• Nenhum resultado encontrado

4 – A TERRITORIALIZAÇÃO DO AGRONEGÓCIO CANAVIEIRO NA REGIÃO DO PONTAL DO PARANAPANEMA E OS REBATIMENTOS PARA O TRABALHO

A categoria flexibilidade do trabalho adquiriu múltiplas determinações, no âmbito do modo de produção capitalista, a partir da Terceira Revolução Tecnológica, sob a ofensiva neoliberal. Nessa conjuntura, ela se intensificou e expandiu-se a tal ponto de não se restringir somente a “[...] maior versatilidade possível do trabalhador”, mas de tornar-se, no sentido geral, “um atributo da própria organização social do processo de produção [...]” (ALVES, 2005, p 23-24).

Dessa forma, a flexibilização do trabalho, nada mais é que uma estratégia adicional do capital para se reproduzir, quando o trabalhador afastado de seus meios de produção tem seus direitos subtraídos. Nesse sentido, Alves (2005) salienta que

[...] é a flexibilidade da força de trabalho que expressa à necessidade imperiosa de o capital subsumir [...] submeter ou subordinar o trabalho assalariado á lógica da valorização, pela perpétua sublevação da produção e (reprodução) de mercadorias (até, e principalmente, da força de trabalho). (ALVES, 2005, p 25).

Para Vasapollo (2005, p. 27), “[...] a flexibilização é considerada uma das alternativas para combater o desemprego”. A título de exemplo, citem-se os contratos de trabalho temporários ou por tempo parcial. A despeito de se sustentar que a flexibilização é mais um elemento para reduzir o índice de desemprego, na verdade, esta tem-se revelado um instrumento de precarização do trabalho nas mãos do capital, além de se tornar uma imposição à força de trabalho para que sejam aceitos salários reais mais baixos e em piores condições (VASAPOLLO, 2005).

Nesse contexto, o desemprego estrutural que atinge o mundo do trabalho, em função da lógica destrutiva do metabolismo societal do capital, amplia o número de desempregados e intensifica a lógica do subemprego, além de fazer deste um dos maiores problemas enfrentados por trabalhadores em todo o mundo, os quais vivenciam diariamente o mercado de trabalho. Ou seja, o desemprego não procede de uma crise econômica simples ou passageira, passível de soluções pontuais, mas consiste em uma característica própria do sistema capitalista (ANTUNES, 2001).

Alves (2007) afirma que a problemática do desemprego é estabelecida por um contingente de trabalhadores excluídos, mas necessários à ordem burguesa. Para o autor,

[...] o crescimento do desemprego em massa e a ampliação de novas formas de precariedade salarial e da precarização do trabalho no capitalismo global não possui apenas uma função sistêmica para a acumulação do capital. [...] mas contribui para o incremento da taxa de exploração da força de trabalho. (ALVES, 2007, p. 105).

Sobre a realidade brasileira, Pochmann (2007) observa que a crise do desemprego não se restringe apenas ao problema de escassez de postos de trabalho, estando igualmente relacionada à falta de renda, que induz as classes mais desfavorecidas ao subemprego. Quer dizer, a lógica do desemprego estrutural é utilizada pelo capital para subjugar trabalhadores a formas irregulares de trabalho (subemprego).

Conforme Alves (2007), o exército de trabalhadores envolvidos em ocupações irregulares nada mais é que o exército de reserva de trabalhadores, que, para o capital, significa um reservatório inesgotável de força de trabalho disponível.

A esse propósito, Antunes (2007) frisa que

[...] as consequências do processo de desregulamentação da força de trabalho, da inexistência de mecanismos regulamentadores das condições de trabalho e da enorme flexibilização do mercado possibilitaram uma expansão sem precedentes do trabalho part in time; no entanto, a consideração dos trabalhadores nessas condições como fazendo parte do contingente de empregados, reduz fortemente as estatísticas de desemprego. (ANTUNES, 2007, p. 71).

Dessa forma, quando transportamos as observações dos autores para a realidade do Pontal do Paranapanema, apreendemos que as promessas de geração de emprego, renda e o fim do desemprego na região, intrínseco ao discurso do agronegócio canavieiro, configuram- se somente como estratégias adotadas pelo setor para a propagação de novas agroindústrias canavieiras, bem como para a reformulação das unidades já existentes. Amparado no fetiche do emprego e nas fragilidades empregatícias da região, o agronegócio canavieiro avança sobre o território do Pontal do Paranapanema, viabiliza seus negócios e ainda se beneficia do exército de trabalhadores do mercado informal de trabalho.

Sendo assim, buscaremos, neste capítulo, abordar os rebatimentos que essa expansão tem acarretado para os trabalhadores e trabalhadoras, na região do Pontal do Paranapanema (regionais ou migrantes), os quais atuam no processo produtivo da cana-de-açúcar, a partir da intensificação do processo de terceirização do trabalho e dos avanços da mecanização na colheita da cana-de-açúcar e, em contrapartida, do discurso da qualificação profissional. As condições de trabalho enfrentadas pelos trabalhadores inseridos nesse processo, os problemas,

as dificuldades, as circunstâncias que contradizem o discurso do emprego, geração de renda e desenvolvimento.

4.1 – O discurso do emprego no âmbito canavieiro e os rebatimentos para os trabalhadores da região

O discurso da geração de emprego, renda e desenvolvimento local/regional está visivel em todos meios que perpassam o capital canavieiro regional. No desenvolvimento da pesquisa, o discurso de que a implantação de novas unidades agroprocessadora/avanço da cana-de-açúcar tendem a minimizar a problemática do desemprego, nos municípios da região, foi um dos argumentos mais ouvidos durante as entrevistas com os representantes do poder público e das unidades canavieiras visitadas.

Contudo, quando estreitamos nossos olhares especificamente para esses “empregos” produzidos pelo capital canavieiro e as condições de trabalho vivenciadas pelos trabalhadores, sobressaem as contradições, as quais se voltam especificamente para a problemática do “desemprego” que as agroindústrias provocam, sobretudo quando desativadas.

Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Presidente Venceslau/Marabá Paulista, R. G., as situações de desempregos causadas pelas unidades canavieiras não ocorrem exclusivamente quando uma unidade canavieira é desativada ou está à beira da falência, mas de forma regular, por safra, uma vez que anualmente o setor canavieiro contrata e demite os serviços de centenas de trabalhadores na região (os safristas), atitude intrínseca à lógica do agronegócio canavieiro – o emprego temporário.

Nesse sentido, Singer (2003) assevera que o emprego temporário no Brasil vai ao encontro das relações de trabalho estabelecidas no âmbito do capital canavieiro, baixo índice de empregos estáveis, em face do alto índice de subcontratação de trabalhadores temporários, por tempo determinado, produzindo incertezas entre os trabalhadores, principalmente para aqueles que, a cada oito meses, vivenciam a experiência amarga do desemprego.

Em síntese, a pesquisa de campo, as entrevistas e as conversas efetivadas nos municípios, nas frentes de corte (manual e mecanizada), nas unidades agroprocessadoras e sindicatos da região141, possibilitaram-nos refletir sobre os rebatimentos que os empregos disponibilizados pelo agronegócio canavieiro têm proporcionado aos trabalhadores da região.

141 Foram feitas entrevistas com os representantes dos sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STR), Sindicatos dos Empregados Rurais (SER), Sindicatos dos Trabalhadores na Indústria de Fabricação de Álcool; Sindicato dos Trabalhadores em Transportes e Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação.

Paralelamente, permitiram-nos observar que as relações e o ambiente de trabalho do agronegócio canavieiro regional se apresentam permeados pelo medo do desemprego142.

As incertezas do emprego e o medo do desemprego impregnam o ambiente e as relações de trabalho, no setor canavieiro regional. Em geral, os trabalhadores assinalaram as incertezas e a instabilidade do emprego como uma das maiores dificuldade enfrentadas.143 Na verdade, todos aguardam a demissão no final da safra, mas, como as unidades canavieiras normalmente conservam um pequeno grupo de trabalhadores para atuar no período de entressafra, para reparos na planta industrial e nos canaviais, todos permanecem na expectativa de continuarem empregados.

Essas incertezas geram inseguranças, fazendo com que os trabalhadores cheguem a pensar em desistir do trabalho no setor e procurar outras possibilidades de emprego fora dele. Todavia, o medo de estar desempregado e não conseguir outro trabalho impede a saída144. Ou seja, o medo do desemprego e as necessidades básicas de sobrevivência (alimentação, moradia etc.) prendem esses trabalhadores ao subemprego, ao trabalho precarizado, que os submetem às mais diversas exigências do capital.

A respeito dessa insegurança no mundo do trabalho, Alves (2007) ressalta que a insegurança do emprego é inerente ao processo de precarização do trabalho, em suas múltiplas dimensões, cuja origem está no desenvolvimento do capitalismo global. Para o autor, o capital controla o comportamento do homem que trabalha e eleva a produtividade da força de trabalho, usando a rivalidade no ambiente de trabalho e o medo. Nesse caso, o medo do desemprego, associado às necessidades de sobrevivência e consumo, permite ao capital intensificar a produtividade e manter o trabalhador no processo produtivo. O autor ainda completa:

Através do medo do desemprego o trabalhador assalariado consente maior nível de exploração da sua força de trabalho e renuncia a direitos sociais e trabalhistas [...] É cultivando o medo que o capital busca constituir novos (e espúrios) consentimentos à nova barbárie social. O medo tende a “dissolver” o sujeito e a subjetividade humana. (ALVES, 2007, p. 197).

142Nesse caso, não importa a condição financeira da empresa, nem mesmo o cargo ocupado pelo funcionário. O medo/preocupação com o desemprego está em todas as escalas/hierarquia do trabalho.

143 As entrevistas realizadas junto aos trabalhadores (setor industrial, agrícola e transporte) aconteceram, em sua maioria, nos municípios em que residem, enquanto estes aguardavam a condução que os levaria ao trabalho ou quando dele estavam retornando.

144 Declaração da trabalhadora C. B. V., durante entrevista feita no município de Sandovalina, no dia 30 de junho de 2011. .

Vasapollo (2007) complementa a ideia de Alves, ao ressaltar que “[...] a nova organização capitalista do trabalho é caracterizada cada vez mais pela precariedade, pela flexibilização e desregulamentação de maneira sem precedentes para os assalariados”145.

Segundo Alves (2007), nos últimos anos, o sistema capitalista global tem precarizado as formas de trabalho/emprego, ao atingir a objetividade e a subjetividade da classe trabalhadora. Ao relacionar o fetiche da mercadoria à necessidade do emprego, o capital torna o trabalho indispensável, produzindo o medo do desemprego. Com isso, passa a manipular trabalhadores e trabalhadoras e, consequentemente, intensificar e precarizar as formas de trabalho.

Assim, quando nos voltamos para os rebatimentos da territorialização da monocultura da cana-de-açúcar para a região do Pontal do Paranapanema, percebemos que na atual conjuntura o ambiente de trabalho no agronegócio canavieiro regional comparece mesclado entre as novas e velhas formas de reprodução do capital. A flexibilização, a terceirização e a inserção da máquina, no processo de produção, produzem uma nova roupagem ao trabalho, no setor canavieiro regional, da mesma forma que o descumprimento das Leis Trabalhistas e Normas Regulamentadoras evidencia sua essência, a lógica da reprodução do capital, a base da exploração e degradação do trabalho.

Portanto, mesmo que existam agroindústrias estruturadas economicamente ou voltadas à lógica empresarial global, contrariando a lógica daquelas que vivenciam situações de crise econômica, de maneira geral, todas utilizam processos de organização do trabalho pautados na intensificação da produção e das condições de exploração da força de trabalho (ANTUNES, 2007).

Essas diferenças e alterações apreendidas nas relações de trabalho, no âmbito do agronegócio canavieiro regional, estão associadas de certo modo à inserção dos grandes grupos empresariais, os quais têm reestruturado o processo produtivo, na região do Pontal do Paranapanema.

Para o representante do Sindicato dos Químicos de Presidente Prudente (SINDETANOL)146, os grandes grupos têm modificado a organização de trabalho no âmbito das unidades, tanto na indústria como no campo. Ele observou que as unidades agroprocessadoras do grupo ETH/Odebrechet (Alcídia e Conquista do Pontal) podem ser vistas como precursoras dessas mudanças. Para o entrevistado, esse grupo tem proporcionado

145 VASAPOLLO, 2005, p. 27.

146 Entrevista realizada junto ao representante do SINDETANOL (Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Químicas, Farmacêuticas e Fábricas de Álcool, Etanol, Bioetanol e Biocombustível de Presidente Prudente e Região), A. M. N., no dia 12 de maio de 2011.

transformações no âmbito do trabalho, no setor canavieiro regional, ao introduzir no contexto canavieiro regional políticas trabalhistas que estimulam a produção.

Plano de Metas e Resultados, Repartição nos Lucros, plano de carreira, cursos de aprimoramento/profissionalizantes – tudo isso faz parte dos estímulos que as empresas utilizam para intensificar seu processo produtivo, além de oferecerem plano de saúde de qualidade e alimentação gratuita para os trabalhadores que atuam na indústria.147 Quanto ao Plano de Metas e Resultados, o representante do SINDETANOL esclareceu que os trabalhadores são divididos em equipes, as quais têm metas a serem exercidas (cumprir todas as exigências da empresa – evitar as faltas, acidentes, desperdícios, e atingir as metas de produção). Ao cumprir todas as exigências, a equipe recebe um bônus no valor de um salário no encerramento da safra. Assim, os trabalhadores irão preocupar-se mais com o trabalho, evitar as faltas e trabalhar muito mais, além de vigiar os próprios colegas, pois, se um trabalhador cometer algum erro, faltar – mesmo trazendo atestado médico –, prejudicará toda a equipe, a qual perderá o bônus no final da safra.

Quanto à política de “Repartição nos Lucros”, é mais um bônus salarial que o trabalhador pode obter, no final da safra, desde que a empresa atinja as metas de produção. Nesse caso, trata-se do trabalho conjunto de todas as equipes, juntando a parte agrícola e a industrial.

Por outro lado, através do plano de carreira, “[...] os trabalhadores constroem a oportunidade de evoluir profissionalmente, o rurícola/cortador de cana pode chegar a supervisor agrícola ou gerente, basta dedicação e estudo” (informação verbal).148 Nesse sentido, todos os trabalhadores contratados pela empresa passam por um processo de treinamento, para serem avaliados profissionalmente. Somente depois desse período de treinamento/avaliação, o trabalhador é contratado de forma definitiva pela empresa, sob uma nova função e com reajuste salarial.

O entrevistado acrescentou que o plano de carreira é acompanhado pelos cursos de aprimoramento/capacitação. São parcerias que o grupo tem desenvolvido junto às Prefeituras Municipais149, Centro Paula Souza, SENAI, entre outros. Por isso, tem contratado e concentrado muitos trabalhadores jovens, os quais têm mais disposição para aprender e vontade de evoluir profissionalmente. Em contrapartida, essa política tem afastado

147 No caso dos trabalhadores rurais, ressaltou que cada um providencia sua refeição, pois a usina oferece apenas a marmita térmica.

148 Entrevista realizada no dia 08 de maio de 2011, junto ao representante do Sindetanol, A. M. N.

149 As Prefeituras Municipais a que o entrevistado se refere são Mirante do Paranapanema e Teodoro Sampaio, os quais abrigam as unidades agroprocessadoras do grupo.

trabalhadores com mais idade, inclusive os antigos, que estavam na empresa (Alcídia) por muitos anos. Para ele, a resistência aos cursos de aprimoramento/capacitação tem levado muitos desses trabalhadores a perderem seu espaço/emprego na agroindústria.

As observações do presidente do Sindetanol sinalizam para as alterações que vêm ocorrendo no mundo do trabalho, no setor canavieiro regional, ideologicamente construídas a partir da qualificação profissional. As ideias disseminadas entre os trabalhadores que atuam no setor canavieiro regional é de que “[...] todos podem ascender profissionalmente, basta buscar aprimoramento profissional”.

Essa visão do processo de mudança assinalada pelo representante sindical, no trabalho nas agroindústrias canavieiras, aparece igualmente em outras unidades canavieiras da região, entre as quais está a Unidade II do Grupo Cocal/Narandiba e a Paranapanema II/Umoe Bioenergy/Sandovalina. Os aprendizes também estão presentes em outras agroindústrias150.

As mudanças abordadas na organização do trabalho e no processo produtivo de algumas unidades canavieiras da região estão relacionadas ao processo de acumulação flexível, que é demarcado por um modelo produtivo organizacional e tecnologicamente avançado, quando o capital busca no trabalhador envolvimento no processo de produção, Alves (2007).

Nesse sentido, Antunes (2007, p. 52/53) ressalta que “[...] a introdução de técnicas de gestão da força de trabalho próprias da fase informacional, bem como da introdução ampliada dos computadores no processo produtivo”, tem intensificado essas transformações, no processo produtivo industrial e no mundo do trabalho.

Todavia, o autor indica que essas transformações rebatem diretamente na classe trabalhadora, e de várias formas:

[...] redução do tempo e aumento o ritmo de trabalho [...], desregulamentação dos direitos do trabalho, que são eliminados cotidianamente em quase todas as partes do mundo onde há produção industrial e de serviços; aumento da fragmentação no interior da classe trabalhadora, precarização e terceirização da força humana que trabalha; destruição do sindicalismo de classe e sua conversão num sindicalismo dócil, de parceria. (ANTUNES, 2007, p. 53).

Sobre a flexibilização da força de trabalho Alves (2005) alude

[...] “à necessidade imperiosa de capital subsumir - submeter e subordinar – o trabalho assalariado, à lógica da valorização, pela perpétua sublevação da produção e reprodução de mercadorias” [...]. Por isso, a acumulação flexível

se apoia, sobretudo, na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho. (ALVES, 2005, p. 25).

Essa ideia da Participação em Lucros ou Resultados (PLRs), utilizada pelo capital canavieiro regional, sobretudo as grandes unidades agroprocessadoras (ETH/Odebrecht, Cocal II e Umoe Bioenergy), resulta do discurso toyotista, que tem aniquilado algumas contrapartidas qualitativas do emprego151. Para Alves (2007, p. 175),

[...] a precarização das contrapartidas toyotistas do trabalho assalariado [...] expressa um elemento do processo de fetichismo social do capitalismo neoliberal, a troca de contrapartidas qualitativas como emprego vitalício ou direitos sociais por contrapartidas quantitativas como gratificações ou bônus salariais, que reforçam, no plano da consciência social, o fetichismo do dinheiro.

Alves (2007) observa que a política do bônus, PLR’s, é uma forma empregada pelo capital para premiar a desempenho individual dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que incentiva o espírito de competição, proporcionando então o aumento da produção. O capital trabalha com o interesse pessoal do trabalhador em prolongar e intensificar sua jornada de trabalho, a fim de alcançar aumento salarial e garantia do emprego.

Nesse viés, também foi apreendido que alguns STR’s da região têm solicitado gratificações salariais/bônus para os trabalhadores, a fim de evitar as faltas, inclusive as médicas. Nesse caso, os representantes do Sindicato de Presidente Prudente e Regente Feijó argumentaram que se trata de medidas para beneficiar/favorecer os trabalhadores que não faltem e estimular o trabalhador faltoso a evitar as ausências152.

No âmbito do capital canavieiro, o fetichismo do dinheiro pode ser compreendido como mais uma forma para envolver e intensificar o labor daqueles que estão envolvidos com o setor. A partir da ideologia dos benefícios, bônus salarial, os trabalhadores são forçados pelos empregadores e colegas de trabalho (equipe) a colocar as agroindústrias, as metas de produção estabelecidas pelas unidades, à frente de suas próprias necessidades, inclusive as mais básicas e elementares de sobrevivência, como alimentar-se corretamente, usar o banheiro ou conservar os cuidados com a saúde.

151 Para mais detalhes, ver ALVES, 2007. 152

Nesse caso, o representante do STR/Presidente Prudente destacou que, se o trabalhador não faltar e não apresentar atestado médico, durante o ano, deverá receber gratificação de 500,00, ao passo que o trabalhador que trouxer um atestado, receberá gratificação de 400,00. De seu lado, o representante do STR de Regente Feijó propôs que os trabalhadores que contarem faltas durante o mês e nem apresentarem atestado médico, receberão um acréscimo salarial de 50,00 por mês. No final do ano, o trabalhador teria acumulado 600,00.

Os depoimentos dos trabalhadores ouvidos durante a pesquisa de campo reforçam essa problemática. Ficou evidente que é uma prática comum entre os trabalhadores/trabalhadoras que atuam na produção, na colheita mecanizada passar do horário de almoço, devido à intensidade e pressão das metas diárias, dificultando ou impedindo-os de irem ao banheiro. Devido à pressão, esses trabalhadores param apenas uma ou duas vezes durante o turno e em casos extremos. “Só pode parar quando tiver um substituto para operar a colhedora, a produção, a colheita não podem parar, os caminhões ficam perfilados esperando para ser carregados” (informação verbal)153.

Foi evidenciado que os trabalhadores faltosos são punidos independentemente do atestado médico, não recebem a cesta básica mensal e as ditas bonificações por metas e resultados, além de retaliações oriundas dos próprios trabalhadores que integram a equipe. Outra prática que se tem tornado comum em algumas agroindústrias da região é a recusa direta dos atestados, numa forma de impedir que os trabalhadores faltem154.

As observações feitas pelas trabalhadoras confirmam as reflexões da representante da Secretaria da Saúde do município de Martinópolis, que, ao abordar os problemas vivenciados pelos trabalhadores/trabalhadoras que atuam na colheita da cana-de-açúcar, advertiu sobre a alta incidência de infecção urinária. Segundo ela, “[...] o fato dos trabalhadores permanecer longos períodos sem ir ao banheiro (por falta de lugar adequado ou tempo, pois ganha-se por produção), somado ao longo período sem tomar água, contribuem para os surgimentos dessas infecções” (informação verbal)155.

Nesse sentido, Dal Rosso (2007) ressalta que, para ampliar sua capacidade de produção,