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4. Resultados e Discussão

4.3. Testes de atividade biológica

Um dos primeiros bacteriófagos isolados que se mostrou promissor para uso terapêutico foi o fago denominado Shfl1. Sua impressionante capacidade lítica pôde ser exemplificada por seu primeiro plaqueamento, tendo eliminado todas as bactérias na placa onde foi depositado. Este fago apresenta títulos altos, em geral superiores a 108 PFU/ml, e é bastante estável em propagações laboratoriais, além de possuir um ciclo replicativo bem curto. Foi utilizado também para quase todos os testes de caracterização biológica (item 4.2). Portanto, buscou-se estudar detalhadamente sua atividade em modelos biológicos complementares.

Primeiramente, objetivando o uso terapêutico, buscou-se estudar a dinâmica deste fago e de seu hospedeiro através do teste de infecção bacteriana de células eucarióticas em cultura. A terapia com fagos, conforme discutido anteriormente representa uma alternativa redescoberta recentemente, sendo digna de avaliações mais aprofundadas a respeito de sua viabilidade. Diversos estudos descritos na literatura abordam esta prática e enfocam aspectos interessantes desta alternativa terapêutica, sendo que alguns destes apresentam resultados muito encorajadores. Que é de nosso conhecimento, o estudo mais avançado neste sentido encontra-se em testes de fase II nos Estados Unidos, e propõe a utilização de um bacteriófago (ENB6) na terapia de infecções causadas por Enterococcus faecalis resistentes a vancomicina, infecções estas virtualmente intratáveis na atualidade (Bradbury, 2004).

Como primeiro passo para estudos terapêuticos, optamos por um ensaio utilizando células HeLa infectadas com uma linhagem invasiva de S. flexneri. Apesar de não mimetizar um ambiente in vivo, com um sistema imune funcional, este ensaio introduz níveis adicionais de complexidade, envolvendo novas variáveis dentro de um cenário terapêutico. O bacteriófago foi adicionado em diferentes momentos após o inóculo bacteriano e as bactérias intracelulares recuperadas após lise das células hospedeiras foram quantificadas. Houve redução significativa dos grupos tratados em relação ao controle (p<0,01; Figura 6), mas não foi observada diferença estatística significante entre os tratamentos. Estes resultados sugerem que o tratamento com fagos durante ou após a infecção é efetivo na eliminação bacteriana. Assim sendo, há observação de um efeito protetor e terapêutico que encoraja estudos posteriores sobre a utilização in vivo deste

bacteriófago com fins medicinais. Este ensaio também sugere o translado de vírus para o citoplasma eucariótico, mas é incapaz de determinar como o fago atravessa a bicamada lipídica, se por algum mecanismo direto de importação na membrana celular ou carreado por uma bactéria infectada que ainda não sofreu lise.

Atividade Bactericida de Bacteriófago em Cultura de Células

HeLa

0

5000

10000

15000

20000

25000

30000

Controle

T 0'

T 30'

T 60'

Tratamentos (Fago Shfl1 MOI10)

T ít u lo d e S . fl e x n e ri i n tr a c e lu la r (m é d ia d e C F U t o ta l)

*

*

*

*

Diferença estatisticamente significante em relação ao controle (p<0,01)

Figura 6 – Gráfico do ensaio de atividade bactericida do bacteriófago Shfl1 em cultura de células HeLa

infectadas com S. flexneri; Recuperação de bactérias intracelulares, selecionadas com antibiótico, após três tratamentos com fago Shfl1 (MOI10) em tempos diferentes após inóculo bacteriano inicial de 108 CFU/ml;

Outro ensaio, desta vez visando a utilização do bacteriófago como agente de controle biológico de esgoto, foi empregado, com resultados pouco conclusivos, mas interessantes. Bacteriófagos representam uma alternativa inovadora em várias etapas do processamento de esgoto, a fim de favorecer certas populações bacterianas responsáveis por

processos metabólicos necessários para este processamento (Whitey et al., 2005). O controle de patógenos transmissíveis por água contaminada representa outra proposta instigante de controle biológico (Whitey et al., 2005) e dado o enfoque do presente trabalho em vírus de enteropatógenos, objetivou-se experimentar tal utilização. A emergência crescente de patógenos resistentes a cloro (Garret, 1995), principal mecanismo de eliminação destes no tratamento de esgoto, também implica em uma necessidade de alternativas para a eliminação destes agentes neste ambiente.

O objetivo deste experimento foi a verificação da redução da CFU de S. flexneri em um ambiente complexo como o esgoto comum. Esperávamos verificar a viabilidade desta prática, apesar da diversidade de outras bactérias e vírus neste ambiente, cuja composição é transiente e variável sendo determinada por diversos fatores (Whitey, 2005). O principal complicante deste experimento foi a excessiva carga bacteriana verificada no esgoto municipal de Campinas, em relação ao obtido em Ribeirão Preto. O experimento foi planejado com base nos títulos bacterianos verificados na segunda cidade, e mostrou-se inadequado para acompanhar a quantidade microbiana da primeira. Ainda assim, são possíveis algumas especulações com base nos resultados obtidos (Figura 7). Estes resultados indicaram que a dinâmica populacional bacteriana foi substancialmente alterada pela adição do fago, conforme esperado. A queda inicial observada após o enriquecimento do material com Shigella provavelmente se deve à competição por recursos, escassos no ambiente. É possível inferir que o tratamento com bacteriófagos acentuou a queda da CFU de bactérias lactose negativa (lac-) e não produtoras de sulfeto de hidrogênio (H2S-)

(observável por contagem em ágar SS), cuja maioria provavelmente é representada por

Shigella flexneri, mas freou a queda de título de bactérias lac– (observável por contagem em ágar McConkey), provavelmente representadas por outras espécies de Enterobactérias. Dado o enriquecimento com Shigella, é possível supor que esta bactéria tenha sido, num primeiro momento, predominante entre as colônias lac- H2S-, e portanto tenha encontrado

mais freqüentemente o fago Shfl1 no grupo tratado. A lise bacteriana liberou nutrientes que foram aproveitados por outras bactérias, conforme verificado por contagem em meio McConkey. Em um primeiro momento de competição exacerbada e escassez de recursos, isso teria promovido o aumento de título de bactérias metabolicamente similares a Shigella, visto que estas foram eliminadas por lise viral promovida pelo fago Shfl1. Com o tempo,

um novo equilíbrio se instalou no ecossistema. Ainda assim, se essas suposições estiverem corretas, existe a possibilidade de promover a contenção de bactérias patogênicas utilizando o bacteriófago Shfl1. O ambiente, embora complexo e de composição indeterminada, não oferece empecilhos para o encontro de fagos com seus hospedeiros, desde que se utilize uma carga viral substancial. E a promoção do crescimento de outras bactérias não representaria problemas, desde que estas não sejam espécies igualmente capazes de causar patologia em humanos, uma vez que liberação de nutrientes decorrente da lise viral é esperada e favorecerá quaisquer microorganismos capazes de aproveitá-la. É necessário reforçar que estas observações são altamente especulativas, e um novo ensaio buscando abordar melhor a questão está em planejamento.

Atividade bactericida (Shfl1) em ambiente complexo

0 5 10 15 20 25 0 5 10 15 20 25 Tempo (hs) C F U ( x 1 0 5 ) Bactéria (McConkey) Bactéria (SS) Bactéria+Fago (McConkey) Bactéria+Fago (SS)

Figura 7 – Gráfico do ensaio de atividade bactericida do bacteriófago Shfl1 em água de esgoto enriquecida

com S. flexneri; Recuperação de bactérias, em meios seletivos (McConkey e SS), em tempos diferentes durante incubação de 24h após inóculos bacteriano ou bacteriano e viral.

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