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5.1 Os Kaingang

5.1.2 A Terra Indígena Faxinal

A Terra Indígena Faxinal localiza-se no município de Cândido de Abreu-PR, cerca de 40 quilômetros de distância da T.I. Ivaí, entre os rios Ubunzinho, Baile, Jacaré e a Serra do Apucarana. Responde à Administração Executiva Regional da FUNAI de Guarapuava, ao chefe do Posto da FUNAI, Sr. Dário Moura (chefe do Posto há mais de 25 anos), e ao cacique, Sr. Pedro Lucas (no cargo há 15 anos), pelo vice-cacique José Roque Pinheiro e demais lideranças indígenas (oito homens chamados de polícias).

A área está localizada próxima da rodovia Federal 487 Clemente Adamowicz e algumas casas se situam exatamente ao seu lado sem nenhuma proteção (há ocorrência de mortes por atropelamento no local). Não existindo acostamento os índios são obrigados a circular pela rodovia. Esta Terra ocupa atualmente 2.043,89 hectares (os mais velhos afirmam que a extensão era de 20.000 hectares antes do governo tê-la vendido em 1949).

A pesquisa de Cazorla (2003) registrou que, mesmo dentro dos limites atuais demarcados (os 2.043,89 ha) os Kaingang do Faxinal enfrentam problemas com fazendeiros que estão ocupando parte desta Terra há mais de 40 anos. Segundo o registro do chefe do Posto do FUNAI, Dário Moura, alguns adentraram e demarcaram até 300 hectares no interior da Terra Indígena. Além disso, pelo menos 50% da área121 não pode ser tocada por ser

considerada reserva florestal e o restante, as terras agriculturáveis, “é uma terra fraca” e está bastante desgastada requerendo o constante uso de adubos e calcário nas lavouras.

Os estudos e as observações mostram que em decorrência desta situação fundiária, a vida do grupo é muito difícil e a dependência tem aumentado. Além da FUNAI, necessitam da assistência da FUNASA (responsável pela unidade de saúde na área indígena), da Prefeitura Municipal de Cândido de Abreu (responsável pela manutenção da escola, pela contratação da mão-de-obra para a construção das casas, pelo transporte das crianças que cursam as séries finais do ensino fundamental para a escola da cidade e repasse do montante referente ao ICMS ecológico122). O Governo do Estado presta assistência por meio da

EMATER – Empresa Paranaense de Assistência Técnica e extensão Rural responsável pela execução dos Programas de construção de casas (Programa Paraná 12 meses e Casa da Família Indígena).

121 Conforme dados coletados em entrevista cedida por Dário Moura (chefe do Posto da FUNAI na T.I. Faxinal),

Pedro Réj Réj Lucas (Cacique da T.I. Faxinal) e Domingos Crispim (vice-cacique da T.I. Faxinal) à a pesquisadores do Programa Interdisciplinar de Estudos de Populações/LAEE – Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etnohistória da Universidade Estadual de Maringá em 2002.

122 Segundo as informações obtidas junto ao cacique e ao chefe do Posto, parte do valor recebido é utilizada na

Esta dependência é fator de preocupação entre o grupo. Os mais velhos afirmam que os índios viveriam melhor se pudessem trabalhar na terra e prover seu próprio sustento. Dizem que os jovens estão ficando preguiçosos, alegam ser muito difícil trabalhar na roça e ficam só “jogando futebol”, “passeando na cidade” e “esperando do governo”.

A dependência gera preocupação e exerce muita pressão sobre os índios (explicitada principalmente na disputa pelos empregos e benefícios) tornando-os reféns das políticas assistencialistas do governo estadual e da política partidária municipal – que lhes pressiona impondo apoios e alianças o que faz, em períodos eleitorais, agravar a insegurança (quem vai permanecer nos cargos, quem vai ser transferido) e os conflitos internos entre as facções. A preocupação se manifesta também pelo fato de a população estar crescendo e a terra não ser suficiente para a sobrevivência de todos. Dados estatísticos recentes apontam para um crescimento acelerado desta população (FUNASA, 2004). Na T.I. Faxinal vivem atualmente cerca de 500 pessoas representadas por 100 famílias sendo que 60% desta população têm até vinte anos e 51% têm até catorze anos123.

No Faxinal as famílias residem majoritariamente em casas de alvenaria construídas pelo governo (cerca de 50 casas). Restam poucas in, moradias tradicionais e casas de madeira construídas pelos próprios índios. No centro da aldeia estão situados a Igreja Católica, a Escola Municipal, a Casa do Cacique, a Unidade de Saúde da FUNASA, o Posto da FUNAI, o Centro Comunitário, o telefone público e a cadeia. Atrás da escola está o campo de futebol.

Afastada do centro da aldeia, existe uma Igreja da Missão do Cristianismo Decidido construída por iniciativa de Walter Henry missionário do SIL – Summer Institut of Linguistics no ano de 2000, onde se realizam cultos periódicos com a participação de algumas famílias indígenas. Missionários evangélicos do SIL estão presentes nesta T.I há mais de 20 anos, realizando seu trabalho de evangelização. Antes da autorização para construção desta Igreja, os cultos eram feitos nas casas de algumas famílias ou nas instalações da escola.

Nesta Terra os grupos familiares vivem basicamente da agricultura – algumas roças familiares e a roça comunitária coordenada pela FUNAI. Na roça comunitária, o sistema funciona em mutirão e todos os membros da comunidade que trabalham na plantação e na

123Atualmente o censo na T.I. Faxinal é realizado pela Unidade de Saúde da FUNASA, registrado em um Livro

existente no Posto e atualizado trimestralmente. Antes da FUNASA esta atribuição era da FUNAI. A pesquisa de Cazorla (2003) realizada em Faxinal demonstrou os seguintes resultados: 51% da população têm entre meses a catorze anos, 9,7% têm entre quinze a dezenove anos, 10% têm entre vinte a vinte e quatro anos, 6,6% está entre vinte e cinco a vinte nove anos, 4,8% têm entre trinta a trinta e quatro anos, 3,6% trinta e cinco a trinta e nove anos, 2,4% de quarenta a quarenta e quatro anos, 8,2% de quarenta e cinco a quarenta e nove anos, 2,2% de cinqüenta a cinquenta e nove anos, 2,0% de sessenta a sessenta e quatro anos, 1,1% de sessenta e cinco a sessenta e nove anos e 2,4% têm mais de setenta anos. Constatou-se também que havia nove pessoas, ou seja, 2,0% do total, que não possuíam data de nascimento.

colheita têm acesso aos seus produtos. Nesta se cultiva arroz, feijão, milho, soja e algodão. Nem sempre as colheitas são boas devido à falta de maquinários – estão todos velhos e obsoletos, tendo sido adquiridos na década de 1980 e pelo fato de não existir verba específica para manutenção – e boas sementes ou estas chegam fora da época do plantio.

Existe ainda a fabricação e venda do artesanato (elaborado em pequena escala pela falta de matéria prima e dificuldade de acesso a locais de venda), alguns empregos temporários (bastante raros devido à mecanização da agricultura do entorno), os postos de trabalho assalariados da aldeia (professor, motorista, tratorista, auxiliar de serviços, assistente indígena de saúde, assistente indígena sanitário), as aposentadorias, as doações (Pastoral da Criança, ASSINDI – Associação Indigenista de Maringá etc.) e ajudas provenientes de alguns projetos estaduais (Paraná 12 meses, Leite da Criança) e federais (Bolsa-Escola, Projeto Rondon) e projeto realizado pela equipe de pesquisadores do Programa Interdisciplinar de Estudos de Populações, LAEE / Universidade Estadual de Maringá124. Porém, estas atividades

e assistência não são suficientes para garantir vida digna a todos. A observação e os levantamentos feitos pela equipe de pesquisadores do Programa Interdisciplinar de Estudos de Populações, da Universidade Estadual de Maringá, em Faxinal no período de 2002 a 2005, evidenciaram inúmeras dificuldades enfrentadas por este grupo Kaingang.

Em relação à desnutrição infantil, a pesquisa de Carzola (2003) mostrou que o chefe do Posto da FUNAI e voluntários da Pastoral da Criança têm desenvolvido ações para combatê-la. Foi viabilizado no ano de 2000 um local chamado Centro Comunitário destinado unicamente para a preparação e distribuição de uma sopa comunitária (feita de arroz, beterraba, repolho, cenoura, fubá e couve) diária acrescida de multimistura. Esta alimentação é servida às crianças e idosos uma vez por dia e a multimistura é preparada pelo chefe do posto por meio da secagem, trituração e torragem de folhas de leguminosas (cenoura, mandioca e bata-doce) produzidas na horta comunitária.

Existe também o cadastramento do grupo junto ao Projeto Estadual Leite das Crianças que em 2003 iniciou a distribuição de um litro de leite para as gestantes e famílias que têm crianças menores de três anos. A distribuição é feita no Centro Comunitário pelos agentes de saúde da FUNASA por meio de uma lista na qual constam os nomes das mães e crianças aptas ao recebimento. Quando há sobra, o leite é distribuído para alguns idosos que o

124 A partir de 2004 este Programa realizou 10 projetos para captar verba do Programa Federal Fome Zero para as

Terras Indígenas no Paraná estando em andamento programas de Implementação e Condução de Horta e Aviário Comunitários (T.I. Laranjinha), Aquisição de veículo e treinamento de tratoristas indígenas (T.I. Faxinal), Implementação e condução de Aviário Comunitário (T.I. Pinhalzinho), Melhoramento do rebanho Bovino e reforma de Pastagens (T.I. São Jerônimo da Serra), Melhoramento de rebanho bovino, aquisição de rebanho caprino e reforma de pastagem (T.I. Barão de Antonina).

consomem com farinha ou café. Os agentes de saúde afirmam que após estas ações constatou- se a diminuição de óbitos entre crianças não sendo registrados, atualmente, mais do que dois casos por ano.

Embora haja este empenho institucional e comunitário pela saúde, o levantamento junto à unidade de saúde da FUNASA e estudos realizados (TOLEDO; MOTA; CHAVES, 2006) evidenciaram a presença de várias doenças neste grupo. As principais são as parasitoses, doenças infecto-contagiosas, doenças infecciosas intestinais, diarréias, helmintíases, ascaridíases, pediculoses, escabioses, desnutrição, infecções das vias aéreas, resfriados, sinusite aguda, faringite aguda, amigdalite aguda, pneumonia, asma e infecções de pele. Constatou-se também que o grupo tem recebido periodicamente, via Unidade de Saúde da FUNASA, as vacinas obrigatórias.

Na situação de doenças, algumas famílias, além de buscarem o atendimento médico e receberem os remédios, recorrem também às rezas dos Kuiãs por acreditarem que os remédios do posto não são totalmente eficientes em certas doenças e que só o Kuiã pode saber a origem e os motivos dos males que está prejudicando a pessoa e, sendo necessário, fazer um tratamento com água da fonte santa para que haja a recuperação e fortalecimento do doente125.

No Faxinal a maioria das famílias é católica, algumas famílias freqüentam os cultos realizados na Igreja da Missão do Cristianismo Decidido. O grupo realiza freqüentemente festas em datas comemorativas Comemora-se o Natal com missa e festa, momento em que alguns grupos familiares adquirem roupas novas, muito coloridas, as mulheres soltam o cabelo, se arrumam, usam batom. Os jovens se arrumam, cortam o cabelo e usam enfeites adquiridos na cidade (tiaras, pulseiras).

O 12 de outubro, dia de Nossa Senhora também é comemorado com cantos (em Kaingang e português) e com baile (matinê), celebra-se missa e distribuem-se doces para as crianças. Esta festa é feita por meio da contribuição pessoal dos membros do grupo. Uma das maiores festas ocorre no dia 19 de abril, Dia do Índio, com longo período de preparação, ocasião em que se matam bois (criados na área) para a realização do grande churrasco, do baile, da missa, campeonato de corrida e apresentação artística de jovens (existe no Faxinal

125 Cf. Cazorla (2003, p.28) “Na Terra Indígena Faxinal existem Kuiãs, são eles Angélica Kurimba, Otacílio

Renato e Senhora Pinheiro. Um dos recursos utilizados para alcançar a cura é a fonte de São João Maria. Acredita-se que o monge São João Maria passou por lá e benzeu aquela nascente, a partir daí a água passou a ter poder de cura e o lugar é sagrado. Quando as pessoas têm dor de cabeça tomam a água e a dor passa. Uma égua que era muito importante para o trabalho na aldeia estava muito doente e fraca. As pessoas levaram a égua próximo da fonte e lavaram a égua que ficou completamente curada. A água também é utilizada para batizar as crianças. As pessoas vão muito à fonte para buscar água e para lavar a cabeça. Como o lugar é sagrado algumas coisas não devem ser levadas para lá, por exemplo, porcos não devem ser levados à fonte de outra forma ela será abandonada.”

um pequeno grupo que se organizou para apresentações nos jogos escolares promovidos pelo governo do Paraná em 2005). A festa é feita com as doações angariadas pelo chefe do posto, cacique e demais lideranças da T.I., junto a entidades e governo. Os professores que trabalham na escola participam ativamente na organização da festa. Nesta ocasião são convidadas todas as autoridades políticas da cidade (Prefeito, vereadores, secretários) e demais pessoas que tiverem ligações com a área (membros do governo estadual, pesquisadores, médicos, missionários etc.). O almoço é servido separadamente, primeiro comem as autoridades e depois os índios (que vêem isto como uma hospitalidade aos convidados). Ao receberem os espetos de carne assada, os refrigerantes e demais pratos, as famílias vão se reunindo em pequenos grupos, sentam-se no chão e lá permanecem horas conversando e comendo. Algumas famílias levam sua porção para alimentarem-se em casa.

No Faxinal comemora-se também o dia de São João, São Pedro e Santo Antonio em festas menores nas casas das famílias que cantam e rezam por diversas horas. Há também as celebrações por ocasião de funerais, momento em que as pessoas recorrem ao chefe do posto da FUNAI para conseguir alimentos a serem servidos aos presentes. Nesta ocasião os mais velhos puxam os cantos durante toda a noite e rezam nas casas uns dos outros.

Os rituais e práticas tradicionais, como a festa do kuiã, festa do kiki, purificação da viúva126, pesca no pari, armadilha de pesca Kaingang, presentes em diversas narrativas dos

mais velhos, estão praticamente ausentes da vida deste grupo. No Faxinal a pesca não é muito freqüente devido à escassez de peixes promovida pela poluição dos rios e córregos; o mesmo acontecendo com a caça. A diminuição da vegetação nativa levou à drástica diminuição de animais silvestres na região. Os animais destinados à caça, existentes na mata, se restringem basicamente ao veado, tatu e cateto. Além da caça não ser farta, os índios a disputam com a invasão constante de caçadores ilegais. Como as atividades cotidianas das Terras Indígenas estão se concentrando no centro da aldeia, a proteção de seus limites fica descoberta, o que facilita a caça e coleta (de palmito, mel e demais fontes de alimento) por pessoas que vivem nos arredores da área.

O artesanato é uma atividade de pequena escala. Nos últimos anos um dos grandes problemas levantados pelos índios é o da diminuição das áreas nativas da taquara e sua conseqüente falta. O ciclo vital, crescimento, florada e amadurecimento, desta espécie é longo. Após a florada, a taquara seca, morre e brota estando pronta para ser utilizada no artesanato seis anos depois. Com o desmatamento e a expansão das áreas de agricultura, as

famílias têm que buscar a taquara cada vez mais longe pois, nas proximidades do Ivaí e Faxinal ela está praticamente extinta.

De forma geral, a vida nas duas Terras (Ivaí e Faxinal) apresenta inúmeros problemas e precariedades. As moradias não são suficientes para todos, os jovens, além da agricultura familiar e venda do artesanato, têm raríssimas opções de trabalho, muitos perambulam pelas cidades se envolvendo em brigas e apresentam alto grau de alcoolismo, alguns usam drogas ou se prostituem. Os casamentos apresentam bastante instabilidade. Os conflitos internos, entre famílias, indivíduos ou facções, são potencializados pelo alcoolismo, circulação de boatos, escassez de víveres, disputas pelos postos de trabalho assalariados na área, que tem como pano de fundo a falta de terra e de perspectivas de uma vida melhor.