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Thives like us: a contradição ideológica da Nova Hollywood

CAPÍTULO II GUN CRAZY E THE BONNIE PARKER STORY: mulheres no domínio

3.3 Thives like us: a contradição ideológica da Nova Hollywood

A década de 1960 foi um período marcado pela luta pelos direitos civis e pela emancipação feminina. A desestruturação do status quo masculino também afetou diversos cineastas e é recorrente a forma como se tenta, em diversos filmes, reafirmar as relações masculinas que parecem prejudicadas pelo abalo da ordem social americana. A crise da masculinidade, como já discutimos, está na gênese do

road movie, todavia, enquanto Easy Rider (1969) de Hopper tenta encontrar um novo

lugar para esse novo homem na cultura americana, filmes como M.A.S.H. (1970) e o

Bonnie & Clyde film Thieves like us (1974), ambos de Robert Altman, buscam

reafirmar a dominância masculina a todo custo e afastar mulheres da posição de igualdade e de qualquer possibilidade de domínio.

O filme, inspirado em Thieves like us, romance homônimo50 de Edward

Anderson lançado no período da Grande Depressão, é considerado por diversos estudiosos do road movie como um Bonnie & Clyde film. Contudo, da mesma forma como a presença de uma tensão romântica no filme subverte a essência masculina do buddy road movie, o foco nas relações masculinas e a tentativa de exclusão da figura feminina como agente ativo da ação subverte o Bonnie & Clyde film. Esse impasse do filme de Altman é tão interessante quanto problemático no que se refere ao gênero que discutimos nesta pesquisa.

As vicissitudes da masculinidade no contexto do pós-guerra foram absorvidas pelo road movie e representadas mais expressamente em um de seus subgêneros, o buddy road movie. Philippa Gates defende que o buddy movie da década de 1970 é uma resposta ao movimento das mulheres:

Para punir as mulheres por seu desejo por igualdade, o buddy movie as expulsa do centro da narrativa e substitui a tradicional relação romântica central entre um homem e uma mulher por uma relação de amizade entre dois homens. Ao tornar ambos os protagonistas homens, a questão central do filme torna-se o crescimento e o desenvolvimento dessa amizade (GATES, 2004, p. 22).51

50 They live by night lançado em 1948, é inspirado na mesma obra e dirigido por Nicholas Ray. 51 “To punish women for their desire for equality, the buddy film pushes them out of the center of the narrative and replaces the traditional central romantic relationship between a man and a woman with a buddy relationship between two men. By making both protagonists men, the central issue of the film becomes the growth and development of their friendship (GATES, 2004, p. 22).”

Desta forma, no buddy movie do período da Nova Hollywood, mulheres com interesse romântico não apenas são eliminadas do espaço narrativo, como são distanciadas da figura de protagonista como um todo. Ao centrar as relações em homens, diretores como Dennis Hopper e Robert Altman revelam o binarismo ideológico que se expressou na contracultura: a busca incessante pelo novo e a necessidade quase obsessiva pela transgressão dos costumes, ao mesmo tempo em que havia uma recusa masculina em ceder seu espaço de domínio na ordem social.

É importante compreender essa ambivalência porque ela se expressará durante praticamente todo o período. O retorno do filme de gângster, representado por obras ilustres como The Godfather (O Poderoso Chefão, 1972), de Francis Ford Coppola, é tanto uma provocação contra o sistema e contra a ordem social quanto um grito pela expressão da masculinidade hegemônica e o retorno da figura masculina no cerne dos conflitos narrativos.

A Nova Hollywood é demarcada pela releitura de antigos gêneros que haviam entrado em decadência décadas antes. Com ares de filmes de arte, inspirados pelas vanguardas, os jovens cineastas estavam mais interessados em subverter gêneros cinematográficos do que subverter normas sociais que de fato desestabilizassem o status quo, por mais que ocasionalmente o fizessem. O Bonnie

& Clyde film é, em essência, transgressão social, principalmente no que se refere ao

papel feminino no seio doméstico. E é justamente por isso que, a partir da segunda metade da década de 1970, o gênero se torna escasso ou quase inexistente.

Os últimos Bonnie & Clyde films de relevância da década de 1970 – desconsiderando o cinema independente e nos atendo ao contexto industrial hollywoodiano – se encerram por volta de 1974, ano de lançamento de Thieves like

us. The Sugarland Express, do mesmo ano e dirigido por Steven Spielberg, é uma

divertida odisseia de um casal em busca de seu bebê que foi posto para a adoção. A fuga de Clovis da cadeia, instigada por Lou Jean e que gera a escalafobética caçada da polícia, é o que os configura como criminosos. O policial refém é motivo de culpa do casal e se torna amigo e mediador entre o crime e a lei e, por fim, a polícia retorna para a narrativa como restauradora da ordem e não mais como opressora como é típico do gênero.

A comédia de causos vivida por Goldie Hawn e William Atherton é um esvaziamento do Bonnie & Clyde film enquanto gênero: a revolta contra a família tradicional burguesa torna-se a luta por mantê-la, o desejo pelo crime, pela violência

e pelo consumo é transformada em culpa pela circunstância, o desprezo feminino pela esfera doméstica e pelos papéis de gênero converte-se numa atitude desesperada pela manutenção da maternidade. Em suma, Louca escapada é um filme de casal de foras da lei, mas não é um Bonnie & Clyde film.

Após o fim do que foi chamado de Nova Hollywood, as políticas conservadoras de Ronald Reagan tornaram o cinema americano mais pueril e menos subversivo. Os anos 1980 serão marcados pelo retorno do cinema de estúdio, a edificação do blockbuster e pela ode à masculinidade com seu ciclo de filmes de ação inspirados pelo fortalecimento do militarismo americano e pelo pensamento anticomunista estimulado por Reagan. O Bonnie & Clyde film retornará apenas nos anos 1990 com o fim da Era Reagan e, desta vez, atrelado tanto a diretores sensíveis a temáticas antirracistas e anti-homofóbicas e ao brutality film, ou filmes de brutalidade, que surgem nessa década com diretores como Oliver Stone, Tony Scott, Robert Rodriguez e Quentin Tarantino.