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A tibolona, algumas vezes codificada na literatura por Org OD14 ou 7αMNa ou ainda na forma oficial (7a,17a)-17-hidroxi-7-metil-19-nor-17-pregn-5(10)-en-20-in-3-ona, é um esteróide sintético relacionado estruturalmente com os derivados da 19 - norestisterona, tais quais noretinodrel e noretisterona (Figura 2.1) (BOERRIGTER et al., 2002). Esse fármaco é utilizado no tratamento dos distúrbios da menopausa natural ou cirúrgica resultantes da deficiência estrogênica, tais

como: sudorese excessiva, osteoporose, distúrbios do humor, atrofia e secura vaginal. Após administração oral é rapidamente metabolizada predominantemente em três tipos de esteróides ativos, 3--hidroxi-metabólito, 3-β-hidroxi-metabólito e isômero Δ4, dos quais os dois primeiros têm atividade essencialmente estrogênica, enquanto o terceiro possui

predominantemente atividade progestogênica. Os metabólitos são excretados na bile e eliminados pelas fezes. Pequenas quantidades são excretadas na urina (RYMER, 2002).

O uso da tibolona na terapêutica apresenta vantagens sobre as outras terapias convencionais, porque, além de melhorar os sintomas vasomotores e possuir efeitos favoráveis sobre as queixas de atrofia vaginal e a diminuição da libido, proporciona menor estimulação do tecido mamário e não estimula o endométrio (RYMER, 2002). No Brasil a tibolona é comercializada na forma de comprimidos sob a marca Livial® (Organon do Brasil Ltda).

A síntese da tibolona foi patenteada em 1965 pela empresa holandesa NV Organon, com melhorias do processo de obtenção patenteadas em 1967 e 1969 (MERCK index, 1989). A rota de síntese foi publicada sucintamente em 1967 (WIELAND; ANNER, 1967). Em um trabalho publicado em 1984, Declercq e colaboradores determinaram a estrutura cristalina do cristal monoclínico da tibolona, sem mencionar o polimorfismo deste fármaco (DECLERCQ; VAN MEERSSCHE; ZEELEN, 1984). Em 1991, Shouten e Kanters identificaram a capacidade da tibolona de apresentar o fenômeno de polimorfismo. Nesse estudo foi realizada a determinação da estrutura cristalina triclínica em monocristal, com a descoberta de que a cristalização da tibolona realizada pela solubilização em acetona e posterior adição de água resulta em cristais com sistema cristalino monoclínico (grupo

espacial P21), enquanto que cristais do sistema cristalino triclínico (grupo espacial P1) são obtidos a partir do resfriamento de uma solução de tolueno quente (SCHOUTEN; KANTERS, 1991).

Apesar de todo conhecimento prévio, o processo de fabricação dos polimorfos puros da tibolona, forma I (monoclínico) e forma II (triclínico), somente foi patenteado na década de 1990. Segundo a patente, entende-se que uma forma cristalina pura de tibolona deva conter menos de 10%, ou preferencialmente 5%, da outra forma cristalina. O documento também descreve que a utilização da forma I é preferível em função de possuir maior estabilidade química que a forma II, o que aumenta significativamente o prazo de validade do produto acabado (SAS, 1993).

A maior parte do esforço para entendimento do comportamento polimórfico da tibolona em termos termodinâmicos e cinéticos foi despendida por pesquisadores de centros holandeses de pesquisa (BOERRIGTER et al., 1999, 2002a, 2002b; STOICA et al., 2004, 2005a, 2005b, 2006). Identificou-se que a fase triclínica pode ser obtida pelo crescimento dos cristais em solventes apolares, como n-hexano e tolueno, enquanto que a fase monoclínica cresce em meios polares como, por exemplo, acetronitrila e acetona. Percebeu-se que diferenças na supersaturação são decisivas quanto à forma cristalina da tibolona que será cristalizada, podendo, inclusive, haver o crescimento de ambas as formas a partir do mesmo solvente e na mesma temperatura ou, em outras palavras: ocorre o fenômeno da cristalização concomitante. Desse modo, uma vez que em escala industrial o grau de supersaturação e a temperatura não são facilmente controlados, como em escala laboratorial, há a possibilidade da ocorrência de misturas dos polimorfos na obtenção da matéria-prima (BOERRIGTER et al., 2002a).

Os dados de caracterização por difratometria de raios X pelo método do pó, de ressonância magnética nuclear (NMR) em estado sólido e de quantificação dos polimorfos por espectroscopia no infravermelho com transformada de Fourier por reflectância difusa (DRIFT) são apresentados na patente EP0389035 de maneira superficial e sem rigor científico. Entretanto, Boerrigter e colaboradores (1999, 2002a, 2002b), por meio de diversos trabalhos científicos publicados em revistas indexadas, apresentam dados completos das transições de fase sólido-soluto-sólido, da interação soluto-solvente e do empacotamento na formação do cristal. Nesses estudos os cristais de tibolona são caracterizados in situ, durante a sua formação em solventes polares e apolares, por microscopia Raman, difratometria de raios X pelo método do pó e microscopia com luz polarizada. Também é apresentada uma sucinta descrição (sem a

apresentação de curvas experimentais) do comportamento térmico das duas formas cristalinas e da transição sólido-sólido. Não foram localizados estudos detalhados de caracterização no estado sólido por análise térmica (incluindo as transições sólido-sólido), difratometria de raios X pelo método do pó e espectroscopia vibracional. Não foram encontrados, também, estudos de metodologias para a quantificação das fases de tibolona por essas técnicas.

Em 2005, um trabalho por ressonância magnética nuclear 13C no estado sólido foi publicado e mostrou que não ocorrem transições de fase durante o processo de fabricação ou no decorrer dos estudos de estabilidade de formulações de comprimidos de tibolona (BOOY et al., 2005). Essa técnica de estudo é altamente sensível, porém requer altos recursos técnicos e financeiros na maioria das vezes não disponíveis em laboratórios de rotina ou mesmo de pesquisa.

Embora seja um fármaco conhecido há mais de 40 anos, apenas recentemente foi incluído em um compêndio farmacopeico, o suplemento 2007 da Farmacopeia Europeia 2006 (EUROPEAN PHARMACOPOEIA, 2006). Nessa monografia, sugere-se, como procedimento de identificação, a comparação entre o espectro de absorção no infravermelho da amostra e do padrão comercializado pela farmacopeia. Caso o ensaio reprove a matéria-prima por divergência entre os espectros, a monografia recomenda solubilizar a amostra de tibolona em etanol, recristalizar por evaporação para, em seguida, se proceder novamente à identificação. O motivo de tal procedimento não é abordado na monografia, porém, a partir da avaliação do trabalho de Boerrigter e colaboradores (2002a), é possível inferir que o padrão de tibolona a ser utilizado é monoclínico e a recristalização sugerida visa levar uma amostra triclínica à transição para a fase monoclínica. Porém, é importante destacar que a aprovação da matéria-prima triclínica e sua consequente utilização na forma farmacêutica reduzem a estabilidade do medicamento, conforme supracitado (SAS, 1993).

Em 2006, a tibolona foi alvo de disputa judicial na corte escocesa entre a proprietária N.V. Organon e a empresa de genéricos Arrow Generics, na qual se discutiu a nulidade da patente EP0389035 de 1993, a qual protege o processo de obtenção dos polimorfos puros da tibolona, uma vez que um dos polimorfos já tinha sido descrito em publicação anterior. Esse acontecimento ilustra a importância do fenômeno de polimorfismo para a indústria farmacêutica na atualidade (SCOTTISH COURTS, 2007).

2.2. CRISTALINIDADE E POLIMORFISMO

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