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O Sionismo93, movimento político que defende a volta dos judeus

para a “terra prometida”, ganhou forma em 1895, 18 anos antes do nascimento de Hanna. Naquele ano, o jornalista judeu húngaro Theodor Herzl publicou o livro O Estado Judeu, defendendo a criação de um Estado, principalmente por causa do aumento do sentimento antissemita na Europa. Dois anos depois, foi realizado o primeiro Congresso Sionista, na Suíça, em que os rabinos decidiram enviar dois representantes à Palestina, que pertencia ao Império Otomano e era habitada majoritariamente por árabes. “Era uma missão exploratória para verificar a viabilidade das decisões daquele Congresso, que havia aprovado a criação de um 'lar nacional' na Palestina para o povo judeu”94. Ou seja, a missão iria verificar se era possível a construção de

um Estado judeu no mesmo local em que os hebreus viveram na antiguidade, antes de serem expulsos pelos babilônios, depois pelos romanos e dispersos pelo mundo.95 Alguns meses depois, os enviados

mandaram um telegrama para Viena: “a noiva é bela, mas está casada 91 Hanna também recebeu, posteriormente, uma bolsa para estudar alguns meses na

Sorbonne, em Paris.

92 O termo antissemitismo significa, literalmente, preconceito e/ou rejeição quanto aos semitas (povos falantes de línguas semíticas como árabe e o hebraico), mas historicamente antissemitismo tem aplicação restrita aos judeus e ao judaísmo. O termo foi usado pela primeira vez, em 1879, pelo jornalista alemão Wilhelm Marr. Porém, a existência de um ódio específico contra os judeus antecede a era moderna e a criação do próprio termo antissemitismo. “Entre suas manifestações mais comuns e destrutivas, estão os pogroms, palavra russa que descreve os grandes ataques de violência contra os israelitas, muitas vezes apoiados por autoridades governamentais”. United States Holocaust Memorial Museum. Antissemitismo. Holocaust Encyclopedia. Disponível em: http://www.ushmm.org/wlc/ptbr/article.php?ModuleId=10005175. Acesso em: 20 de julho de 2010.

93 O termo deriva de Sion, uma colina de Jerusalém, e foi usado pela primeira vez em 1890. MASSAULIÉ, François. I conflitti del Medio Oriente. Florença: Giunti, 2001. p. 47. 94 CAMARGO, Cláudio. Guerras árabe-israelenses. In: MAGNOLI, Demétrio (org.).

História das guerras. São Paulo: Contexto, 2006. p. 427.

com outro homem”96, uma referência à população árabe que habitava a

região. Ainda assim, o slogan do movimento sionista permaneceu intocável: “uma terra sem povo para um povo sem terra”.

A primeira grande vitória diplomática dos sionistas veio em 1917, em meio à Primeira Grande Guerra, com a Declaração de Balfour, em que o ministro do Exterior britânico Arthur James Balfour expressava apoio ao projeto sionista. Na época, a população de judeus na Palestina era de aproximadamente 56 mil pessoas, contra uma população árabe nativa de 644 mil97. Os sionistas pensavam que os

benefícios econômicos trazidos com a emigração de judeus diminuiriam a resistência árabe. “Mas a Grã-Bretanha estava em plena guerra contra o Império Otomano e, como precisava do apoio das populações árabes que habitavam aqueles territórios controlados pelos turcos, prometeu- lhes também mundos e fundos”98.

Com o fim da guerra, e consequente desmantelamento do Império Otomano, foi criado o sistema de mandatos, na Conferência de Paz em Paris em 1919, definindo que as áreas do antigo domínio turco deveriam ser administradas pelas potências aliadas vencedoras (França e Grã- Bretanha), para que, no futuro, esses territórios pudessem virar Estados- Nação, de acordo com os moldes ocidentais.

Assim, em 1920, foram criados os mandatos britânicos sobre a Mesopotâmia (Iraque), Transjordânia (futura Jordânia) e Palestina. Já os franceses ficaram com os territórios da Síria e do Líbano. Em 1922, a Liga das Nações (antecessora da ONU) aprovou o sistema de mandatos, incluindo os termos da Declaração de Balfour que previa a construção de um “lar judaico” na Palestina99.

E, claro, isso provocou o ressentimento dos árabes. Afinal, de um elemento da política externa da Grã-Bretanha, o mandato britânico sobre a Palestina fez do patrocínio ao projeto sionista uma política oficial da Liga das Nações. E a Grã- Bretanha, em vez de impulsionar a independência da Palestina, passou a preocupar-se com a colonização judaica. Na verdade, (...) a Inglaterra 96 DEUTSCHER, Isaac apud CAMARGO, Cláudio. In: MAGNOLI, Demétrio (org.)., Op.

cit., p. 427.

97 CAMARGO, Cláudio. Guerras árabe-israelenses. In: MAGNOLI, Demétrio (org.). Op. cit., 2006, p. 429.

98 Idem. 99 Idem.

pretendia manter seu controle sobre a Palestina, uma região estratégica situada próxima ao Iraque, onde os ingleses tinham expectativa de encontrar petróleo – o que somente ocorreria em 1927100.

Foi iniciada, dessa forma, uma grande emigração de judeus da Europa para a Palestina, impulsionada pela crise mundial provocada pela quebra da bolsa de Nova York em 1929. A medida que os judeus chegavam, a revolta árabe intensificava-se, principalmente a partir de 1936. O conflito atingia árabes e judeus e os britânicos não conseguiam controlar a situação.101 Em 1937, uma comissão liderada por Lorde Peel

concluiu que o nacionalismo judaico era tão forte quanto o nacionalismo árabe. Por isso, propôs a divisão da Palestina em dois Estados, um judeu e um árabe. O plano foi rejeitado pelos dois lados e, em 1939, a Grã- Bretanha abandonou a idéia do “lar judaico” e publicou o livro “Branco”, defendendo o fim da emigração de judeus para a Palestina e a criação de um Estado binacional102. Os ingleses tinham segundas

intenções: precisavam do apoio árabe para derrotar a Alemanha nazista. Com o final da Segunda Guerra Mundial, com as notícias sobre o Holocausto sendo divulgadas em todo o mundo, com a “descoberta” da extensão do desastre, a reivindicação sionista ganhou ainda mais força. Em fevereiro de 1947, a Grã-Bretanha, incapaz de dominar a situação, solicitou que a recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU) tomasse conta da Questão Palestina. Constituiu-se uma comissão (UNSCOP) que elaborou dois planos, um deles aprovado pela Assembléia da ONU em 29 de novembro de 1947: a criação de dois Estados, um árabe e outro judeu, com Jerusalém como uma entidade separada103. Mil e novecentos anos após o desaparecimento de uma

estrutura estatal hebraica na Terra Santa, a comunidade internacional reconhecia o direito dos judeus de construírem ali um estado judaico104.

O grande impulso do movimento sionista, desde o seu inicio, foi 100 CAMARGO, Cláudio. Guerras árabe-israelenses. In: MAGNOLI, Demétrio (org.). Op.

cit., 2006, p. 429.

101 KLEIN, Claude. Israele, Lo Stato degli Ebrei. Florença: Giunti Gruppo Editoriale, 2000. p. 16.

102 CAMARGO, Cláudio. Guerras árabe-israelenses. In: MAGNOLI, Demétrio (org.).

História das guerras. São Paulo: Contexto, 2006. p. 430.

103 KLEIN, Claude. Op. cit, 2000, p. 20.

104 VIDAL, Dominique. Il peccato originale di Israele: L'espulsione dei Palestinesi rivisitata

dai “nuovi storici” israeliani. San Domenico di Fiesole: Edizioni cultura della pace, 1999.

o antissemitismo. Porém, Zygmunt Bauman alerta que “o argumento de que a violência antijudaica em geral e particularmente o caso específico do Holocausto se explicam como uma 'culminação dos sentimentos antijudaicos', 'um antissemitismo mais intenso' ou a 'erupção do ressentimento popular contra os judeus' é frágil e tem pouca base na história ou em evidências atuais”105. Para ele, o antissemitismo não

oferece explicação do Holocausto106.

Shulamit Volkov, professora de História Moderna Européia na Universidade de Tel Aviv, argumenta que a historiografia do Holocausto é um campo de contestação e de olhares que competem entre si107. “O

antissemitismo nazista não pode mais ser tratado como apenas uma causa para os eventos, uma motivação onipresente como pano de fundo do Holocausto. Afinal, ele também precisa ser explicado: o antissemitismo é parte do enigma”108.

A proposta de Volkov é que, dentro de uma questão tão complexa, pelo menos deve se buscar substituir a questão “por que” por “como”, para pelo menos tentarmos entender um pouco mais o Holocausto109. O

fato é que o racismo é uma criação profundamente moderna e uma característica peculiar da diáspora judaica é a universalidade da falta de lar para os judeus110.

Segundo o historiador israelense Elia Barnavi, Hitler foi uma poderosa mola de impulsão para a edificação do Estado judeu111.

Barnavi faz parte do grupo que se convencionou chamar de “novos historiadores israelenses”. Nos últimos anos, eles têm reescrito a história de Israel, principalmente relacionado à questão da fundação do Estado, ao êxodo de árabes da região e às discussões do processo de paz. Esse 105 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Holocausto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p.

53.

106 Para ver mais sobre isso, ver BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Holocausto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

107 VOLKOV, Shulamit. Anti-semitism as explanation: for and against. In: POSTONE, Moishe; SANTNER, Eric. Catastrophe and Meaning: The Holocaust and the Twentieth

Century. Chigaco: The University of Chicago Press, 2003. p. 34.

108 VOLKOV, Shulamit. Anti-semitism as explanation: for and against. In: POSTONE, Moishe; SANTNER, Eric. Catastrophe and Meaning: The Holocaust and the Twentieth

Century. Chigaco: The University of Chicago Press, 2003. p. 44. Texto original: Nazi anti- Semitism can no longer be treated as only a cause for the events, an omnipresent motivation ate the background of the Holocaust. After all, it too, needs explaining: anti- Semitism is part of the enigma.

109 Dessa forma, não procuro entrar na discussão dos “porquês”, no que diz respeito ao Holocausto e à família de Amira Hass.

110 BAUMAN, Zygmunt. Op. cit., 1998. p. 55. 111 BARNAVI apud VIDAL. Op. cit, 1999. p. 35.

grupo, que tem Benny Morris como seu representante mais conhecido, utiliza como fonte, principalmente, documentos oficiais do governo israelense.

A história oficial, contada desde o final dos anos 1940, afirma que os palestinos não foram arrancados à força de suas casas em 1948. Houve até um movimento para prevenir o êxodo de cerca de 800 mil pessoas112, que fugiram de acordo com as instruções das autoridades

árabes. Porém, outra versão emergiu dos arquivos, pesquisados inicialmente por Benny Morris. Em 1987, ele publicou The Birth of the Palestinian Refugee Problem, em que apresentava 369 cidades e vilas árabes de Israel em 1949 e mostrava os motivos da fuga em massa dessas localidades. De acordo com a pesquisa de Morris, 228 cidades foram evacuadas durante ataques de tropas israelenses e 90 cidades foram abandonadas após ataques a regiões vizinhas, principalmente após o massacre dos habitantes de Deir Yassin, em 9 de abril de 1948, que se espalhou rapidamente113. Dos 800 habitantes da vila, 254 foram

mortos114.

Segundo o historiador israelense – nascido na Polônia – Simha Flapan (1911-1987), o Estado judeu foi criado à custa de uma guerra desastrosa. Em vez de ganharem a sua independência, os palestinos transformaram-se em um povo de refugiados. Como consequência, o conflito se intensificou e se ampliou, transformando o Oriente Médio em uma região de instabilidade, violência e guerra. De maneiras diferentes, os dois povos (judeus e árabes) pagam hoje o preço daquela política falida115.

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