• Nenhum resultado encontrado

Terrorismos São Paulo: EdPUC/SP, 2006 e também em AÇÃO LITERÁRIA PELA AUTODETERMINAÇÃO DOS POVO Terrorismo de Estado na Rússia Rio de Janeiro: Achiamé, 2006.

125 Entre as determinações do Ato Institucional n° 5 estavam o direito do presidente da república declarar “recesso” das

câmaras federais, estaduais e municipais, intervenção em estados e municípios, suspender direitos políticos dos cidadãos, proibição de manifestações políticas e a suspensão do direito de habeas corpus para pessoas consideradas criminosa políticas e que atentassem à “ordem nacional”.

126 Falo aqui apenas de dois volumes (Socialismo e sindicalismo no Brasil e Nacionalismo e cultura social) porque

apesar de também estar previsto no contrato para ser lançado pela Laemmert, o terceiro (Novos rumos) somente pode ser publicado posteriormente por iniciativa própria do autor e seus companheiros, devido ao fechamento de cerco do governo militar sobre aquela editora.

127 RODRIGUES, E. 2007. p. 115-116. 128 Ibid. p. 124.

à organização combativa e sindical dos trabalhadores para privilegiar a “cultura social”. Em sua apresentação, escreve Rodrigues:

Nossa contribuição não submete ao leitor apenas o exame dos movimentos grevistas, (o direito de não trabalhar), de protestos e de reivindicações sociais, recursos de que lançará mão centenas de vezes o proletariado, até 1922 para se fazer respeitar e assegurar as mínimas conquistas que o patronato burlava constantemente, mas também as suas preocupações como o ensino e a cultura para si e para os seus filhos.130

Escolas de alfabetização, grupos de teatro amador, centros culturais, publicações de jornais, a organização da Universidade Popular são exemplos dessas práticas anunciadas e discutidas ao longo do texto. Trata-se apenas de uma mudança temática escolhida pelo autor para abarcar tópicos dos movimentos operários não discutidos no livro anterior? Ou ainda um deslocamento de objetos de análise e de narrativa historiográfica provocado pela transformação das experiências dos trabalhadores nos diferentes períodos selecionados para cada obra? Esta última possibilidade não se mostra provável, pois o recorte cronológico do segundo trabalho de Rodrigues - 1913 a 1922 – mostrar-se-ia talvez tão favorável quanto o primeiro - 1675 a 1913 – para a discussão a respeito do “socialismo e sindicalismo no Brasil” devido ainda à grande força das propostas anarquistas no meio sindical, especialmente em São Paulo e também no Rio de Janeiro.131

Mais do que uma motivação aparentemente surgida do passado e reconhecida como inevitável por Edgar Rodrigues para ser descrita em seus textos, devemos compreender a mudança

temática entre suas publicações de 1969 e 1972, do sindicalismo à cultura social, como uma mudança de problemática política.

Embora as considerações de Marc Bloch acerca da escrita da história como construção de problemas – e, o que é indissociável, do momento presente de quem a realiza como o ponto inicial do recuo ao passado – serem reconhecidas hoje quase como um lugar comum na historiografia, considero que ainda há muito sobre o que refletir, e, sobretudo, realizar em pesquisa através destes

130 RODRIGUES, E. 1972. p. 22.

131 A respeito da atuação anarquista nos meios sindicais na década de 1910, ver: KHOURY, Y. As greves de 1917 em

São Paulo e o processo de organização proletária. São Paulo: Cortez, 1981; LOPREATO, C. O espírito da revolta: a

greve geral de 1917. São Paulo: Annablume, 2000; TOLEDO, E. O sindicalismo revolucionário em São Paulo e na

Itália: circulação de ideias e experiências na militância sindical transnacional entre 1890 e o fascismo. Campinas:

UNICAMP, 2002 (tese); CAMPOS, C. O sonhar libertário: movimento operário nos anos de 1917 e 1920. Campinas: UNICAMP, 1983 (dissertação); LOPES, E. Fragmentos de mulher: dimensões da trabalhadora 1900-1922. Campinas: UNICAMP, 1985 (dissertação); NASCIMENTO, R. Indisciplina: experimentos libertários e emergência de saberes anarquistas no Brasil. São Paulo: PUC/SP, 2006 (tese); SILVA, D. Ativismo de mídia no Brasil: o anarquismo na belle époque. Rio de Janeiro: UERJ, 2009 (dissertação); BARROS, M. As mulheres trabalhadoras e o anarquismo no

Brasil. Campinas: UNICAP, 1979 (dissertação); HARDMAN, F. A estratégia do desterro: situação operária e

contradições da política cultural anarquista, Brasil 1889-1922. CAMPINAS: UNICAMP, 1980 (dissertação); TOLEDO, E. O amigo do povo: grupos de afinidade e propaganda anarquista em São Paulo nos primeiros anos deste século. Campinas: UNICAMP, 1993 (dissertação).

ensinamentos.132 Em especial, penso nas relações apontadas por Bloch como profícuas para pensarmos a “história problema” para além de simples escolhas teóricas, surgidas de algo como a vontade de buscar conhecimentos sobre recortes ainda não tratados anteriormente por colegas de pesquisa. Penso em “história problema” como algo além da busca por “novidades” nas formas de abordagem ou em ocupar pontos não marcados pelos passos de outros historiadores em uma larga tapeçaria temática, mais ou menos repisada em algumas de seus espaços e bordados.

Compreendo as problematizações teóricas dos pesquisadores como indissociáveis de problematizações feitas por eles enquanto indivíduos – de formas mais ou menos voluntárias, nos mais variados graus e intensidades de explicitação – sobre suas próprias relações contemporâneas, vividas socialmente e, portanto, politicamente. Relações construídas entre presente, passado e futuro almejado que, mesmo que com o mais rígido anseio de isenção científica da disciplina “História”, não conseguem passar ao largo de que também se tratam de construções de memórias sociais. Memórias de existências específicas – como quaisquer outras criadas nas mais diversas práticas sociais, devido a sua imersão em um caldo de anseio cristalizador que é a escrita da história – mas, ainda memórias.

Dessa forma, mesmo um historiador “não-profissional” como Edgar Rodrigues não realiza uma história ingênua, levada ao sabor dos ventos vindos do passado, mas dá-lhe força e valor político e social a partir do frescor de seu próprio tempo como construção de memórias e construção de contemporaneidade. Isso não significa a impossibilidade de equívocos analíticos, incoerências teóricas ou inconsistências metodológicas, bem como simples erros no relato de acontecimentos por parte do pesquisador (o que ocorre muitas vezes com Rodrigues) – por outro lado, aparentes “erros” e “esquecimentos” durante a montagem de uma narrativa podem também revelar a historicidade da memória criada, em aspectos subjetivos do autor e sociais do momento de sua escrita.

O que chamo a atenção aqui é para a inevitabilidade dos sentidos políticos de escritas que são, ao fim, formas de subjetivação: no duplo sentido de escritas construídas através da subjetividade de indivíduos e escritas que, em seu processo de feitura, constroem subjetividades. Avançando na questão: creio, assim, ser necessário atentar para as mudanças nos rumos dados na história escrita por Edgar Rodrigues entre seu primeiro e segundo livro sobre a experiência operária e anarquista no Brasil (do “sindicalismo” à “cultura social”). É fundamental considerar essas mudanças junto às transformações nas relações sociais vividas pelo autor enquanto indivíduo e em sua subjetividade política.

Em outubro de 1969, mesmo ano de lançamento de Socialismo e sindicalismo no Brasil, a sede do CEPJO - Centro de Estudos Professor José Oiticica, organização registrada em 1958 no Rio de Janeiro por Edgar Rodrigues, Ideal Peres, Atayde da Silva Dias (Raul Vital) e outros foi arrombada e vandalizada por soldados da aeronáutica.133 Vários objetos, livros e documentos foram confiscados e/ou destruídos e mais de trinta pessoas – entre diretores, militantes e frequentadores – acusadas de crime contra a segurança nacional (segundo o decreto-lei n° 314 de 13/03/1967). Dezesseis dentre eles foram processados e Ideal Peres preso, sofreu tortura psicológica.134

O Centro de Estudos Professor José Oiticica atuava fundamentalmente nos campos cultural e educacional, oferecendo conferências, palestras e cursos de caráter humanista e científico a um público heterogêneo, não especificamente anarquista (seus eventos eram inclusive anunciados na imprensa comercial do Rio de Janeiro, como n’O Diário de Notícias). Seus temas abrangiam cursos de psicologia e psicanálise, crítica literária, educação, arte e sociologia.135

A estratégia de ação política voltada à propaganda e práticas culturais destes militantes anarquistas do Rio de Janeiro das décadas de 1950 e 1960 tornara-se uma opção de intervenção social privilegiada (embora não exclusiva) face à forte atuação nos sindicatos operários que caracterizou o movimento de fins do século XIX até a década de 1930.136

Por outro lado, mesmo que o CEPJO não se restringisse a frequentadores e apoiadores anarquistas ou se colocasse oficialmente tal – em seu Estatuto de fundação, de 1958, sua finalidade declarada era apenas o de “despertar e estimular o sentimento de elevação da personalidade, e elevando-a à prática da verdadeira solidariedade humana, para a paz e bem-estar universais” – havia o apoio a organizações anarquistas, como o Movimento Estudantil Libertário (MEL) e o Centro Internacional de Pesquisas sobre Anarquismo no Brasil.137 E foi devido a estas ligações com organizações consideradas pelo governo militar como “perigosas” em fins da década de 1960, como o MEL, que os aparentemente menos “subversivos” eventos do CEPJO começaram a ser vigiados de perto. No relato de Edgar Rodrigues:

133 Ideal Peres era filho do sapateiro anarquista espanhol Juan Peres, iniciou sua militância em meados de 1940, junto à

organização Juventude Anarquista do Rio de Janeiro e também à União Anarquista do Rio de Janeiro, tendo contribuído, inclusive, com O Archote. Raul Vital foi responsável pelo mencionado jornal anarquista de Niterói, O Archote, nos anos 1940.

134Ver mais detalhes da atuação do CEPJO em RODRIGUES, E. 2007. p. 118-130 e RODRIGUES, E. O anarquismo no

banco dos réus (1969-1972). Rio de Janeiro: VJR Editores Associados, 1993. p. 29-32.

135 RODRIGUES, E. 1993. op. cit. p. 30.

136 Em 1933, anarquistas paulistanos se organizariam também em um “centro de cultura” (o Centro de Cultura Social de

São Paulo), cujas atividades eram correlatas às do CEPJO do Rio. Ver, entre outros, AVELINO, N. Anarquistas: ética e antologia de existências. Rio de Janeiro: Achiamé, 2004 e GERALDO, E. “Práticas libertárias do Centro de Cultura Social anarquista de São Paulo (1933-1935 e 1947-1951)”. Cadernos AEL, n° 8-9, 1998. p. 165-192.

Por diversas vezes, no decorrer dos cursos e palestras realizadas semanalmente no Centro de Estudos Prof. José Oiticica, apareceram pessoas estranhas aos meios culturais. Algumas delas, valendo-se da liberdade dos debates, da praxe libertária, no final de cada conferência e/ou aula formulavam perguntas destoantes dos assuntos em pauta, deixando antever que ali haviam ido para provocar respostas capazes de comprometer a entidade. Sem sucesso, afastavam-se, para retornar tempos depois.138

Através dos documentos do inquérito e da auditoria levados adiante pela aeronáutica contra os diretores e frequentadores do Centro de Estudos,139 pode-se perceber que as propostas anarquistas em si – defendidas se não oficialmente pelo CEPJO como instituição, de facto o eram por seus integrantes – foram utilizadas pelos militares como justificativa suficiente para o enquadramento dos envolvidos na Lei de Segurança Nacional.140 O livro de Edgar Leuenroth, Anarquismo: roteiro de

libertação social, publicado pela Editora Mundo Livre – editora mantida pelo próprio CEPJO – e apreendido durante a invasão da sede do Centro, foi utilizado para demonstrar que “a implantação do regime em apreço [o anarquismo] implica na desobediência às Leis, desconhecimento das Autoridades e na queda do Estado”, sendo assim, “legítimo”, sob o ponto de vista da justiça militar do momento, o processo dos acusados.141

Conforme mencionado, a maior preocupação dos militares da aeronáutica em relação aos anarquistas cariocas não eram, em si, as palestras, cursos e conferências realizados no Centro de Estudos, mas as ligações de seus diretores e frequentadores com “ameaças” mais potencialmente imediatas, como o Movimento Estudantil Libertário. O MEL foi tomado por “ala ou departamento estudantil do CEPJO”142 e supostamente, nas palavras contidas no inquérito, durante as agitações estudantis de princípios de 1968,

...formou-se no Centro uma atividade que pelos seus feitos posteriores podemos chamá-la de subversiva. Essa atividade que recebeu a sigla MEL (Movimento Estudantil Libertário) baseado na filosofia Anarquista divulgada pelo Centro, cooperou sobremaneira com a agitação da época fazendo distribuição de panfletos dentre os quais citamos “OLHO POR OLHO, DENTE POR DENTE” redigida e impresso no próprio Centro.143

O panfleto em questão teria sido distribuído por militantes do MEL entre fevereiro e março de 1968, “por ocasião dos distúrbios que culminaram com a morte do estudante EDISON LUIZ [sic.] e o fechamento do Restaurante do Calabouço” – versão colocada segundo a afirmação oficial, de que

138 RODRIGUES, E. 1993. op. cit. p. 50.

139 Reproduzidos por Edgar Rodrigues em RODRIGUES, E. 1993. op. cit. p. 52-86.

140 INQUÉRITO policial-militar (“relatório”). p. 52. IN: RODRIGUES, E. 1993, op. cit. p. 52-58.

141 INQUÉRITO polícial-militar (“relatório”). op. cit. p. 52. Como citado, há uma versão mais recente da obra de

Leuenroth: LEUENROTH, E. Anarquismo: roteiro de libertação social. São Paulo/Rio de Janeiro: CCS-SP/Achiamé, s/d [2008].

142 PRIMEIRA auditoria da Aeronáutica da 1ª circunscrição judiciária militar. p. 61. IN: RODRIGUES, E. 1993. op. cit.

p. 59-84.

os próprios estudantes ao realizarem tais “distúrbios” é que seriam os responsáveis pela morte de Edson Luiz.144 Entre os trechos destacados pelo procurador estão incitações à resistência social contra o regime ditatorial:

Quando as hordas assassinas, êmulas dos campos de concentração nazistas se desencadeiam irracionalmente? Quando atingem o ponto em que qualquer diálogo é impossível, pela insanidade periculosa de uma alcateia, só resta aos estudantes e aos homens com um mínimo de dignidade envidar em defesa da própria existência com a política de “olho por olho, dente por dente”. (...) Conclamamos ao povo a que expulsem estes vagabundos que como estrume pardo se espalha pelas ruas. (...) Infeliz o país que tenta resolver os problemas do ensino a custa do cacetete [sic.] e da bala.145

No dia primeiro de outubro, três estudantes que frequentavam o CEPJO foram presos e forneceram os nomes de outras pessoas que também compareciam às atividades do Centro. No dia oito, os membros do MEL Eliza, Roberto e Antônio, junto a seu pai, foram presos. Antônio seria torturado com choques elétricos. Foram presos ainda outros integrantes do Movimento Estudantil Libertário, Mário Rogério Pinto, Maria Arminda Silva, Carlos Alberto da Silva e Rui Silva, esses dois últimos também torturados e espancados.146

Dessa forma, as acusações mais graves feitas aos membros processados do Centro de Estudos Professor José Oiticica foram justamente as de apoiarem mais ativamente o MEL e de serem coautores de Olho por olho, dente por dente.147 Foi o caso de Ideal Peres, primeiro secretário do CEPJO, preso na sede do DOI-CODI e tornado incomunicável por um mês devido à suposta ajuda na redação e distribuição do panfleto.148 Assim como todos os demais acusados no processo, em 1972 Ideal Peres foi absolvido por falta de provas, mas perdeu seu emprego como médico no Hospital Central do Exército.149

Na ocasião da invasão do Centro de Estudos, Socialismo e sindicalismo no Brasil ainda estava em fases de prova na editora – que inicialmente não soube do processo contra Edgar Rodrigues – e o autor ainda teve tempo para, novamente, modificar títulos de capítulos e trechos de seus conteúdos “afim de quando chegasse às livrarias não assustasse livreiros e policiais que faziam a fiscalização dos títulos.”150 O original do segundo volume, renomeado para Nacionalismo e

Cultura Social, acabou sendo apreendido pelos militares ao darem busca por documentos na casa de

144 PRIMEIRA auditoria da Aeronáutica da 1ª circunscrição judiciária militar. op. cit. p. 63. 145 PRIMEIRA auditoria da Aeronáutica da 1ª circunscrição judiciária militar. op. cit. p. 62.

146 CORRÊA , F. A militância de Ideal Peres. Disponível em < marquesdacosta.wordpress.com/artigos-do-

npmc/militancia-ideal-peres>. Acesso em 20/12/2011. Não consegui maiores informações a respeito destes estudantes.

147 Aos interessados, Edgar Rodrigues colocou anexo em seu O anarquismo no banco dos réus um outro panfleto

redigido e divulgado pelo Movimento Estudantil Libertário: O vergonhoso problema do ensino. RODRIGUES, E. 1993. op. cit. p. 156-159.

148 PRIMEIRA auditoria da Aeronáutica da 1ª circunscrição judiciária militar. op. cit. p. 62-63 e 70.

149 CORRÊA, F. A militância de Ideal Peres. Disponível em <marquesdacosta.wordpress.com/artigos-do-

npmc/militancia-ideal-peres>. Acesso em 20/12/2011.

Ideal Peres, então detido (Peres havia pedido o livro a Rodrigues anteriormente para lê-lo antes da publicação). Edgar Rodrigues, trabalhador da construção civil, só conseguiria reavê-lo após a promessa de uma troca de favores com um tenente, interessado no azulejamento de um banheiro em troca da devolução de alguns dos documentos confiscados.151 No fim, conseguiu reaver seu original após o pagamento de Cr$ 700,00 ao militar.152

Por pouco não perdido/destruído, Nacionalismo e Cultura Social também foi modificado em seu conteúdo; todas as ilustrações foram retiradas e a capa preparada para ser discreta, sem “alegorias chamativas” (um fundo azul com algumas formas geométricas sem significados aparentes). O próprio título somente foi dado posteriormente aos eventos ligados a sua apreensão.153 A editora Laemmert, como mencionado, foi alvo de vigilância do governo militar e acabou constrangida a quebrar o acordo feito com Rodrigues sobre a publicação do terceiro livro.154

Mesmo os acontecimentos envolvendo a invasão do Centro de Estudos Professor José Oiticica, fato não surpreendente para um momento de censura e repressão geral a quaisquer organizações, grupos e partidos de esquerda ou de oposição ao regime, tiveram que esperar quase uma década após o fim da ditadura militar para serem expostos de livro por Edgar Rodrigues. O

anarquismo no banco dos réus foi publicado apenas em 1993.155

Escrita da história como construção de relações sociais e formas de subjetivação políticas: metodologia e teoria em Edgar Rodrigues

Até o momento, buscamos refletir sobre a indissociabilidade entre as escolhas das questões que guiam a escrita da história por parte de um pesquisador/historiador e as problematizações feitas pelo mesmo em sua vida social. O esforço de Edgar Rodrigues para a publicação de seus livros permite – por se tratar de uma situação diversa da atual, afastada da censura e perseguições governamentais explícitas e do medo onipresente de expressarmo-nos abertamente – uma reflexão mais clara sobre essa questão.

151 RODRIGUES, E. 2007. op. cit. p. 122-123. Nestas memórias, o autor afirma que a obra ainda não tinha título na

ocasião, já em depoimento registrado em 1999 mencionara o título de Socialismo e sindicalismo no Brasil 2 (CUBERO, J et. al. s/d. op. cit. p. 25). Em qualquer caso, nosso foco na mudança de problematização do anarquista no segundo em relação ao primeiro livro mantém-se.

152 RODRIGUES, E. 1993. op. cit. p. 51, nota 27. 153 RODRIGUES, E. 2007. op cit. p. 122, 124 e 127.

154 Que foi produzido apenas seis anos depois pela Editora Mundo Livre, criada e registrada pelos anarquistas então

integrantes do CEPJO. Essa nova editora teria sido “esquecida” pela censura militar, o que permitiu a publicação de

Novos rumos em 1978. RODRIGUES, E. Novos rumos: pesquisa social 1922-1946. Rio de Janeiro: Mundo Livre, 1978.

155 Justifico assim porque me utilizei desta obra de Edgar Rodrigues de forma mais limitada que as demais: embora de

suma importância para a compreensão das práticas militantes de Rodrigues, o livro registra uma memória construída através de uma escrita da história de um período posterior ao delimitado aqui, envolvendo problemas levantados pelo autor para o anarquismo carioca e brasileiro já em um momento pós-ditadura.

Neste segmento, para além dos temas e problematizações mais gerais de Edgar Rodrigues em seus livros, como discutidas até agora, proponho a discussão mais detalhada a respeito das relações criadas por ele entre, de um lado, suas opções teóricas e metodológicas na escrita da história e, de outro, em sua prática militante, a criação de sua subjetividade política. Relação compreendida como inseparável das diversas conexões criadas pelo anarquista que ligam seu presente, passado e futuro através do exercício da memória.

Em seus três livros iniciais sobre a história da experiência operária e anarquista no Brasil, publicados nas décadas de 1960 e 1970 – recorte que escolhi dentre outros possíveis -, Edgar Rodrigues transparece pelo menos duas relações diversas (mas não desassociadas entre si) criadas na composição de sua contemporaneidade.156 Relações vividas como problematizações políticas sobre seu presente e que, em sua prática de escrita da história, gera discussões a respeito da construção do passado na historiografia.

Primeira relação: o sentimento de angústia de Rodrigues, mencionado anteriormente ao, já no Brasil e após quase uma década envolvido com a militância anarquista no Rio de Janeiro, buscar informações, documentos, depoimentos de velhos militantes para registro de suas experiências e deparar-se com a ausência desses indícios e testemunhos do passado. Há uma problematização política – que se tornaria também uma problematização historiográfica – de um esquecimento entendido, como diz Paul Ricoeur, “numa primeira instância”: a ser combatido pela construção de memória.157 Algo correlato à relação mencionada pelo filósofo como “esquecimento por apagamento

Documentos relacionados