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Texto sobre eleição de humorista para deputado federal

4 PRÁTICAS DE PRODUÇÃO DE TEXTOS

4.2 O TRABALHO COM O MODO DE ORGANIZAÇÃO NARRATIVO

4.3.3 Texto sobre eleição de humorista para deputado federal

O tema mais escolhido, presente em 16 textos, tem relação com o segundo, porém trata mais especificamente da eleição de um humorista para deputado federal por São Paulo, com a votação mais expressiva do País. O agravante era a possibilidade de o referido candidato ser analfabeto, o que ocasionou bastante discussão nos meios de comunicação e divergência de opiniões.

Entre os alunos, não foi diferente. Muitos expuseram seus pontos de vista de forma intensa/calorosa, uns afirmaram que a eleição de um palhaço para deputado federal representava a indignação de alguns brasileiros, era fruto da descrença do povo e até mesmo um ato de ignorância. Outros disseram que esse fato ocorreu devido à falta de opção de voto, descaso da população e parte de um jogo político para eleger outros candidatos, conforme textos abaixo:

A vitória do candidato ‘Tiririca’ nas eleições 2010 foi destaque em todo o país. Eleito deputado federal pelo Estado de São Paulo, o humorista causou polêmica por conseguir recorde de votos sem, ao menos, apresentar uma proposta durante sua campanha.

A razão para ‘Tiririca’ ter conseguido tal feito, muito provavelmente, está em como os brasileiros enxergam a política e todo o sistema eleitoral. Os eleitores, a cada quatro anos, brincam de ser cidadãos, pois eles vão às urnas sem ter interesse e, muito menos, sem dar credibilidade às eleições.

A prova disso é justamente o grande número de votos recebidos pelo atual deputado, que mostra que este descaso com a política não é exclusivo de minorias no nosso país (Texto de LV).

A aluna LV inicia o texto com uma breve descrição narrativa em que conta que a eleição de Tiririca foi destaque em todo o Brasil, procedimento discursivo utilizado por vários outros alunos, como já mencionado, chamando a atenção para o fato de o candidato não ter apresentado sequer uma proposta. Por meio de um modo de raciocínio explicativo, aponta que a razão para a vitória de Tiririca reside na maneira como os brasileiros veem a política: algo que não desperta interesse e ao qual não se pode dar crédito. A asserção de chegada ou conclusão indica que esse comportamento é característico da maioria dos brasileiros, utilizando o grande número de votos do deputado como prova da sua tese (a eleição de Tiririca representa que os brasileiros não se interessam pela política e não dão crédito e às eleições).

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O texto de LS, por seu turno, já se inicia com um questionamento sobre os critérios de escolha adotados pelos eleitores brasileiros. Após, utiliza alguns procedimentos discursivos, como a retomada do caso específico da eleição de Tiririca, e a

comparação, mencionando que outras pessoas famosas e que não pertenciam ao

meio político, como jogadores de futebol, também foram eleitas. Esses procedimentos visam a persuadir o leitor a compartilhar sua visão de mundo. Por fim, faz uma dedução condicional, na medida em que afirma que se/quando o eleitor for mais consciente da importância de seu voto, talvez existam menos escândalos políticos, conforme o texto abaixo:

A eleição do humorista Tiririca em 2010 levanta uma questão muito importante: qual o critério que os eleitores usam para escolher seu candidato?

O caso do humorista teve mais notoriedade por ele ter obtido mais de um milhão de votos, mas foram eleitos muitas outras pessoas famosas, jogadores de futebol, etc. O povo parece escolher seus candidatos pela fama, não por suas propostas ou pelo seu histórico. Por isso vemos políticos acusados de corrupção sendo eleitos com milhares de votos.

No dia que o eleitor tiver consciência de que seu voto faz diferença e passar a analisar seus candidatos antes de votar, talvez os escândalos políticos aconteçam com menor frequência ou até mesmo deixem de acontecer (LS).

Em sua asserção de partida, RF afirmou que a eleição de Tiririca, a quem atribui uma honestidade brutal, representou uma forma de protestar contra um governo corrupto. Utilizou a restrição (porém, apesar de) como modo preferencial de encadeamento, e a descrição narrativa (relatou o slogan utilizado na campanha) como procedimento discursivo para tentar fazer com que o leitor concorde com seus argumentos. Em sua asserção de chegada, entretanto, apesar de classificar votar em Tiririca como um ato de ignorância, mostrou-se mais esperançoso em relação à eleição do humorista, dizendo que torce para que ele cumpra o seu papel de deputado federal, já que foi eleito de forma honesta, como vemos abaixo:

Nas eleições de 2010, o candidato Francisco Everardo Oliveira Silva, popularmente conhecido como palhaço Tirica, foi eleito como deputado federal com pouco mais de 1,3 milhão de votos.

Como o slogan ‘Vote Tiririca. Pior que tá não fica’, Tiririca adquiriu uma legião de admiradores que viram na honestidade brutal do candidato, uma forma de protestar contra um governo corrupto. Porém, muitas pessoas se esquecem que estamos escolhendo alguém para nos representar no poder. O que era uma forma de protestar, tornou-se um ato de ignorância, já que obviamente, Tiririca não possuía conhecimento e comprometimento suficiente para obter tal cargo.

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Francisco foi eleito de forma honesta e limpa, apesar de não ser o candidato dos sonhos. Agora nos resta acreditar e torcer para que ele possa fazer o melhor (Texto de RF).

Vemos que, embora os temas não tenham sido discutidos em sala, os alunos conseguiram se colocar em seus textos, expressando suas opiniões de forma clara em grande parte das produções. A professora nos informou que esse era apenas o início do trabalho com um tipo de textos que classificou como dissertações e, como não havia tempo hábil para trabalhar esse tipo com profundidade, estava apenas preparando o terreno para o professor do próximo ano.

Como afirmamos mais acima, já pelas condições de produção, percebemos que as premissas para que haja uma argumentação, conforme Charaudeau (2010), foram atendidas em parte. Havia uma proposta sobre o mundo para provocar um questionamento quanto à sua legitimidade e sujeitos engajados a um questionamento. Porém, quanto a um outro alvo da argumentação, vemos que, em alguns textos, não houve um ideal de persuasão explícito.

Vale ressaltar que argumentar, segundo Charaudeau (2010), faz parte de uma dupla busca pela racionalidade, em direção a um ideal de verdade para explicar o mundo, que depende da experiência individual e social dos indivíduos e das representações socioculturais compartilhadas por eles, ou seja, do olhar de um outro; bem como de um ideal de persuasão, o qual consistiria em compartilhar com o outro as suas propostas e conseguir levá-lo a assumi-las também como dele.

Para criar certos efeitos de persuasão, Charaudeau (2010) assinala que podemos usar procedimentos semânticos e discursivos. Os primeiros dizem respeito a argumentos fundamentados no consenso social e se referem aos domínios e valores da verdade, do estético, do ético, do pragmático, bem como ao domínio do hedônico. Já os procedimentos discursivos consistem em dispor de certas categorias de língua ou procedimentos de outros modos de organização do discurso para produzir certos efeitos de persuasão, como a definição, a comparação, a descrição narrativa, a citação, a acumulação e o questionamento.

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Verificamos que os alunos até buscaram um ideal de verdade, tentando provar, com seus argumentos, que suas opiniões não são isoladas, fazem parte de um co(n)texto maior, são veiculadas em programas de TV, jornais e são compartilhadas por outras pessoas. Porém, em relação aos procedimentos semânticos e discursivos, visando a um ideal de persuasão, constatamos que houve pouco uso desses recursos, uma vez que se encontram nos textos apenas alguns elementos isolados que indicam a intenção de convencer, de atrair o outro para compartilhar seu ponto de vista e fazê- lo tomar como seu. Percebemos mais tentativas de se colocarem, defenderem suas opiniões para talvez, no fim, convencer a professora (destinatária certa) de que mereciam uma boa nota e não precisariam reescrever.

Logo, o trabalho com um modo de organização argumentativo merece um aprofundamento acerca de seus possíveis objetivos (persuadir, manipular, seduzir, etc.), da organização de sua lógica, dos seus componentes, assim como de seus destinatários, dos procedimentos composicionais, semânticos e discursivos.