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SUBSTRATO RISCO

4.11 Teste de citotoxicidade in vitro

A norma ISO 10993 formula as regras e sugere alguns testes para avaliar os efeitos biológicos adversos de materiais (metais, cerâmicas, polímeros ou compósitos) utilizados em dispositivos médicos. Segundo a parte 1 da referida norma, o teste de citotoxicidade in vitro deve ser um dos ensaios iniciais para avaliar a biocompatibilidade de qualquer biomaterial. Após a verificação da ausência de toxicidade, o estudo da biocompatibilidade do biomaterial pode prosseguir com a realização de outros ensaios in vitro (genotoxicidade, hemocompatibilidade, etc.) e in vivo em animais de laboratório (sensibilidade, implante, etc.). Algumas vantagens do teste de citotoxicidade incluem a rapidez, a sensibilidade (capacidade de distinguir entre materiais tóxicos e não tóxicos) e o baixo custo.

Os testes de citotoxicidade in vitro se baseiam no contato do biomaterial ou do seu extrato com uma cultura celular de mamíferos. As alterações celulares são verificadas por diferentes mecanismos tais como a incorporação de um corante vital ou a inibição da formação de colônias celulares. A viabilidade celular é o parâmetro mais utilizado para avaliar a toxicidade do material. As membranas celulares podem ser danificadas por muitas substâncias, resultando na diminuição da captura de um corante vital. Assim, a quantificação das células vivas,

danificadas ou mortas pode ser efetuada pela intensidade de cor da cultura celular em um espectrofotômetro (Rogero et al. 2003).

No presente trabalho, o teste de citotoxicidade in vitro foi baseado na avaliação quantitativa de células viáveis depois de expostas ao extrato do biomaterial, por incubação com um corante supravital chamado MTS (3-(4,5- dimetiltiazol-2-y)5-(3-carboximetoxifenil)-2-(4-sulfofenil-2H-tetrazolio) e um reagente de acoplamento eletrônico PMS (metassulfato de fenazina). O MTS é bioreduzido por células a um produto formazan que é solúvel no meio de cultura do tecido. A análise colorimétrica do corante incorporado é, então, realizada. A quantidade de MTS (marcador da viabilidade celular) absorvida pela população de células, é diretamente proporcional ao número de células viáveis na cultura. A toxicidade induzida pela amostra sob teste é medida em uma faixa de concentrações de extrato do biomaterial e a concentração que produz uma redução em 50% da absorção de MTS é tomada como o parâmetro de toxicidade (Cory et al. 1991).

O extrato do aço 316L sem revestimento e com revestimentos de TiN, TiCN e DLC foi preparado de acordo com a norma ISO 10993-5, que preconiza uma razão entre a área da superfície e o volume do veículo de extração no intervalo de 0,5 a 6,0 cm2/mL. Amostras de 4 cm2 foram esterilizadas por autoclavagem a 1200

C por 20 min e então 4 mL de RPMI 1640 foram adicionados e incubados a 370 C

por 48 h. O extrato obtido foi empregado no teste de citotoxicidade com uma cultura de células de ovário de hâmster chinês (CHO K1).

As células CHO foram cultivadas em meio RPMI 1640 contendo 10% de soro fetal bovino (SFB) e 1% de antibiótico (penicilina/estreptomicina). Uma microplaca de cultura celular com 96 poços foi preparada com diluições crescentes (100, 50, 25, 12,5, e 6,25%) do extrato do biomaterial (50 µl/poço, 4 poços/cada diluição). Em seguida, 50 µl da suspensão celular (3000 células) foram dispensadas nos poços. Colunas de controle de quatro poços foram preparadas com o meio sem células (branco) e meio mais células (controle negativo). A

microplaca foi incubada sob atmosfera úmida de 5% de CO2. Após 72h, 20 µl de

tamponada de fosfato) foi adicionada aos poços e deixada por 2 h. A incorporação do corante foi medida pela leitura de absorbância a 490nm em leitor de

microplacas contra a coluna do branco. O índice de citotoxicidade (IC50%) foi

estimado por interpolação, como a concentração do extrato que resulta em 50% de inibição da absorção de MTS, após a construção de um gráfico com a média de porcentagem de células vivas contra a concentração do extrato (%). Paralelamente ao ensaio, uma solução de fenol 0,3% e uma placa de titânio foram usadas, respectivamente, como controles positivo e negativo.

4.12 Genotoxicidade

Segundo Johnson et al. (1998), agente genotóxico é aquele que causa mutação, ou seja, alteração em qualquer parte da estrutura do DNA de uma célula que resulta em mudanças permanentes hereditárias da função celular. Quando se considera a aplicação de um biomaterial, a parte 3 da norma ISO 10993 recomenda a realização de testes que sejam capazes de avaliar sua genotoxicidade. A avaliação da biocompatibilidade de um material projetado para entrar em contato íntimo com o corpo humano, seja de modo temporário ou permanente, sem considerar seus possíveis efeitos sobre o material genético das células é incompleta. Daí a importância da realização do teste de genotoxicidade.

Porém, antes de descrever o teste, é preciso comentar que ele foi realizado apenas para o aço 316L com revestimento de TiCN. O teste é bastante laborioso, especialmente a etapa de avaliação dos núcleos celulares. Por esta razão, apenas um dos revestimentos foi avaliado. A escolha do TiCN se baseou no fato de que a literatura científica traz informações mais escassas sobre seu uso em aplicações biomédicas quando comparadas aos revestimentos de TiN e DLC.

Os testes citogenéticos in vitro fornecem informações sobre o potencial mutagênico de agentes químicos e físicos. Neste trabalho, foi utilizado o teste do micronúcleo. Ele é um teste de mutagenicidade utilizado para a detecção de substâncias químicas que induzem a formação de pequenos fragmentos de DNA envolvidos por membranas, tais como micronúcleos no citoplasma de células

mitóticas. Esses micronúcleos podem se originar de fragmentos cromossômicos acêntricos ou de cromossomos inteiros que não foram incluídos no núcleo principal. O ensaio tem, portanto, o potencial de detectar a atividade tanto de espécies clastogênicas (produzem quebras cromossômicas) quanto aneugênicas (interferem na mitose celular). Ambas as espécies afetam a divisão celular, provocando alterações cromossômicas. A citocalasina B (Figura 4.12.1a), um composto inibidor da polimerização da proteína actina, leva ao bloqueio da citocinese (contração do citoplasma e clivagem da célula em duas células filhas), mas não da divisão celular. Isso resulta em um acúmulo de células binucleadas a partir de células que passaram por apenas um ciclo de divisão. A presença dos micronúcleos é, portanto, um indicativo de alterações cromossômicas, enquanto a presença de células binucleadas indica um processo normal de divisão celular (Fenech 2000).

Segundo a metodologia recomendada para o teste, uma cultura celular deve ser exposta às amostras sob teste na presença e na ausência de um sistema de ativação metabólica apropriado. O sistema mais usado é uma fração pós- mitocondrial co-fator-suplementada (S9) obtida a partir do fígado de roedores tratados com agentes indutores de enzimas (OECD 2004). Esse sistema contém uma mistura de diversas enzimas e é capaz de converter espécies químicas não mutagênicas em mutagênicas, após a ativação metabólica. Daí a recomendação de seu uso no teste. Para ser considerado não genotóxico, o agente sob estudo não deve induzir alterações cromossômicas mesmo após o contato com o sistema de ativação metabólica.

São empregados também controles positivos (substâncias potencialmente genotóxicas). Na presença de S9 (com ativação metabólica), o controle positivo é o composto benzopireno (clastogênico). Sua estrutura é mostrada na Figura 4.12.1b. Na ausência de S9, os controles positivos são a mitomicina C (clastogênico) e a colchicina (aneugênico), cujas estruturas são mostradas nas Figuras 4.12.1c e 4.12.1d, respectivamente.

4.12.1 Cultura celular

Foram usadas células de ovário de hâmster chinês (CHO-K1). Elas foram mantidas em meio RPMI 1640 suplementado com antibióticos e antimicóticos (100 unidade/mL de penicilina, 100 µg/mL de estreptomicina e 0.025 µg/mL de anfotericina), 1mM de glutamina e 10% de soro fetal bovino a 37ºC em uma

atmosfera de umidade de 5% de CO2. Para os experimentos, as células foram

colhidas usando 0,05% de tripsina e 0,02% de EDTA em solução tamponada de fosfato com pH 7,4. a) e) b) c) d)

Figura 4.12.1. Estruturas químicas: a) citocalasina B; b) benzopireno; c) mitomicina C e d) colchicina.

4.12.2 Procedimento de Teste

O procedimento seguido foi o teste do micronúcleo in vitro como recomendado pelas normas ISO 10993-3 e OECD-487. O teste foi realizado em placas de cultura de 6 poços com e sem sistema de ativação metabólica S9. As

células CHO-K1 foram cultivadas até uma concentração de 5 x104 células/poço e

incubadas por 24 horas a 37ºC em uma atmosfera de umidade de 5% de CO2. O

soluções controles, e com as concentrações de 100% e 33% dos extratos do aço 316L com revestimento de TiCN.

Ensaio com ativação metabólica S9

O sistema de ativação metabólica S9 foi adicionado às placas, as quais incluíram benzopireno como controle positivo. As culturas foram levadas à incubadora por 4 horas. Após o período de tratamento, a cultura celular foi removida por aspiração e as células foram lavadas com solução tamponada de fosfato (PBS) de pH 7,4 e preenchidas com o meio completo contendo citocalasina B (3 µg /ml). As culturas foram, então, mais uma vez levadas à incubadora por um período adicional de 20h. A seguir, as células foram submetidas a um procedimento de subcultura, como descrito abaixo para a preparação de lâminas para análise em microscópio ótico.

Ensaio sem ativação metabólica S9

Placas contendo o extrato do aço 316L com revestimento de TiCN em concentrações de 100% e 33% além de mitomicina C (MMC) e colchicina como controles foram incubadas por 4h com as células. Em seguida, uma solução de citocalasina B foi adicionada aos poços até uma concentração final de 3µg / mL. As culturas foram então novamente incubadas por um período de 20h. Após esta incubação, as células foram submetidas a um procedimento de subcultura, como descrito abaixo, para a preparação de lâminas para análise em microscópio ótico.

Preparação das lâminas e análise

A suspensão celular foi inicialmente lavada com 5mL de uma solução salina 0,9%p e, após 5 minutos, as células foram fixadas pela adição de 5mL de metanol/ácido acético (3:1 em volume) por 5 minutos. As células foram tratadas com a solução fixadora por mais 3 vezes, sendo centrifugadas e suspensas por sucção e expulsão com uma pipeta Pasteur. Finalmente, foram distribuídas sobre lâminas úmidas e limpas de vidro identificadas e colocadas sobre um banho termostatizado a 65ºC por 3 minutos. Após a secagem em temperatura ambiente,

as lâminas foram coradas por 15 minutos com Giemsa 5%, lavadas em água destilada, codificadas e analisadas em um microscópio ótico com 400x de aumento. As células mononucleadas, binucleadas e multinucleadas foram contadas para determinação do índice de proliferação celular (IPC) conforme a equação (6). Exemplos destes tipos de células são mostrados na Figura 4.12.2. Para análise estatística foi usada a proporção binomial.

IPC = nº de células mononucleadas + 2 x nº células binucleadas + 3 x nº de células multinucledas (6) número total de células

a) b)

Mononucleadas Binucleadas com 1

micronúcleo

Micronúcleo

Binucleada sem micronúcleo Micronúcleo

Figura 4.12.2. Fotos mostrando exemplos das células contadas para determinação do índice de proliferação celular no teste de genotoxicidade: (a) células binucleadas com um micronúcleo e mononucleadas; b) célula binucleada sem micronúcleo.