Capítulo III: Partição alimentar entre cinco espécies de linguados (Actinopterygii,
CAPTURADOS ANALISADOS Espécie 1º ciclo 2º ciclo TOTAL 1º ciclo 2º ciclo TOTAL
S. tessellatus F p-level Post hoc Tukey
Estação 2,831 0,042 I(3,81)> O(2,22)> V(1,96)> P(1,18)
ANO 1 Zona 2,768 0,068
E x Z 1,706 0,128
Estação 4,739 0,006 O(4,72)> V(2,33)> P(2,22)> I(0,83)
Zona 10,189 0,0002 ZE(4,58)> ZI(1,79)> ZC(1,21)
Turno 0,013 0,911
ANO 2 E x Z 1,661 0,151
E x T 2,578 0,065
Z x T 1,922 0,157
E x Z x T 0,233 0,964
Tabela 6 – Análise de variância (ANOVA) e teste “a posteriori” de Tukey para a comparação do número de indivíduos por arrasto de Symphurus tessellatus (S. tessellatus) entre as estações do ano (E), zona de coleta (Z) e turno (T), na Baía de Sepetiba, RJ, entre os ciclos de 1998/1999 (1º ciclo) e 2000/2001 (2º ciclo). Estação: P= primavera, V= verão, O= outono, I= inverno; Zonas de coleta: ZI= zona interna, ZC= zona central, ZE= zona externa.
4. DISCUSSÃO
A separação espacial parece ser uma estratégia utilizada pelos Pleuronectiformes para coexistência na Baía de Sepetiba com as espécies de Achiridae (Achirus lineatus e Trinectes paulistanus) utilizando a zona interna, enquanto Citharichthys spilopterus, Etropus crossotus e Symphurus tessellatus apresentaram ampla distribuição nas três zonas, com estas duas últimas espécies se concentrando na zona externa.
Diferenças na distribuição espacial das espécies parecem estar associadas a condicionantes bióticas, como disponibilidade dos recursos alimentares e interações bióticas, bem como com aquelas de natureza abiótica, como a capacidade de se adaptar às condições físico-químicas da água e a de tolerar estresse ambientais. Na Baía de Sepetiba foi detectado por ARAÚJO et al. (2002) um gradiente ambiental através do qual foram
definidas as três zonas: uma interna com menores salinidades (<30), profundidades (<5 m), transparências (< 2m) e temperatura um pouco mais elevada, em oposição à zona externa com maiores salinidades (>30), profundidades (>10), transparências (>3 m) e temperaturas um pouco mais baixas; uma zona de transição (zona central) também foi detectada com valores intermediários para estas variáveis ambientais.
Os Achiridae (A. lineatus e T. paulistanus) são comumente classificados como espécies que utilizam áreas estuarinas ou de baixa salinidade para reprodução, criação e sobrevivência (MILLER et al. 1991). Este fato foi corroborado neste trabalho, com a
presença destas espécies em maior abundância na zona interna da Baía, que constitui local de maior influência de rios e canais de marés (SILVA et al. 2003). Também a presença de
sedimento predominantemente lamoso da zona interna da Baía (BARROSO, 1989) parece ser
a maioria das espécies de linguados estão associadas com um tipo particular de sedimento, sendo este um importante fator no controle da distribuição. Esta dependência do sedimento é provavelmente relacionada com a distribuição de presas e a habilidade de se enterrarem (GIBSON &ROBB, 1992). A pigmentação mais escurecida dos Achiridae é mais um fator
que confirma a maior adaptação dos Achiridae aos fundos lamosos do interior de baías, já que o mimetismo tem sido descrito para os linguados como um mecanismo bastante utilizado para exploração do sedimento (HELFMAN et al., 1997).
Citharichthys spilopterus, por outro lado, é uma espécie tipicamente marinha, embora seja encontrada regularmente em águas salobras (CASTILLO-RIVERA et al., 2000). Na Baía de Sepetiba, exemplares desta espécie foram amplamente encontrados nas três zonas de amostragem, entretanto, os maiores indivíduos (CP >130 mm) foram mais abundantes na zona interna. Concomitante a isto, ALLEN &BALTZ (1997) encontraram na
Baía de Barataria (Louisiana), uma separação entre os indivíduos desta espécie, com os menores exemplares associados a áreas de alta salinidade, o que coincide com o encontrado no presente trabalho. Separações espaciais dentre e entre as fases jovem e adulta é um fenômeno comum na história de vida de muitas espécies (GIBSON, 1997).
Etropus crossotus e Symphurus tessellatus, assim como C. spilopterus, apresentaram ampla distribuição na Baía de Sepetiba, entretanto, os exemplares destas espécies foram mais abundantes na zona externa, que apresenta as maiores taxas de salinidade (ARAÚJO et al., 2002). Ambas as espécies são mais abundantes em ambientes de
alta salinidade, embora indivíduos de menor tamanho sejam encontrados em locais de baixa salinidade (ALLEN &BALTZ, 1997; MUNROE, 1998), o que não foi verificado na Baía.
Variações interanuais nos padrões de distribuição foram pouco evidentes na abundância relativa das espécies. Não obstante o segundo ciclo anual tenha apresentado menor tamanho amostral, com 36 amostras a menos do que o primeiro ciclo, e tenha incluído amostras do período noturno, os maiores decréscimos foram registrados para C. spilopterus e E. crossotus. O hábito diurno destas espécies (BEYST et al., 1999) pode ser
um dos fatores responsáveis por este decréscimo. Por outro lado, os Achiridae, que apresentam hábitos noturnos (DE GROOT, 1971), contribuíram para a pequena variação na
abundância relativa entre os dois ciclos. Convém salientar que o maior número de Trinectes paulistanus no primeiro ciclo anual se deve a uma única amostra onde excepcionalmente foram capturados 121 indivíduos.
Variações diurnais são consideradas menos importantes que as sazonais (PIET et al., 1998). No entanto, diversos trabalhos mencionam variações diurnais para os Pleuronectiformes, associados principalmente com a disponibilidade de luz, que exerce forte influência na migração, distribuição, alimentação e crescimento deste grupo (CHAMPALBERT &LE DIREACH-BOURSIER, 1998; BEYST et al.,1999; REICHERT, 2003).
Mudanças sazonais foram observadas para S. tessellatus nos dois ciclos anuais e C. spilopterus apenas no primeiro. No primeiro ciclo, S. tessellatus apresentou maior abundância de indivíduos no inverno e outono e no segundo ciclo, no outono e verão. Embora existam informações de que o outono-verão seja o período reprodutivo do co- genérico Symphurus plagiusa no Atlântico Norte (MILLER et al., 1991), informações sobre
picos de abundância em função da reprodução são inexistentes para esta espécie na costa brasileira, o que torna especulativo explicações sobre estas maiores abundâncias outonais na Baía de Sepetiba.
5. CONCLUSÕES
1. Os Pleuronectiformes de maior abundância relativa na Baía de Sepetiba foram Etropus crossotus e Symphurus tessellatus, seguidos de Trinectes paulistanus e Citharichthys spilopterus enquanto Achirus lineatus foi a espécie que apresentou menor abundância; diferenciação nos padrões espaço-temporais de distribuição foram detectados.
2. Variações nos padrões espaciais de uso da Baía foram mais evidentes, para A. lineatus e T. paulistanus que apresentaram maior abundância na zona interna e, E. crossotus na zona externa; C. spilopterus e S. tessellatus foram mais amplamente distribuídos, com esta última espécie apresentado maior abundância na zona externa.
3. Indicações de sazonalidade nos dois ciclos anuais foram determinadas para S. tessellatus, com maiores abundâncias no outono.
4. Variações diurnais parecem não influenciar na abundância destas espécies, com indicações de maiores abundâncias durante o período noturno apenas para os componentes da família Achiridae.
5. Variações por tamanho foram pouco evidentes, embora indícios de grupos de maior tamanho de C. spilopterus tenham sido detectados na zona interna.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALLEN,R.L.&BALTZ,D.M.Distribution and microhabitat use by flatfishes in a Louisiana
estuary. Environmental Biology of Fishes, v. 50, p. 85-103. 1997.
ARAÚJO,F.G.;AZEVEDO,M.C.C.;SILVA,M.A.;PESSANHA,A.L.M.;GOMES,I.D.;CRUZ-
FILHO, A. G. Environmental influences on the demersal fish assemblages in the
Sepetiba Bay, Brazil. Estuaries, v. 25, n. 3, p. 441-450. 2002.
AZEVEDO, M.C. C.;ARAÚJO, F.G.; PESSANHA, A.L. M.;SILVA, M. A.Co-occurrence of
demersal fishes in a tropical bay in southeastern Brazil: A null model analysis. Estuarine, Coastal and Shelf Science, v. 66, p. 315-322. 2006.
BARROSO,L.V.Diagnóstico ambiental para a pesca de águas interiores no Estado do Rio de
Janeiro. MINTER/IBAMA-RJ/ACUMEP, Rio de Janeiro: 1989. p. 177.
BEYST,B.;CATTRUSSE,A.;MEES,J.Feeding ecology of juvenile flatfishes of the surf zone
of a sandy beach. Journal of Fish Biology, v. 55, p. 1171-1186. 1999.
CASTILLO-RIVERA,M.;KOBELKOWSKY,A.;CHÁVEZ,A.M.Feeding biology of the flatfish
Citharichthys spilopterus (Bothidae) in a tropical estuary of Mexico. Journal Applied Ichthyology, n. 16, p. 73-78. 2000.
CHAMPALBERT,G.;LE DIREACH-BOURSIER,L.Influence of light and feeding conditions on
swimming activity rhythms of larval and juvenile turbot Scophthalmus maximus L.: An experimental study. Journal of Sea Research, v. 40, p. 333-345. 1998.
CHAVES, P. T. C. & SERENATO, A. Diversidade de dietas na assembléia de linguados
(Teleostei, Pleuronectiformes) do manguezal da Baía de Guaratuba, Paraná, Brasil. Revista Brasileira de Oceanografia, v.46, n.1, p. 61-68. 1998.
DE GROOT,S.J.On the interrelationship between morphology of the alimentary tract, food
and feeding behaviour in flatfishes (Pisces: Pleuronectiformes). Netherlands Journal of Sea Research, v. 5, p. 121-196. 1971.
FIGUEIREDO,J.L.&MENEZES,N.A. Manual de peixes marinhos do sudeste do Brasil. IV.
Teleostei (5). Museu de Zoologia, Universidade de São Paulo, 2000. p. 116.
GIBSON, R. N. Impact of habitat quality and quantity on the recruitment of juveniles
flatfishes. Netherlands Journal of Sea Research, v. 32, n. 2, p. 191-206. 1994.
GIBSON, R. N. Behaviour and distribution of flatfishes. Journal of Sea Research, v. 37,
GIBSON,R.N.&ROBB,L.The relationship between body size, sediment grain size and the
burying ability of juvenile plaice, Pleuronectes platessa L. Journal of Fish Biology, v. 40, p. 771-778. 1992.
HELFMAN,G.S.;COLLETTE,B.B.;FACEY,D.E.The diversity of fishes. Malden: Blackwell Science, 1997. p. 528.
MENDONÇA, P.&ARAÚJO, F.G. Composição das populações de linguados (Osteichthyes,
Pleuronectiformes) da Baía de Sepetiba, Rio de Janeiro, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia, v. 19, n. 2, p. 339-347. 2002.
MILLER,J.M.;BURKE,J.S.;FITZHUGH,G. R.Early life history patterns of Atlantic North
American flatfish: likely (and unlikely) factors controlling recruitment. Netherlands Journal of Sea Research, v. 27, n. 3-4, p. 261-275. 1991.
MUNROE, T. A. Systematics and ecology of tonguefishes of the genus Symphurus
(Cynoglossidae: Pleuronectiformes) from the western Atlantic Ocean. Fishery Bulletin, Seattle, v. 96, n. 1, p. 1-182. 1998.
PAULY, D. 1994. A framework for latitudinal comparisons of flatfish recruitment.
Netherlands Journal of Sea Research, v.32, p. 107-118.
PESSANHA,A.L.M.;ARAÚJO,F.G.;AZEVEDO,M.C.C.;GOMES,I.D.Variações temporais
e espaciais na composição e estrutura da comunidade de peixes jovens da Baía de Sepetiba, Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Zoologia, v. 17, n. 1, p. 251-261. 2000.
PIET, G. J.; PFISTERER, A. B.; RIJNSDORP, A. D. On factors struturing the flatfish
assemblages in the southern North Sea. Journal of Sea Research, v.40, p. 143-152. 1998.
REICHERT, M. J. M. Diet, consumption and growth of juvenile fringed flounder (Etropus
crossotus): a test of the ‘maximum growth/ optimum food hypothesis’ in a subtropical nursery area. Journal of Sea Research, v. 50, p. 97-116. 2003.
REICHERT,M.J.M.&VAN DER VEER,H.W.Settlement, abundance, growth and mortality
of juvenile flatfish in a subtropical tidal estuary (Georgia, U.S.A.). Netherlands Journal of Sea Research, v. 27, n. 3-4, p. 375-391. 1991.
SILVA, M.A.;ARAÚJO, F.G.; AZEVEDO,M. C.C.;MENDONÇA, P. Distribuição espacial e
temporal de Cetengraulis edentuluus (Cuvier) (Actinopterygii, Engraulidae) na Baía de Sepetiba, Rio de Janeiro, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia, v. 20, n. 4, p. 577- 581. 2003.
SWITZER,T.S.;BALTZ,D.M.;ALLEN,R.L.;MUNROE,T.A.Habitat selection by sympatric
seasonal, spatial and size-specific patterns in resource utilisation. Journal of Sea Research, v. 51, p. 229-242. 2004.
VAN DER VEER,H.W.;ALIAUME,C.;MILLER,J.M.;ADRIAANS,E.J.;WITTE,J.I;ZERBI,A.
Ecological observations on juvenile flatfish in a tropical coastal system, Puerto Rico. Netherlands Journal of Sea Research, v. 32, n. 3-4, p. 453-460. 1994.
YAZDANI,G.M. Adaptation in the jaws of flatfish (Pleuronectiformes). Journal of Zoology,
v. 159, n. 2, p. 181-222. 1969.