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A Lei n 601 de 18 de setembro de 1850 foi criada para dispor sobre as Terras devolutas e as que eram possuídas através das sesmarias sem o devido

procedimento legal. Terras devolutas são, segundo o Código Civil Brasileiro em seu artigo de número 99, terras públicas sem destinação de uso especial, ou comum, tidas como bem dominical e que obedecendo os trâmites legais podem ser alienadas (BRASIL, 2002).

De acordo com Fausto (2015), diante de todo processo de “descoberta” do Brasil, as terras brasileiras passaram a integrar a Coroa Portuguesa que distribuía com o intuito de colonizar pelo sistema das capitanias hereditárias, já explanado anteriormente. Os capitães tinham a obrigação de cuidar, demarcar e manter as terras sob pena de ter que devolver.

Ainda segundo o autor, durante o processo de independência do Brasil todas as terras devolutas, que não foram destinadas para uso especial ou comum, retornaram para o domínio do Estado Brasileiro, que propôs uma ação, posteriormente regulamentada pela Lei 6.383/76. Tal Lei dispôs sobre o processo discriminatório das Terras devolutas da União.

O processo da Lei Federal 6.383/76 pode ocorrer de forma administrativa ou judicial, sendo o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) responsável pelos tramites nas duas hipóteses. A via administrativa ocorre através de comissões especiais formadas por três membros, obrigatoriamente um bacharel em Direito, um engenheiro agrônomo e um funcionário do INCRA, como dispõe a Lei:

Art. 2º O processo discriminatório administrativo será instaurado por Comissões Especiais constituídas de três membros, a saber: um bacharel em direito do Serviço Jurídico do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, que a presidirá; um engenheiro agrônomo e um outro funcionário que exercerá as funções de secretário.

O presidente do INCRA tem o poder de criar essas comissões, sendo suas sedes e jurisdições decididas no ato de sua criação e os presidentes das comissões passam a representar a união durante o processo discriminatório. É papel das comissões especiais delimitar o perímetro da terra, suas características e todas as informações de interesse para sua discriminação, conforme aduz a Lei:

§ 1º Consideram-se de interesse as informações relativas à origem e seqüência dos títulos, localização, valor estimado e área certa ou aproximada das terras de quem se julgar legítimo proprietário ou ocupante; suas confrontações e nome dos confrontantes; natureza, qualidade e valor das benfeitorias; culturas e criações nelas

existentes; financiamento e ônus incidentes sobre o imóvel e comprovantes de impostos pagos, se houver.

É lançado um edital de convocação, nele deve constar todas as informações da área discriminada. O edital é dirigido a todos os interessados, ocupantes, proprietários, interessados incertos ou desconhecidos, de acordo com o § 2º do Art. 4º da Lei e deve ter a maior divulgação possível. Há a realização de um processo demarcatório e ao final o INCRA deve providenciar o registro da terra devoluta em nome da União.

O processo por vias judiciais compete à Justiça Federal e ocorre quando:

I - quando o processo discriminatório administrativo for dispensado ou interrompido por presumida ineficácia;

II - contra aqueles que não atenderem ao edital de convocação ou à notificação (artigos 4º e 10 da presente Lei); e

III - quando configurada a hipótese do art. 25 desta Lei.

Aquele que ocupar e tornar produtivas terras públicas pode ter sua posse legitimada contanto que não seja dono de um imóvel rural e comprove que mora na terra e a tornou produtiva pelo prazo mínimo de um ano. Essa legitimação gera uma Licença de ocupação por, no mínimo, mais quatro anos. A licença é intransferível e não pode ser objeto de penhora e aresto.

O INCRA tem o poder de cancelar a Licença de ocupação e alienar o imóvel e a União pode, por necessidade ou utilidade pública, cancelar a licença e promover a desocupação, de acordo com a Lei Federal 6383/76:

Art. 31. A União poderá, por necessidade ou utilidade pública, em qualquer tempo que necessitar do imóvel, cancelar a Licença de Ocupação e imitir-se na posse do mesmo, promovendo, sumariamente, a sua desocupação no prazo de 180 (cento e oitenta) dias (BRASIL, 1976).

As benfeitorias existentes serão indenizadas pelo INCRA, caso o portador se recuse a receber o valor o mesmo poderá ser depositado em juízo, o portador da licença tem ainda a opção de solicitar a instalação em outra gleba.

A Lei de Terras veio, inicialmente, definir o critério de posse, os direitos e deveres dos sesmeiros. Foi estabelecido um prazo para que os posseiros fizessem os registros e demarcações de suas terras, para que pudessem dispor delas da maneira que bem entendessem. Houve tentativas, por parte de alguns políticos, para

diminuir a concentração fundiária de que as terras que não estivessem sendo cultivadas, retornassem às mãos do Estado para ser redistribuída.

É válido citar dois importantes projetos, que apesar de sua relevância, nunca saíram do papel. José Bonifácio, deputado em 1822, colocou em pauta que terras devolutas fossem concedidas à negros, índios, pobres e imigrantes europeus. Posteriormente, em 1829, Diogo Feijó retomou a discussão, que mais uma vez foi frustrada, ele queria diminuir a concentração de terras das mãos de grandes posseiros, que detinham largas propriedades, mas não realizavam nenhum tipo de cultivo nelas, Fernandes (2000, p. 132).

Como afirma Fernandes (2000), em 1842 José Cesário e Bernardo Pereira de Vasconcelos deram início a um projeto da Lei de Terras, que foi engavetado por anos e serviu de base para a Lei 601/1850. O projeto sugeria a demarcação e limitação das terras legalizadas e, instituía um imposto a ser pago pelos proprietários de terras, o que fazia com que atingisse completamente o interesse dos latifundiários, uma vez que não tinham pretensão alguma de pagar impostos, muito menos de ter suas terras limitadas.

Em 1850 houve a aprovação da Lei, porém, os pontos negativos aos latifundiários foram removidos do corpo do texto. Apesar da tentativa do Estado de organizar a questão da regulamentação, sua fiscalização era extremamente ineficiente e por fim poucas propriedades foram de fato regulamentadas e legítimas. Os grandes proprietários, detentores de dinheiro e poder, não aceitaram esse tipo de intervenção estatal, de modo que não iriam deixar seu poder ser ameaçado.

Todo esse contexto ocasionou inúmeros documentos falsos com o intuito de manter a posse conseguida indevidamente e ampliá-la. Essa forma de falsificação ficou conhecida como grilagem e ainda é utilizada nos dias atuais. Segundo o INCRA, grilagem é:

É a ocupação irregular de terras, a partir de fraude e falsificação de títulos de propriedade. O termo tem origem no antigo artifício de se colocar documentos novos em uma caixa com grilos, fazendo com que os papéis ficassem amarelados (em função dos dejetos dos insetos) e roídos, conferindo-lhes, assim, aspecto mais antigo, semelhante a um documento original. A grilagem é um dos mais poderosos instrumentos de domínio e concentração fundiária no meio rural brasileiro (INCRA, 2009).

Este processo garantiu a posse dos latifundiários e deu inicio ao processo que transformou a terra em mercadoria.

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