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Terra e Religião

No documento MARIA AUGUSTA COSTA DOS SANTOS (páginas 102-105)

BUSCANDO O SUBTEXTO

6.2 Terra e Religião

A religião é uma outra unidade de análise que aparece de forma muito forte nas falas dos entrevistados e nas observações feitas no assentamento. Logo que se entra no assentamento somos recepcionados por uma imagem do Padre Cícero e por um grande templo evangélico que se destaca das casas simples do assentamento. Estas imagens já demonstram a disputa que acontece dentro do assentamento entre católicos e evangélicos.

Esta disputa se personifica em três sujeitos entrevistados, seu Fernando e sua esposa Dona Ruth (entrevistada para a caracterização do assentamento) e dona Míriam. Seu Fernando e Dona Ruth são os líderes da Igreja Católica: organizam missas, batizados, festas religiosas, casamentos e a reza do terço que é a atividade mais comum. Dona Míriam é evangélica, ajuda nas festas da igreja, em sua organização, nos cultos e atividades religiosas.

A religião assume importância tão grande dentro do assentamento, principalmente para as mulheres, que é ela a única forma de lazer indicada pelas entrevistadas, fora à televisão. São as atividades religiosas as únicas formas de encontro em grupo que estas mulheres têm.

Elas se reúnem para rezar o terço aos sábados e durante todo o mês de maio (mês no calendário católico dedicado a Maria, mãe de Jesus). Juntas elas vão as casas, rezam, saem em procissão pelo assentamento, se confraternizam em pequenas festas ao fim das reuniões. E se mobilizam em torno na festa do Padre Cícero, conseguindo até mesmo levar trios elétricos para dentro do assentamento.

O objetivo maior delas, no momento, é a construção da igreja, dedicada a Padre Cícero. Elas já se organizaram para a compra da imagem, em outro momento,

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e agora lutam pela construção do templo, pois os evangélicos já têm o deles (Dona Ruth). É como se neste momento, a construção de um templo fosse a atividade mais urgente na vida do assentamento. Mesmo aparecendo na fala de cada entrevistado a necessidade de construção de um posto de saúde, a mobilização acontece em torno da construção do templo. O que vem reforçar a tese religiosa de que a saúde

da lama se faz mais importante do que a saúde do corpo . A construção do templo

assume status de salvação.

Já na fala de dona Míriam, fica muito claro que ela espera agora a terra

prometida no céu . Ela tem uma história intensa de luta e de liderança dentro do

MST. Em reuniões do coletivo de educação que participei na época em que era estagiária do PRONERA, ela era chamada, consultada, tinha voto e voz. Agora aparece apenas como mais uma das moradoras do assentamento. Alguém que tem suas reclamações, mas já não age. Ela já conseguiu seu pedacinho de terra aqui na terra, mas agora quer conseguir seu lote no céu, quer ser uma assentada no céu.

Ela que era uma mulher de ação, de luta, agora passa a ser a mulher submissa e que espera. Seguindo, como ela mesma fala em sua história, o exemplo de Jesus que deu sua face para que o inimigo batesse. Se o deus a quem ela segue foi pacífico, ela também precisa ser para atingir seus objetivos no céu. A religião entra em sua história como alienação, como esperança de esperar, que impede a ação e a autonomia:

A gente segue a Jesus, por que? Porque todos os problema do mundo, que o mundo oferece, é duro, então o caminho é muito duro, o caminho é o pior caminho. Porque a gente sofre tanto aqui, meu Deus! A gente sofre tanto que é uma coisa. E sem Jesus a gente sofre muito mais. Porque as conseqüência do mundo são muito grande e a gente com Jesus vai viver alegre, caminhando assim pra uma coisa, procurando pra saber que um dia vai ver o paraíso.

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O seguimento a Jesus , como coloca Míriam, implica em ser passivo: ser alegre, apesar do sofrimento, pois agindo assim, um dia ela vai encontrar o paraíso . Essa passividade leva a submissão que é também uma forma que a igreja encontra de manter os sujeitos sob sua tutela. A igreja evangélica chega ao assentamento justamente depois que a questão da posse já está resolvida e a agrovila construída. Ela não faz parte do momento de acampamento, em que os sujeitos estão correndo os mais diversos riscos. Ela chega no momento em que a estabilidade esta estabelecida.

Dona Míriam coloca que os evangélicos não gostavam dessa história de

Sem terra, bandeira vermelha . Mas eles passam a gostar no momento em que

estes sem terra se tornam proprietários de terra e podem agora pagar o dízimo. E é dessa terra que os pastores dessa igreja tiram o dinheiro para a construção de um templo que se destaca dentro do assentamento. É dessa terra que eles tiram o dinheiro para as festas na igreja, trazendo para o assentamento até mesmo missionários de fora do Brasil, o que demonstra a importância do assentamento para a congregação.

Eles acham no assentamento um terreno profícuo para se aproveitar do povo. Este povo que sofreu para conseguir ser assentado, que não consegue sequer o suficiente para sustentar suas famílias, têm que pagar o dízimo, sustentar uma igreja, para sustentar sua fé numa vida melhor, mesmo que seja após a morte. Tal qual os católicos, lutam por um templo melhor, equipado e bonito, mas não lutam pela construção do posto de saúde ou do melhoramento das estradas que ligam o assentamento à cidade.

Mais uma vez a autonomia é assassinada e em seu lugar nasce apenas a esperança de ter um lugar e uma vida melhor depois desta. Pois esta já está sendo

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vivida da forma possível, mas a outra pode ser vivida de forma mais digna, com a terra prometida no céu.

No documento MARIA AUGUSTA COSTA DOS SANTOS (páginas 102-105)

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