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Texto e discurso: da superfície linguística à construção dos sentidos

2. Explicitando as filiações teóricas: os discursos sobre o discurso

2.2. Texto e discurso: da superfície linguística à construção dos sentidos

quem fala, fala de algum lugar, a partir de um direito reconhecido institucionalmente. Esse discurso, que passa por verdadeiro, que veicula saber (o saber institucional) é gerador de poder.

Sendo assim, a produção desse discurso gerador de poder é controlada, selecionada, organizada e distribuída pela ideologia, que tem por função eliminar qualquer ameaça à permanência desse poder.

Segundo Pêcheux (1997, p.166), a modalidade particular do funcionamento de instâncias ideológicas quanto à reprodução consiste no que se convencionou chamar de assujeitamento do sujeito como sujeito ideológico, de tal modo:

Que cada um seja conduzido, sem se dar conta, e tendo a impressão de estar exercendo sua livre vontade, a ocupar o seu lugar em uma outra das duas classes sociais antagonistas do modo de produção (ou naquela categoria, camada ou fração de classe ligada a uma delas).

As formações ideológicas ganham existência nas formações discursivas que, por sua vez, materializam-se no discurso. Há, portanto, numa formação social, tantas formações discursivas quantas forem as formações ideológicas. Dessa forma, como uma formação ideológica impõe o que pensar, uma formação discursiva determina o que dizer.

2.2Texto e discurso: da superfície linguística à construção dos sentidos

Ao longo deste trabalho, vamos falar, algumas vezes, em texto e enunciado. Vale, então, ressaltar quais os papéis assumidos por eles na AD.

Nessa perspectiva teórica, o texto é a unidade que o analista tem diante de si e da qual ele parte; é o material de linguagem simbólico coletado, ou seja, a superfície linguística.

Segundo Pêcheux (1997, p. 80), uma superfície linguística pode ser entendida no sentido de uma sequência, oral ou escrita, de tamanho variável. Ele trata-a como sendo um “discurso” concreto, isto é, um objeto empírico afetado pelos esquecimentos 1 e 2, “na medida mesmo em que é o lugar de sua realização, sob a forma, coerente e subjetivamente, vivida como necessária”.

O esquecimento nº 1 ocorre quando o sujeito do discurso se coloca como origem do que diz, a fonte exclusiva do sentido do seu discurso; e o esquecimento nº 2 seria uma operação de seleção linguística que todo sujeito faz entre o que é dito e o que deixa de ser dito.

Um corpus para análise é constituído por uma série de superfícies linguísticas (discursos concretos, textos) ou objetos discursivos, estando essas superfícies dominadas por condições de produção estáveis e homogêneas.

No caso desta tese, por exemplo, o corpus para análise é uma série de documentos oficiais que regem o ensino de Língua Portuguesa no Brasil e as respostas dadas a entrevistas, propostas por mim, por alunos, ex-alunos e professores do curso de Letras da Universidade Estadual da Paraíba.

Assim, teoricamente, o texto, de acordo com Koch (2006), é lugar de interação, de sujeitos sociais, os quais, dialogicamente, nele se constituem e são constituídos, materializando o discurso.

Nele, encontramos as pistas dos gestos de interpretação que se tecem na historicidade. No procedimento da análise, devemos procurar remetê-lo ao discurso e esclarecer as relações deste com as formações discursivas, pensando, por sua vez, as relações destas com a ideologia.

O que interessa à AD, na verdade, não é a organização linguística do texto, mas como ele organiza a relação da língua com o mundo. Compreender como o texto funciona, segundo

Orlandi (2000, p.70), como ele produz sentidos, é compreendê-lo enquanto objeto linguístico- histórico, “é explicitar como ele realiza a discursividade que o constitui”.

Os textos, enquanto objetos que se constituem em materiais da AD, são provisórios. A direção deles se dá, de um lado, empiricamente, porque são estruturados de materiais tangíveis, e, do outro, no trabalho de arquivo, porque eles permanecem como parte da memória institucionalizada.

Uma vez atingido o processo discursivo, que é responsável pelo modo como o texto faz sentido, o texto analisado deixa de ser visto como referência específica para dar lugar à compreensão de todo um processo discursivo, do qual ele faz parte. Assim, o que temos como produto de análise é a compreensão de sentidos e de constituição dos sujeitos em suas posições.

Segundo Pêcheux (1997, p.108), toda sequência linguística (todo texto) é constituída de enunciados em relação, “discerníveis a partir de leis linguísticas gerais”. Portanto, se levarmos em conta o conceito básico de discurso que se diz ser um conjunto de enunciados que se apóia em um mesmo sistema de formação, delimitaremos, dessa forma, o material passível de análise em um discurso: o enunciado.

De acordo com Foucault (2000), o enunciado não é uma estrutura, isto é, um conjunto de relação entre elementos variáveis, autorizando um número talvez infinito de modelos concretos. É, sim, uma função de existência que se apoia em um conjunto de signos e que requer, para se realizar, um referencial, um sujeito (posição que pode ser ocupada, sob certas condições, por indivíduos indiferentes), um campo associado (domínio de coexistência para outros enunciados) e uma materialidade (status, regras de transcrição, possibilidades de uso ou de reutilização).

Para Foucault (2000), um enunciado tem sempre margens povoadas de outros enunciados, pois não há enunciados que não suponham outros; não há nenhum que não tenha,

em torno de si, um campo de coexistência, efeitos de série e de sucessão, uma distribuição de funções e papéis.

O enunciado aparece com um status, entre redes, coloca-se em campos de utilização, oferece-se a transferências e a modificações possíveis, integra-se em operações e estratégias onde sua identidade se mantém ou se apaga, como o diz Foucault (2000, p. 121):

O enunciado circula, serve, se esquiva, permite ou impede a realização de um desejo, é dócil ou rebelde a interesses, entra na ordem das contestações e das lutas, torna-se tema de apropriação ou de rivalidade.

Foucault (2000) diz ainda que o enunciado é, então, único, como todo acontecimento, mas está aberto à repetição, à transformação, à reativação, porque está ligado não apenas a situações que o provocam e a consequências por ele ocasionadas, mas, ao mesmo tempo, e segundo uma modalidade inteiramente diferente, a enunciados que o precedem e o seguem.

Assim, procuramos explicitar a filiação teórica de que nos valeremos nessa pesquisa. A AD será, portanto, nosso suporte, na medida em que explicita os elementos constitutivos dos discursos que estarão nos enunciados investigados.

Quanto ao corpus a ser analisado, vale salientar que todo ele é sempre um recorte dentro de um universo maior. Assim também ocorre na AD, já que todo discurso se estabelece na relação de um anterior e aponta para um outro, e a exaustividade e a completude não são possíveis. Um objeto, uma vez analisado, permanece para novas abordagens e não se esgota em uma descrição.

Não há discurso fechado em si mesmo; há, sim, um processo discursivo do qual se pode retirar e analisar estados diferentes. A delimitação que se faz do material a ser estudado não segue critérios empíricos, mas teóricos. Decidir o que faz parte de um corpus já é decidir acerca de propriedades discursivas. E isso não se dá como algo discernido e posto; é, pois, uma construção de quem analisa.

Não há descrição sem interpretação, por isso é que o próprio analista está envolvido nela. A interpretação faz parte do objeto de análise, isto é, o sujeito que fala interpreta, e o analista deve procurar descrever esse gesto do sujeito que dá sentido à análise.

Os sentidos e os sujeitos se constituem em processos de que não se tem o controle e nos quais o trabalho da ideologia e do inconsciente está longamente presente. Construir esses sentidos, desvendando-lhes as estratégias que os possibilitaram como efeitos do sujeito, não é tarefa fácil, pois uma mesma palavra, por exemplo, significa diferentemente dependendo da posição do sujeito e da inscrição do que diz em outra formação discursiva.

Desse modo, a análise é um processo que começa pelo próprio estabelecimento do corpus e se organiza face à natureza do material e do ponto de vista que o delimitam. Daí a necessidade de que, segundo Orlandi (2000), a teoria intervenha, todo momento, para “reger” a relação do analista com o seu objeto, com os sentidos, com ele mesmo, com a interpretação. O que interessa em uma análise não são as marcas em si, mas o seu funcionamento no discurso. É este funcionamento que se procura descrever e compreender.

Esta pesquisa não é de cunho quantitativo. Não é preocupação minha produzir gráficos, estabelecer porcentagens e medir, em números rigorosamente computados, quantos pensam desse ou daquele jeito. Importa aqui identificar, nos discursos analisados, a problemática que envolve a relação universidade e escola, e que consequências são percebidas, tendo em vista encontros e desencontros entre esses dois universos de atuação, principalmente no que diz respeito à relação teoria versus prática.

3º CAPÍTULO

3. O discurso da (e sobre) a universidade enquanto instituição formativa: