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2. REVISÃO DA LITERATURA

2.2 TESTES PROVOCATIVOS

2.2.1 Teste de Perfusão Ácida

Foi inicialmente descrito por Bernstein e Baker133 em 1958 e por isso

descreveram o teste como um método de reprodução de dor esofagiana visando diferenciá-la objetivamente da angina cardíaca e de outras formas de dor torácica.

Como originalmente descrito, o teste era realizado com o paciente sentado, sendo passado um catéter nasogástrico de maneira que a sua abertura se localizasse no esôfago médio. Em primeiro lugar era infundida uma solução salina por um período de 15 a 30 min a um gotejamento de 6 a 7,5 ml/min. A seguir procedia-se a infusão de solução de ácido clorídrico a 0,1 N, com o mesmo gotejamento, por mais 30 min ou até que os sintomas do paciente fossem reproduzidos. O teste era considerado positivo se dor, queimação ou outro sintoma principal do paciente fosse desencadeado com a infusão ácida e não com a solução salina.

Neste primeiro estudo realizado em 55 pacientes, o teste foi positivo em 23 (42%), havendo uma boa correlação entre sua positividade e a presença de sintomas típicos de DRGE.

Ao longo dos anos muitas modificações foram introduzidas no TPA134,

sendo atualmente realizado no decúbito dorsal, geralmente seguindo-se ao exame de EMN e utilizando-se o mesmo catéter. Existe grande variabilidade na metodologia empregada, variando a velocidade do gotejamento, a duração da infusão e a necessidade de alívio do sintoma com a infusão salina para critério de positividade.

Foram propostas várias formas de mensurar a sua resposta, utilizando-se de três parâmetros: 1) o tempo de demora, isto é, o intervalo de tempo entre o início da infusão ácida e a percepção inicial do sintoma em segundos; 2) a intensidade sensorial, que é a intensidade do sintoma ao final da perfusão de ácido clorídrico, variando numa escala de 0 a 20 e 3) o escore sensorial de perfusão ácida, traduzido

pelo tempo de demora X intensidade/100. A significância clínica destes parâmetros ainda não está plenamente estabelecida135.

A etiologia da pirose ou dor torácica surgidas durante o TPA permanece controversa, discutindo-se várias possibilidades, como a existência de alterações motoras induzidas pelo ácido, o contato do próprio ácido com uma mucosa lesada e o aumento da sensibilidade esofagiana.

Durante algum tempo o sintoma foi atribuído a um “espasmo” esofagiano

induzido pelo ácido136, uma vez que foram observadas anormalidades motoras em

pacientes com TPA positivo, sugerindo que estas alterações teriam papel na

produção do sintoma137. Outros investigadores não encontraram os mesmos

resultados138, 139.

Mais recentemente, um estudo avaliou as ondas de pressão e os achados de ultra-sonografia intraluminal de alta freqüência em 10 portadores de pirose crônica com TPA positivo e observou que a amplitude e duração das contrações esofagianas, assim como a espessura da camada muscular própria foram maiores

durante a infusão ácida do que durante a infusão salina140. Identificou-se também

contrações esofagianas sustentadas concomitantes à infusão de ácido. Todos estes achados aumentaram com a realização de um segundo TPA, sugerindo que a presença de ácido no esôfago induziria a um estado de hipersensibilidade.

Smith et al demonstraram que, quanto mais alto o pH da solução infundida, maior o tempo decorrido entre o início da infusão e o surgimento do sintoma. Além disso, todos os pacientes, em seu estudo, sentiram dor com soluções

de pH 1 e 1,5 e 80% referiram o sintoma com a solução de pH 2141. Estes achados

reafirmam o papel principal do ácido como precipitante dos sintomas na DRGE, que parecem ser dependentes do pH.

Alguns autores observaram que a sensibilidade esofagiana diminuía após

a terapia de supressão ácida com omeprazol13 e famotidina142. Por outro lado,

indivíduos saudáveis apresentaram um aumento na percepção esofagiana ao ácido após a perfusão ácida do esôfago, confirmando a hipótese de que a exposição esofagiana ao ácido aumenta a quimio-sensibilidade10. Drewes et al relataram que a infusão de ácido gerou também um aumento da sensibilidade ao estímulo mecânico, resultando em alodinia e hiperalgesia à distensão do balão. O grau de sensibilização foi relacionado ao volume de ácido infundido143.

A maior parte dos trabalhos iniciais incluiu indivíduos baseando-se apenas nos sintomas clínicos, sem considerar a presença de esofagite, encontrando uma boa correlação clínica para o TPA, com sensibilidade que variou de 42% a 100% e especificidade de 50 a 100%134.

Em um estudo com avaliação endoscópica 144, o TPA foi positivo em todos

os 15 pacientes com esofagite de refluxo, mas em apenas 10 dos 15 pacientes com esôfago de Barrett. Isto pareceu conflitante no início, mas é coerente com o fato de que pacientes com esôfago de Barrett apresentam menor sensibilidade 12, 145.

Na verdade, com o surgimento da pHm na década de 1970, o padrão-ouro para o diagnóstico de DRGE passou a ser este exame e a relação entre a presença de ácido no esôfago e a sensação de pirose foi avaliada através do IS, encarado por alguns como um “TPA endógeno”. Jung et al submeteram 93 pacientes com pirose aos exames de pHm e TPA e observaram que não existiu correlação entre a positividade do IS e do TPA, assim como o IS não se relacionou com o escore de gravidade do teste de Bernstein. Os autores sugeriram que esta falta de correlação entre a pirose espontânea e a pirose induzida se deveria à presença de outros estímulos no refluxato que não existiriam no TPA, como pepsina, ácidos biliares,

enzimas pancreáticas, assim como a possibilidade de distensão por diferentes volumes refluídos e a ocorrência de eventos motores como contrações esofagianas sustentadas146.

Outro estudo avaliou o papel do TPA em pacientes com DRGE, comparando valores de IS, índice de sensibilidade do sintoma (ISS) e probabilidade de associação do sintoma (PAS) em 126 pacientes com TPA positivo e 146 pacientes com TPA negativo. A média dos valores de IS, ISS e PAS foi significantemente maior no grupo com TPA positivo e a maioria dos pacientes com índices positivos pertencia ao grupo de TPA positivo. O valor preditivo negativo do teste foi de 86%, determinando que seria muito improvável que pacientes com TPA negativo tivessem sintomas causados pelo refluxo ácido. Os autores sugeriram, inclusive, que o TPA poderia ser útil para identificar a presença de sensibilidade ao

ácido em pacientes que não reportassem sintomas durante a pHm147.

Muitos autores, inclusive nacionais, preconizam o uso do TPA na investigação de dor torácica de origem indeterminada (DTOI)148, 149. Hewson et al150, utilizando a pHm como padrão de referência, avaliaram o papel do TPA no diagnóstico de DRGE em pacientes com DTOI e com esofagite endoscópica. Os autores afirmaram que a pHm tornou o TPA obsoleto na investigação de DRGE como causa de DTOI. Segundo eles, o TPA teria sua grande utilidade na demonstração de sensibilidade esofagiana ao ácido, o que não significa necessariamente presença de DRGE, embora os dois, com freqüência, coexistam.

O mesmo grupo de pesquisadores151, dois anos mais tarde, comparou

novamente o TPA com a pHm em pacientes com DTOI. Embora tivesse excelente especificidade (83 a 94%), o TPA demonstrou baixa sensibilidade (32 a 46%) quando comparado com o IS, independente do nível adotado (25%, 50% ou 75%). A

modificação do critério de resposta para incluir a pirose melhorou a sensibilidade (52 a 67%) às custas do comprometimento da especificidade. Assim, mais uma vez afirmaram que a pHm com análise do IS era superior ao TPA para identificar o esôfago ácido-sensível em pacientes com DTOI.

Algumas limitações do método podem ser responsáveis pela sua menor sensibilidade no diagnóstico da DRGE, como o fato de avaliar apenas o ácido e não levar em conta o efeito de outras substâncias endógenas refluídas e não considerar situações fisiológicas do dia a dia que aumentariam o refluxo, como o período pós-prandial, outras substâncias exógenas e atividade física. Além disso, a DRGE grave

e o esôfago de Barrett podem ser causas de teste falso negativo152, ao passo que

falsos positivos podem ocorrer em casos de úlcera péptica e gastrite153.

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