seus lotes pelos proprietários de terras e que sentiam a necessidade de reivindicar seu direito de propriedade frente às terras que haviam cultivado e habitado por longos anos” (BONELO, 2016, p. 23).

Las expresiones más críticas fueron las huelgas en la Tropical Oíl Company en 1924 y 1927 y en la United Fruit Company en 1929, las cuales fueron duramente reprimidas, así como las luchas de colonos y campesinos por los baldíos y de los indígenas contra la usurpación de sus tierras. Las numerosas expresiones de oposición de estos trabajadores del campo contra la reducción sistemática de sus espacios de vida alcanzaron muy contadas victorias; no obstante, con el correr de los años ayudaron a fraguar una cultura de resistencia que habría de enfrentar nuevos embates. El derrumbe de esta etapa de prosperidad, ocurrido en el marco de la crisis de 1929, estuvo entonces acompañado por intensas movilizaciones sociales, todo lo cual condujo al agotamiento de la hegemonía conservadora (FAJARDO, 2015a, p. 13 e 14).

Em confluência com as transformações sociais, a Unión Nacional de Izquierda Revolucionaria (UNIR) foi fundada em 1933 por Jorge Eliécer Gaitán (1898-1948). Além de defender a agenda de setores populares, a UNIR apoiou “a luta por terras empreendida por colonos e arrendatários”, especialmente na região de Sumapaz. Foi uma força política que “disseminou amplamente os direitos contemplados na legislação agrária, denunciou os abusos cometidos contra os camponeses pelas autoridades em cumplicidade com os proprietários de terras, prestou assessoria jurídica para demonstrar a ilegalidade dos títulos” (BONELO, 2016, p. 20). Assim, “se planteó la vía campesina como una alternativa al desarrollo nacional” (PALACIOS, 2011, p. 99).

En los años 1920 a 1930 y desde la perspectiva del desarrollo capitalista de la sociedad colombiana se confrontan dos proyectos de sociedad: uno, afianzado en la valoración de la propiedad de la tierra y confrontado con la propuesta de construcción de una economía nacional apoyada en desarrollos industriales y en una sólida clase media rural. Este último proyecto, comenzó a manifestarse con nitidez a mediados de los años 1920 a través de dirigentes y pensadores de los dos partidos como fueron Carlos E. Restrepo y Alejandro López y tomaría fuerza en los años siguientes para dar sustancia a los gobiernos liberales, alcanzando su cenit entre 1932 y 1936 en los debates sobre las propuestas en torno a la que sería la Ley 200 de 1936. De allí en

adelante se inicia su declive, con procesos que condujeron al debilitamiento de la orientación renovadora, expresando el juego de las fuerzas políticas: lo manifestaron la “pausa” del gobierno del presidente Eduardo Santos, el intento de golpe militar contra el Presidente López durante su segundo mandato y la expedición de la Ley 100 de 1944, la cual recuperó formas arcaicas de trabajo en las haciendas (FAJARDO, 2015a, p. 04 e 05).

Entre 1930 e 1946 vigorou a República Liberal, cujos presidentes foram Enrique Olaya Herrera (1930-1934), Alfonso López Pumarejo (1934-1938), Eduardo Santos (1938- 1942), Alfonso López Pumarejo (1942-1945) e Alberto Lleras Camargo (1945-1946). A República Liberal contou, inicialmente, com relativo apoio de setores progressistas formados por intelectuais e partidos de esquerda, estudantes, camponeses, indígenas, negros, etc. Apoio recebido especialmente com a chegada à presidência em 1934, de Alfonso Lopez Pumarejo, com o slogan “Revolução em Marcha” e a aprovação de medidas como a laicicidade da Constituição, o sufrágio universal masculino e as reformas educacionais (PECÁUT, 2015).

Olaya Herrera (1930-1934) e López Pumarejo (1934-1938) promoveram reformas voltadas aos clamores de trabalhadores rurais, camponeses e indígenas, ainda que os problemas sociais não fossem resolvidos (MACHADO, 1986, p. 45).

O Governo Olaya (1930-1934) promulgou leis que concediam garantias e reconhecimento a setores marginalizados ou excluídos pela hegemonia conservadora, como a classe trabalhadora de camponeses e indígenas. Em 1931, ele emitiu a Lei 83, que legislava sobre a existência de sindicatos e regulamentou férias pagas, a eliminação do sistema de subcontratação e a adoção da jornada de oito horas de trabalho, conforme acordo da Organização Internacional do Trabalho (ARCHILA, 1980; 1992; 2003).

Em 1936, o presidente Lopez Pumarejo (1934-1938) promulgou a lei 200, considerada a primeira lei de reforma agrária do século XX, marcando “uma mudança notável no tratamento do problema agrário e a renovação da legislação agrária que estava sendo construída desde a colônia” (MACHADO, 2009, p. 136). A lei 200, de 1936, buscava “solucionar el problema de la tierra y además incorporar las ideas propuestas por Gaitán sobre la responsabilidad social del terrateniente”. Reconheceu a função social da propriedade e retroalimentou as “constantes lutas sociais de camponeses e trabalhadores que buscavam reivindicar e exigir direitos” (BONELO, 2016, p. 23 e 25). Permitiu avançar no reconhecimento do direito de greve, de intervenção na indústria e de sindicalização em massa (MACHADO, 1986) e até mesmo favoreceu a divisão de áreas de cultivo de café, diminuindo momentaneamente os conflitos (PECÁUT, 2015).

Mas, se para os moderados do Partido Liberal as medidas pareciam razoáveis, as alas mais conservadoras as consideravam extremas, obtendo revogações estratégicas. A política agrária de López Pumarejo foi sendo reduzida a um meio termo, baseado em reformas modernizadoras que não modificavam estruturas políticas (MACHADO, 1986), nem ultrapassavam os limites da intervenção estatal. Enfraquecido, em 1937, o governo “renunciou às reformas da estrutura agrária” (GREEN, 2013, p. 162).

A Lei 200 de 1936 acabou por beneficiar os latifundiários, pois ao proibir as antigas formas de relações sociais nas propriedades, como o arrendamento (em trabalho ou em espécie) e a parceria, “acabou por facilitar a expropriação de camponeses ligados à terra” (SILVA, 2016, p. 88). Serviu muito mais à conformação de uma classe assalariada no campo, a quem os latifundiários compravam as benfeitorias ou, simplesmente, faziam uso de vias jurídicas para tomá-las (MELO, 2015, p. 02).

Apresentada com viés popular – democratizar as terras via reforma agrária – a Lei 200 foi “uma tentativa de promover o avanço do capitalismo no campo pelas políticas de Estado”, com medidas como a abertura da fronteira agrícola, o aumento da produtividade da terra via concessão de crédito rural e a modernização de “relações de trabalho atrasadas” (SILVA, 2016, p. 87 e 88). Assim, “deixou a burguesia e os proprietários de terras satisfeitos, sem produzir mudanças estruturais no agro” (BONELO, 2016, p. 25), até ser substituída pela Lei 100 de 1944, formulada e aprovada pelos conservadores e membros da Sociedad Agricultores de Colombia (SAC).

En adelante la historia del país pasó del declive de las reformas liberales a un régimen más regresivo en el cual gradualmente se generalizaron las masacres, en particular contra los gaitanistas que denunciara Jorge Eliécer Gaitán, la cuales tomaron incluso su vida y abrieron la vía a la guerra civil. En ella habría de tomar curso el afianzamiento de um modelo agrario afincado en la gran propiedad, luego estimulado por el ingreso de los recursos provenientes del narcotráfico, pasa por el propósito de impulsar el mercado de tierras como mecanismo de regulación para la distribución de la tierra, sin efecto alguno en ese sentido y llega hasta la propuesta actual de una política de baldíos en la cual se deja de lado la dotación de tierras para campesinos y se orienta hacia el favorecimiento de grandes inversiones parta el desarrollo de empresas agrícolas, iniciativa que creó, mediante la ley 1133 de 2007 el programa Agro Ingreso Seguro (FAJARDO, 2015a, p. 05).

Nos anos 1940, a combinação da força estatal com os interesses privados produziu uma expropriação massiva de indígenas, camponeses e negros “radicalizada por um quarto de século”, o que significou o “arrebatamento” das terras (cerca de 6 milhões de hectares), rios e

florestas “para as mãos de empresários capitalistas, narco-paramilitares e multinacionais” (CANTOR, 2012, p. 01).

Além da expropriação e expulsão, o dilema da formalização jurídica das terras nunca fora superado. Os registros não existiam em todos os departamentos e em muitos lugares eram (e assim permanecem) duvidosos, permitindo a ratificação de apropriações ilegais por grandes proprietários. As manobras jurídicas e notariais serviram para legitimar a violência, restringindo o acesso à terra por parte de camponeses, indígenas e negros (PALACIOS, 2012a; 2012b). Estas populações foram expostas a “uma dupla condição de rebaixamento: uma pobreza muito mais pronunciada que a da população urbana e uma cidadania incerta” (PECÁUT, 2015, p. 04 e 05).

Nos anos 1930 e 1940, já se registravam massacres entre liberais e conservadores, constituindo a “antessala de La Violencia”, caracterizada de forma reducionista como uma guerra civil fratricida. Em realidade, “si se consideran sus trasfondos, fue una guerra social impuesta por las clases dominantes” (ALVARÉZ, 2015, p. 26). Entre 1940 e 1950, as tensões assumiram a face da radicalização política entre os Partidos Liberal e Conservador, projetando de forma ampliada os problemas do agro colombiano, das crises econômicas e da exclusão social, os quais convergiram e foram acirrados, desencadeando o fenômeno de “La Violencia” (MACHADO, 1986).

“La Violencia” desempenhou um papel reordenador das relações sociais na Colômbia. Ativou mecanismos de “disciplinamento e controle social, desestruturou lutas e formas de resistência, embora se constituíra como desencadeadora de outras, dentro das quais se encontra a resistência e a luta armada” (ÁLVAREZ, 2015, p. 09). A onda de saques, assassinatos e destruição descortinou o confronto entre projetos de sociedades distintas e associadas ao conflito (PALACIOS, 2012a), nos quais “están involucrados profundas divergencias en torno al acceso y el aprovechamiento de la tierra” (FAJARDO, 2015a, p. 03). Após 1946, a maior parte da violência implementada pelo Estado e pelos grandes proprietários de terra se dirigiu contra pessoas e organizações agrárias, como a Confederação Camponesa e Indígena. Nos territórios invadidos foram impostas políticas do setor patronal, baseadas em cultivos comerciais de grande escala, como a cana-de-açúcar e o algodão (MEERTENS, 2000). As ondas de violência, entre 1951 e 1964, levaram mais de dois milhões de pessoas a migrar em massa para as cidades, alterando a dinâmica da produção agrícola e barateando a força de trabalho para o setor urbano de indústria e serviços (HOFFMANN, 2016).

Sin duda, ésta [La Violencia] se puede interpretar parcialmente a partir de dos contextos evocados anteriormente: las estructuras agrarias que favorecen la irrupción de enfrentamientos crónicos y el modelo político y económico fundado sobre las pasiones partidistas y el mantenimiento de las desigualdades. Sin embargo la violência introduce una ruptura mayor. Con frecuencia se hace de los fenómenos de violência colombianos una trama continua que parte de las guerras civiles del siglo XIX y de la Guerra de los Mil días, engloba los conflictos agrarios de los años 1920-1930, y conduce al episodio de la Violencia. Con justo título los historiadores han subrayado las enormes diferencias: las guerras civiles ponen en juego sobre todo fuerzas dirigidas por miembros de las élites, los conflictos agrarios sólo tuvieron un número limitado de muertos, las pasiones partidistas no impidieron que Colombia conociera después de 1903 varias décadas de relativa paz. La "Violencia" significa una ruptura. Los 200,000 muertos que le son atribuidos son por sí mismos una expresión de su magnitud, pero lo son aún más las atrocidades y los desplazamientos forzados de los que se acompanha (PECÁUT, 2015, p. 11).

A eclosão de “La Violencia” minou o reformismo liberal dos anos de 1930 e exacerbou de vez a oposição dos setores mais conservadores, servindo para justificar e “banalizar” respostas violentas dos grandes proprietários rurais (ÁLVAREZ, 2015, p. 07 e 26):

[...] los efectos de la violencia en la agricultura, en resumen, condujeron a acelerar la diferenciación social en la economía campesina, a conformar una capa de violentos kulaks, a abaratar la tierra, a proveer de mano de obra abundante e módica a la agricultura comercial, a rebajar los salarios de la industria y a intensificar la migración hacia las ciudades y hacia nuevas zonas de colonización, favoreciendo, en fin, la acumulación de capital y endureciendo las condiciones de vida de millones de colombianos (KALMANOVITZ,1997b, p. 397 )

O cenário agravou-se com a vitória do candidato conservador, Laureano Eleuterio Gómez Castro (1950-1951) cujo partido propôs, em 1953, uma nova Constituição inspirada na ditadura espanhola de Francisco Franco (1936-1975). Vale lembrar que, conhecido como “Generalíssimo”, Francisco Franco integrou o golpe de Estado na Espanha em julho de 1936 contra o governo da Segunda República, desencadeando a Guerra Civil Espanhola (PALACIOS, 2012a; 2012b).

Contudo, parte dos liberais e conservadores se opuseram a esse projeto e uma junta militar tomou o governo. Com a instauração da ditadura militar, o General Gustavo Rojas Pinilla (1953-1957) atacou os movimentos camponeses e indígenas dos Llanos usando armas, decretos e anistia. Os massacres deram lugar a conexões políticas entre partidos e grandes

proprietários de terras, levando ao arranjo entre liberais e conservadores (PALACIOS, 2012a; 2012b; CANTOR, 2012).

Os arranjos levaram à “Frente Nacional” (1958-1974), que alternou mandatos liberais e conservadores. Através de um bloco de poder relativamente estável, selou-se “a derrota infringida pelo poder latifundista contra o campesino”, combinando modelos capitalistas e interesses de grandes latifundiários (ÁLVAREZ, 2015, p. 26). O arranjo reafirmou a natureza essencialmente violenta da expropriação e concentração de terras, mas também forjou novos sujeitos sociais. O conflito já se arrastava por décadas e tinha como um dos seus ingredientes “a maior mobilização armada de camponeses na história recente do hemisfério ocidental, com a possível exceção de determinados períodos da revolução mexicana” (HOBSBAWM, 2000, p. 226).

Somando-se o conflito ao contexto da Guerra Fria26, o governo norte-americano desenhou a “Alianza para el Progreso” (VILLA, 1966), combinando a promoção do desenvolvimento capitalista com a doutrina da contrainsurgência (PEREIRA e FAJARDO, 2015). A Alianza propunha mecanismos para acelerar o desenvolvimento econômico e social da América Latina, ao mesmo tempo que visava frear o avanço do socialismo e combater a Revolução Cubana (VILLA, 1966). Nesse contexto, o governo colombiano iniciou uma reforma agrária preventiva e “marginal”, que manteve restrições à participação política e sindical, assim como a proteção fiscal e comercial em favor de indústrias e latifúndios (GARCÍA, 1973). Com apoio dos Estados Unidos, foi aprovada a Lei 135 de 1961, representante das “reformas agrárias marginais” (FAJARDO, 2006), chamada de “Reforma Social Agrária”, com a qual nasce o Instituto Colombiano da Reforma Agrária – INCORA27 (CHASQUI, 2015, p. 94).

A lei 135 de 1961 foi uma retomada dos aspectos essenciais da “Ley de Tierras” (Lei 200 de 1936), elaborada durante a primeira legislatura do liberal Alfonso López Pumarejo (1934-1938). Ou seja, retornou como “uma tentativa de promover o avanço do capitalismo no campo pelas políticas de Estado”, as quais embora apresentadas com viés popular – democratizar as terras via reforma agrária – “em última instância, buscavam abolir as atrasadas relações de produção no campo”. Nesse sentido, “mais do que realizar a reforma

26Período compreendido entre 1945 a 1991, de disputas estratégicas e conflitos indiretos entre os Estados Unidos e a União

Soviética, de ordem política, militar, tecnológica, econômica, social e ideológica entre as duas nações e suas zonas de influência (MACHADO, 2009).

27Na atualidade o Instituto Colombiano da Reforma Agrária- INCORA não existe. O decreto 1300 de 2003 o substituiu pelo

Instituto Colombiano de Desenvolvimento Rural – INCODER e suspendeu entidades como o Instituto Nacional de adequação de Terras (INAT), o Fundo de Cofinanciamento para a Inversão Rural (DRI) e o Instituto Nacional de Pesca e Aquicultura (INPA). O INCODER é vinculado ao Ministério de Agricultura e Desenvolvimento Rural, encarregado de executar e coordenar políticas de desenvolvimento rural estabelecidas pelo governo nacional (CHASQUI, 2015).

agrária, ela serviria, por meio das decisões jurídicas nela presentes, para abrir espaço para o desenvolvimento do capitalismo” no campo colombiano a partir da abolição de imensas propriedades territoriais que dificultavam a mobilidade da terra, da abertura da fronteira agrícola, do aumento da produtividade da terra via concessão de crédito rural e da modernização de “relações de trabalho atrasadas” (SILVA, 2016, p. 87 e 88):

Si la Ley de 1961 se mira desde una perspectiva histórica se puede comprender perfectamente que no es más que la realización de la legislación de este período, pues nuevamente se legisla sobre: a) derechos de colonización y reversión de baldíos sin explotar al Estado; b) extinción de aparcería y pequeño arriendo y; c) utilización adecuada de la tierra, o sea, relación más estrecha entre propiedad y producción (KALMANOVITZ, 1974, p. 84).

No governo de Guillermo León Valencia (1962-1966) foram atacadas terras e organizações de camponeses e indígenas de Marquetalia, Sumapaz, El Pato e Riochiquito (SALDANHA, 2015). As instabilidades políticas nacionais também foram resultado de pressão externa, como a “centralidade absoluta dos Estados Unidos na definição das linhas políticas adotadas pela elite do poder na Colômbia”. Isto se manteve posteriormente “do anti- comunismo da Guerra Fria à guerra às drogas e à guerra global ao terrorismo” (CANTOR, 2015, p. 02). O governo de Carlos Lleras Restrepo (1966-1970) buscou “la incorporación controlada del campesinado” com a criação da Asociación Nacional de Usuarios Campesinos (1967) e, em 1974, no governo de Misael Eduardo Pastrana Borrero (1970-1974), o “Acuerdo de Chicoral” (Pacto de Chicoral).

O Pacto de Chicoral (1974) consistiu em um programa de titulação de terras públicas (baldíos) em regiões remotas, como alternativa à reforma agrária. Em lugar de uma redistribuição de terras, o Estado alocou camponeses sem terras nos bosques úmidos da Amazônia, ao litoral do Pacífico28, à região fronteiriça do Darién (Tapón del Darién) e de Arauca, com o chamariz dos “proyectos de colonización”, que foram abandonados à própria