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Capítulo I TERRA E TERRITORIALIDADES

1.4 Terras de preto, muito além do território

Os quilombos são conhecidos na História do Brasil como uma das formas de resistência dos negros contra a escravidão e a busca pela liberdade, embora essa não tenha sido a única forma de resistência, como tem sido apontado pelos mais novos estudos sobre as experiências vividas por esses grupos.

Gomes traz essa contribuição ao citar que:

É claro que nem sempre o ato de fugir, a revolta aberta e a organização de quilombos foram as únicas e inexoráveis formas de protesto negro. Havia outras possibilidades de enfrentamento, incluindo conflitos e agenciamentos. As estratégias de resistência eram paulatinamente ampliadas e reinventadas. Em algumas ocasiões, as ações de enfrentamento significavam, por exemplo, obter maior controle sobre o tempo e o ritmo das tarefas diárias de trabalho, residir próximo aos seus familiares, visitar nos domingos de folgas suas esposas, filhos e companheiros em outras fazendas, ou mesmo cultivar suas roças e ter autonomia para vender seus produtos nas feiras. 61

Ainda nesse sentido, vêm os estudos de Chalhoub, que mencionam as próprias concepções que os negros tinham sobre o cativeiro, portanto, inserindo novas visões sobre os estudos até então relacionados aos negros.62

Esses estudos são de grande importância, pois nos possibilitam o alargamento de nossa compreensão sobre as lutas atuais, tornando visíveis os

61 GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os Pântanos: mocambos, quilombos e comunidades de

fugitivos na Brasil (século XVII – XIX). São Paulo, Ed. UNESP/Ed. Polis, 2005.

62 CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na

territórios negros, que contemporaneamente são denominados de terras de preto, termo este usado no Maranhão para designar os vários territórios, surgidos a partir do novo sentido que toma a economia brasileira no pós abolição, envolvendo não apenas os ex-escravos, mas também outros setores da sociedade. Na maioria dos quilombos, sobre os quais se tem informações mais detalhadas, consta que havia pessoas livres, que podiam inclusive exercer algum tipo de liderança; por isso, pode- se constatar que outros setores da sociedade também se envolveram e resistiram, por séculos, chegando aos dias atuais. Foram essas alianças que deram origem as

terras de preto.

Em geral, no Nordeste, o ex-escravo continuou dependente do antigo senhor, com exceção do Maranhão, onde os escravos, após abandonarem suas fazendas de origem, se instalaram, como posseiros, nas terras desocupadas.63 Assunção traz este contraponto, quando menciona que, diferentemente do nordeste açucareiro, que apresentava uma pequena faixa relativamente estreita do litoral, o Maranhão apresentava, em quase toda a parte norte de seu território, abundantes matas, com muitos rios e riachos, o que, de certa forma favoreceu o estabelecimento de quilombos. Outro fator que contribuiu foi que grande parte dessas matas, no centro da província, escapava ao controle do Estado, tornada fronteira onde podiam se sentir seguros. 64

São esses núcleos que deram origem ao que hoje se denomina terras de

preto, disseminando-se por todos os cantos do estado.

As chamadas terras de preto são encontradas atualmente em todas as regiões do Estado do Maranhão, localizam-se nos vales do Itapecuru, pelo Baixo e Médio Mearim, pelo Baixo Pindaré, pelo Munim até o Baixo Parnaíba e por todas as Baixadas Ocidental e Oriental e região do rio Turi. Segundo dados recolhidos recentemente, tais comunidades constituíram-se a partir do século XIX.65

63FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil. São Paulo: Edusp, Imprensa Oficial do Estado, 2002. 64

ASSUNÇÃO, Matthias Röhrig. Quilombos Maranhenses In: Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil (org.) REIS, João José, GOMES, Flavio dos Santos. São Paulo: Cia. das Letras, 1996.

65 PVN – Vida de Negro no Maranhão: Uma Experiência de luta, organização e resistência nos territórios quilombolas. Coleção Negro Cosme Vol. IV, São Luís-MA: SMDH/CCN-MA/PVN 2005.

O mapa a seguir traz importante visualização das terras de preto no espaço geográfico do Maranhão, chamando a atenção para a grande quantidade desses territórios, entre os vales dos rios Itapecuru e Parnaíba, região onde se insere o vale do rio Munim, no qual estão os povoados desta pesquisa

1.5 Territórios negros: terras de identidades e liberdade

Libertar a terra, para essas famílias, muito mais que uma questão física, significou criar um território de homens e mulheres livres de todas as imposições até então estabelecidas. Foi o que os motivou e os tem motivado nas lutas atuais por infraestrutura e melhores condições de vida e de trabalho.

Esse processo de luta pela terra e contra as imposições do proprietário ocorreu, segundo depoimento de Netão, quando:

nós começamo a trabalhar pra não pagar mais foro. Aí nós conseguimos não pagar foro, foi uma pressão danada a humilhar a gente, mas a gente resistiu na terra. Falavam em expulsar a gente. Aí depois nós não tinha..., só tinha porco, não tinha animal grande, prendemos os bichos e resolvemos trabalhar no aberto, fazer roça sem cerca e conseguimo também.

No depoimento de Netão, percebemos como os trabalhadores foram forjando sua própria consciência de classe, aqui entendida, segundo Thompson, como

a forma como as experiências são tratadas em termos culturais: encarnadas em tradições, sistemas de valores, idéias e formas institucionais. 66

São essas experiências que se constituem em aprendizado e estratégias para garantir a permanência na terra e, com isso, a resistência contra relações sociais tão opressoras ainda vigentes na região.

66 THOMPSON, Eduard P. A formação da classe operária. Tradução Denise Bottmann. Rio de