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3. A CAMPANHA DE 2002

3.3. O TERROR

Locutora: Boa noite após a divulgação das últimas pesquisas que mostraram Lula vinte e cinco pontos acima do candidato do Governo José Serra aconteceu o que toda imprensa já noticiava .

Imagem da coluna Painel do jornal Folha de S. Paulo com destaque na palavra “terror”

Locutor: Folha de S. Paulo, 18 de setembro. José Serra pedirá hoje em Brasília aos seu candidatos a governador a e a senador que intensifiquem os ataques a Lula e ao PT nos Estados. Considera ser fundamental criar um clima de ‘terror’ em torno do petismo para evitar que Lula vença no primeiro turno.

Locutora: A posição de Lula desde o início dessa campanha tem sido a de apresentar todos os dias suas propostas de Governo. Nos reservamos entretanto o direito de, ao sermos atacados, prestar aos eleitores brasileiros alguns esclarecimentos em defesa da verdade.

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Fac-símile da coluna Painel do jornal Folha de S. Paulo

Locutor: Na última terça-feira o candidato José Serra se comparou a Lula. Uma comparação que exaltava suas virtudes que tinha o objetivo claro de desqualificar seu adversário.

Locutora: A questão central a que interessa de verdade nesse momento não é a questão levantada por Serra sobre quem tem diploma e quem não tem e sim quem hoje está politicamente mais maduro e mais preparado pra governar e fazer as mudanças que nosso país precisa até porque é bom lembrar que Fernando Collor era formado e tinha diploma.

Locutor: No seu programa, Serra ainda acusa Lula de estar prometendo criar dez milhões de emprego enquanto ele, Serra, diz estar preparado pra gerar oito milhões de emprego.

Locutora: Mais uma vez essa não é a discussão relevante. Se são oito ou se são dez. A discussão relevante é que pra Lula provar se vai ou não conseguir gerar os milhões de empregos que o Brasil precisa, é necessário que ele ganhe as eleições e tenha oportunidade de governar. Enquanto o candidato José Serra que promete na TV todos os dias criar oito milhões de emprego já teve a sua oportunidade como Ministro do Planejamento no primeiro mandato de Fernando Henrique e não foi capaz de gerar um só emprego. Ao contrário em seus dois anos à frente do Ministério do Planejamento a taxa de desemprego no Brasil dobrou segundo dados oficiais do IBGE. (HGPE, 19/09/2002)

Dois aspectos são importantes no discurso construído nessa peça. A primeira é a tentativa de deixar evidente a marca de uma campanha propositiva em contraponto a uma candidatura que só faz críticas e ataca o adversário. A trajetória do PT até então era a do partido que fazia a crítica. Estava sempre na oposição. E mesmo em 2002 era uma candidatura de oposição só que o favoritismo que se evidenciava nas pesquisas de intenção de voto fazia com que o partido adotasse cautela na perspectiva de uma disputa de segundo turno. Só um estudo sobre a campanha de José Serra (PSDB), principal adversário, permitiria a afirmação de que ele focou a campanha numa tentativa não só de desqualificar Lula e o PT criando um clima de terror com a provável vitória de Lula naquele ano. No entanto, a partir de um dado momento da campanha no primeiro turno, entre meados de setembro, Serra passara a criticar Lula em todos os seus programas. Num dado momento, a campanha do PT passa a dedicar alguns minutos do seu tempo a rebater críticas de Serra e vários programas do HGPE do PT passam a destacar Lula como o mais qualificado a ser Presidente. Daí a quantidade de empregos a serem criados é colocado como sendo “o menos relevante”, enquanto o mais importante é saber quem é o mais “preparado”. Patrick Charaudeau fala de um “ethos de competência”.

O ethos de competência exige do seu possuidor, ao mesmo tempo, saber e habilidade: ele deve ter conhecimento profundo do domínio particular no qual exerce sua atividade. Mas deve igualmente provar que tem os meios, o poder e a experiência necessários para realizar completamente seus objetivos, obtendo resultados positivos. Os políticos devem, portanto, mostrar que conhecem todas as engrenagens da vida política e que sabem agir de maneira eficaz. É pela visão do conjunto do percurso de um político que se deve julgar seu grau de competência. (CHARAUDEAU, 2008, p. 125)

Mais do que qualquer outro candidato, talvez tenha sido Lula o mais questionado sobre competência e capacidade de governar. No mesmo dia, o programa seguiu na construção desse ethos da competência.

Locutor: Agora faltam poucos dias para as eleições. Por isso, Lula aproveita o seu programa de hoje para dar ao povo brasileiro uma ideia geral de como pretende governar o nosso país caso seja eleito Presidente da República.

Lula: “Em primeiro lugar quero garantir a todo o povo brasileiro se eleito Presidente o meu governo será um governo de paz, responsabilidade e diálogo como nunca se viu antes nesse país. Sempre acreditei que tudo fica mais fácil de ser resolvido quando as pessoas sentam em volta de uma mesa dispostas a encontrar soluções de maneira franca e, sobretudo, sincera e leal. Sei fazer isso como poucos porque fiz isso a vida inteira. Quero fazer um Governo de união nacional sem mágoas e sem rancores. Tenho muito orgulho do PT, partido que criei com inesquecíveis companheiros há vinte e dois anos. Mas tenho clareza que se eleito serei o Presidente de todos os brasileiros e quero governar com todas as forças políticas da sociedade que querem me ajudar a construir um Brasil decente e mais feliz. Quero ser o Presidente que vai ser duro e firme nos momentos necessários, mas quero ser sobretudo um Presidente compreensivo, generoso e justo. Como tenho afirmado durante toda essa campanha vamos honrar todos os compromissos assumidos pelo governo brasileiro. Vamos manter a inflação sobre controle e as metas do superávit primário que forem necessárias, mas temos que mudar essa política econômica perversa que paralisou a nossa economia, aumentou a nossa dependência externa, fragilizou nossas empresas, causando o maior desemprego da nossa história e a menor taxa de crescimento dos últimos cinquenta anos. Precisamos fazer uma reforma tributária justa cobrando menos impostos de quem trabalha e produz. Temos que retomar o crescimento econômico. Reduzir as taxas de juros e nesse momento de crise concentrar o máximo de esforços pra aumentar as exportações. Vamos ter que lutar muito mas vamos tirar o país dessa crise. Tenha certeza disso. O desemprego está intimamente ligado ao desaquecimento da nossa economia. E vamos provar que temos como resolver esse problema. Pra isso, a primeira coisa a fazer é estimular a produção, aumentar as exportações e retomar o crescimento econômico que é o que o atual Governo já deveria ter feito há muito tempo. Sem produção, não há emprego. Temos que fazer também um grande pacto social colocando em volta da mesa trabalhadores, empresários, sindicato e governo em busca de alternativas. Temos que ter novas leis trabalhistas, novos estímulos à produção, incentivos fiscais, linhas de crédito, financiamento e redução de impostos. (HGPE, 19/09/2002)

Novamente, na construção do ethos de identificação apontado anteriormente por Patrick Charaudeau, é possível ver um discurso que transita por campos diferentes. O Lula “duro”, “firme”, é o mesmo “compreensivo” e “justo”.

Ao mesmo tempo, volta a insistir num apaziguamento dos conflitos. Num governo de “paz”, de “união nacional”, “sem mágoas” e “sem rancores”. A política exercida não mais como espaço de disputa de diferenças, mas exatamente como ambiente de “apagamento” dessas diferenças em nome de um bem comum.

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Lula numa versão “paz e amor”