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As Pol‡ticas de Saˆde em Juiz de Fora: heran‰as do projeto modernizador oitocentista.

No documento clariceaparecidalaierbarroso (páginas 54-59)

Juiz de Fora surge como um centro urbano situado num vale entre o Rio de Janeiro e o interior de Minas. Santo Antonio do Paraibuna, como era conhecido o pequeno aglomerado na ˆpoca da concess•o de sesmarias – fator respons‚vel pelo surgimento da cidade no inƒcio do sˆculo XIX – 128 come€ou a se expandir em fun€•o da presta€•o de servi€os … economia cafeeira.129

Por volta de 1855, a cidade j‚ apresentava problemas relacionados …s condi€‰es sanit‚rias. Eram utilizadas ‚guas das minas, geralmente distantes dos domicƒlios, n•o havia banheiros ou instala€‰es sanit‚rias no interior das casas e eram freqŽentes as enchentes do principal rio a cortar a cidade, o Rio Paraibuna. Assim, o povoado tinha que conviver com a presen€a de c‡rregos com ‚guas estagnadas 130. Datam deste perƒodo inclusive, segundo Zambelli, as primeiras incurs‰es da C†mara Municipal para intervir e atuar em quest‰es de saneamento norteadas pelas premissas miasm‚ticas. Tambˆm neste momento houve a cria€•o do cemitˆrio p„blico, do matadouro, alˆm da ado€•o de medidas salubres voltadas para a

127

O grifo ˆ nosso e fora feito por entendermos que a uni•o entre a SMCJF e a C†mara Municipal se dava, por vezes, de forma conturbada. Quando a C†mara n•o conseguia ou n•o implementava os preceitos e ciŠncia difundidos pela SMCJF, em geral, era criticada por esta Institui€•o. Discorreremos sobre este assunto ao longo deste capƒtulo. Sobre esta quest•o, baseamo-nos em LANA, V. Op. Cit., p. 48-50.

128

VALE, Vanda Arantes do. Manchester Mineira. Op. Cit., pp. 3-4. 129

Idem. Ibidem. 130

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conten€•o de ‚guas estagnadas. Ocorreu ainda a abertura de ruas e a constru€•o de pontes e chafarizes. 131

Em 1856, a vila de Santo AntŒnio do Paraibuna foi elevada … condi€•o de cidade.132 Dois anos depois, em 1858, foi ent•o promulgado o primeiro C‡digo de Posturas do municƒpio, o que indica a existŠncia de demandas urgentes em quest‰es de sa„de, as quais se encontravam em conformidade com o interesse das elites locais em modernizar e sanear a cidade.

Desde fins do Impˆrio, segundo Goodwin, os esfor€os empreendidos pela C†mara Municipal objetivavam, principalmente, a transforma€•o da Cidade do Juiz de Fora num sƒmbolo do seu poder e do sucesso de seu estilo de vida. 133 A “pretens•o ˆ [era] tornar o centro urbano um lugar atraente, para o bem viver de uma elite poderosa e em sintonia com as modernas no€‰es de higiene, planejamento urbano, transporte, cultura e seguran€a”. 134

Para o autor, a preocupaۥo da elite em modernizar a cidade, de modo a atender seus anseios e legitimar seu status quo expressava-se em quatro aspectos fundamentais: o aparelhamento para o funcionamento da cidade; a regulamentaۥo do plano da cidade; o saneamento; o controle da vida urbana.135

Este contexto n•o ˆ especƒfico de Juiz de Fora, mas representa uma tendŠncia que se verifica por todo Brasil, especialmente na capital do Impˆrio e em suas principais cidades, as quais tentavam se “modernizar”, ou seja, tornar-se urbana, salubre e organizada. Os C‡digos de Posturas que emergem neste perƒodo representavam estas e outras idˆias. Exemplo disso ˆ o c‡dice implantado em Juiz de Fora em 1858 (ver anexos n• 3 e n• 4), o qual tratava n•o s‡ dos assuntos de saneamento, mas de toda uma tentativa de normatizar politicamente a cidade emergente. 136Neste c‡digo s•o encontrados v‚rios tƒtulos que seriam mais tarde aprimorados para a edi€•o republicana no ano de 1892.

Dentre as principais posturas implantadas pelo C‡digo de 1858 destacamos que o tƒtulo II, capƒtulo I do referido texto dispunha a existŠncia de normas para o alinhamento e instru€‰es para as constru€‰es nas ruas e povoa€‰es da cidade, as quais n•o poderiam ser feitas sem licen€a sob pena de multa ou demoli€•o. J‚ o capƒtulo II dedicava-se ao tema da

131 Ibidem. 132

Idem, p. 8. Para o perƒodo tratado, consultar mapa do municƒpio no anexo n• 2. 133

GOODWIN JR., J. W.. Op. Cit., p. 81. 134

Ibidem. 135

Ibidem. 136

Sobre mais informa€‰es sobre o primeiro C‡digo de Posturas (1858) da cidade, ver: GOODWIN JR, J. W.. Op. Cit., passim. Pesquisamos tambˆm o pr‡prio c‡dice de 1858 que consta no Fundo do Impˆrio localizado tambˆm no Arquivo Hist‡rico de Juiz de Fora. Posturas da C†mara Municipal da cidade do Parahybuna da Provƒncia de Minas Gerais. Rio de Janeiro. Typografia de Soares e Irm•o. Rua da alf†ndega. N. 6.1860.

limpeza p„blica. O terceiro, por sua vez, tratava das obras p„blicas, especialmente no que se refere … fiscaliza€•o e a aplica€•o de multas decorrentes de infra€‰es. Chama, porˆm, a aten€•o os capƒtulos I, sobre a salubridade do ar, ‚gua e alimentos, e o II sobre os meios preservativos de enfermidades, ambos inscritos sob o Tƒtulo III referente a sa„de p„blica, como podemos vislumbrar abaixo:137

Tƒtulo III – Da Sa„de P„blica

Capƒtulo I – Sobre a salubridade do ar, ‚gua e alimentos

Art. 71 – “ proibido enterrar-se corpos humanos na Cidade, ou nos arraiais, em outro lugar que n•o seja o Cemitˆrio p„blico, havendo: multa de 20$ a 30$, e duplo nas reincidŠncias.

Art. 79 – Nenhum corpo humano ser‚ sepultado sem que esteja sobre a terra 24 horas depois da morte, salvo em casos de molˆstias epidŠmicas e contagiosas; multa de 10$ a 30$, e o duplo nas reincidŠncias. 138

Os artigos citados exemplificam como a defini€•o de normas que deveriam regimentar o espa€o p„blico concorrem igualmente para modificar o cotidiano das pessoas, bem como para introduzir novos h‚bitos, atravˆs de penaliza€‰es. O C‡digo de 1858 tambˆm criou normas que deveriam incidir diretamente sobre as atividades comerciais:

Art. 87 - S‡ nos matadouros p„blicos ou nos particulares com licen€a, se poder‚ matar e esquartejar rezes para serem cortadas e vendidas ao p„blico; permitir-se-‚ aos donos dos gados conduzi-los depois de esquartejados, e venderem pelos pre€os convenientes e onde bem lhes convier, com tanto que a fa€am em lugares patentes, em que se possa fiscalizar a limpeza e salubridade dos talhos da carne, e fidelidade dos pesos; multa de 10$ a 30$, e o duplo nas reincidŠncias. 139

Como se pode observar do trecho citado acima, o comˆrcio passou por interven€•o e foi organizado a partir de preceitos higiŠnicos que tinham por finalidade preservar a sa„de p„blica. Os meios de preven€•o de enfermidades tambˆm incluƒam certas proibi€‰es que restringiam o acesso dos enfermos as vias p„blicas, alˆm das explƒcitas amea€as de pris•o para aqueles que ocultassem enfermos:

Art. 95 – (...) proibida a entrada de qualquer pessoa com bexigas, ou qualquer outra enfermidade contagiosa nessa Cidade e Povoa€‰es do Municƒpio. Quando aconte€a levar alguˆm neste estado se far‚ logo sair da Povoa€•o, e n•o lhe ser‚ permitido residir, ou demorar-se nas estradas p„blicas. Para a pontual execu€•o deste artigo os Fiscais se corresponder•o com as diversas C†maras. Os infratores sofrer•o a

137

ZAMBELLI, R.. Op. Cit., p. 8. Cf.: GOODWIN JR, J. W.. Op. Cit., passim. 138

Arquivo Hist‡rico de Juiz de Fora: C‡digo de Posturas de 1858, Fundo do Impˆrio. Posturas da C†mara Municipal da cidade do Parahybuna da Provƒncia de Minas Gerais. Rio de Janeiro. Typografia de Soares e Irm•o. Rua da alf†ndega. N. 6.1860. Consultar anexo n• 3.

139 Idem.

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multa de 10$, e pris•o por um dia; a de pris•o porˆm n•o recair‚ sobre o enfermo, mas sim, sobre quem o conduzir ou ocultar, que neste caso ˆ tambˆm infrator. 140

J‚ o trecho seguinte torna evidente a preocupa€•o com o charlatanismo e o exercƒcio ilegal da Medicina:

Art. 99 – N•o ser‚ admitida a exercer a profiss•o de curar pessoa desconhecida, sem que apresente seus tƒtulos … C†mara, e dele obtenha licen€a, multa de 20$ a 30$, e o duplo na reincidŠncia. 141

A presen€a de constantes epidemias a assolar a cidade desde sua funda€•o, como se pode observar, desencadeou um processo de organiza€•o e sistematiza€•o das pr‚ticas sanit‚rias na cidade em perƒodo mesmo anterior ao que nos propomos a analisar nesta pesquisa. E, ainda que as condi€‰es sanit‚rias fossem de fato prec‚rias, estas passaram a representar uma fonte de preocupa€•o para a elite local, a qual se amparava nos ideais de modernidade e desenvolvimento da cidade.

Mesmo as referŠncias citadas do C‡digo de Posturas evidenciam esta preocupa€•o com a moderniza€•o, embelezamento e organiza€•o da salubridade no municƒpio. Para alˆm da preven€•o das epidemias que vinham fazendo vƒtimas na cidade, a finalidade destas medidas era de garantir que o desenvolvimento do municƒpio pudesse ser adequado …quele implementado nos grandes centros urbanos do momento.

Nas dˆcadas finas do sˆculo XIX, Juiz de Fora j‚ havia se tornado um dos mais importantes e prestigiosos centros urbanos do Impˆrio devido ao seu crescimento econŒmico baseado na cafeicultura que, por sua vez, trazia prestƒgio polƒtico, econŒmico e social para a elite local, permitindo a esta mesma elite uma diversifica€•o de seus investimentos e implementa€•o de um projeto industrial. 142

O pioneirismo da cidade pode ser verificado no empreendimento de constru€•o da rodovia Uni•o Ind„stria em 1861 – que aproximou Juiz de Fora do Rio de Janeiro –, 143 seguido pela edifica€•o da Estrada de Ferro Central e da primeira usina hidrelˆtrica da Amˆrica do sul em 1889. Neste momento tambˆm foi inaugurada a Sociedade de Medicina e Cirurgia de Juiz de Fora, como veremos adiante. Estes marcos s•o representativos da

140 Idem. 141

Idem. 142

YASBECK, Lola. As Origens da Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora: EDUFJF, 1999, p. 246. Sobre a expans•o industrial de Juiz de Fora e sua articula€•o ao processo de reprodu€•o econŒmica do sistema agro-exportador, ver: PIRES, Anderson Josˆ. Capital agr‰rio, investimentos e crise na cafeicultura de

Juiz de Fora - 1870/1930. (Disserta€•o de Mestrado apresentada ao Instituto de CiŠncias Humanas e Filosofia da

Universidade Federal Fluminense). Niter‡i: UFF, 1993. 143

prosperidade econŒmica e do anseio das elites polƒticas locais pela modernidade vivenciada no Brasil em fins do sˆculo.

Data deste perƒodo, segundo James William Goodwim Jr., um esfor€o ainda maior por parte da C†mara Municipal nas quest‰es associadas a urbaniza€•o. Este autor, ao analisar as atas de sess‰es da C†mara entre os anos 1870 e 1888, verificou a “forte predomin†ncia da discuss•o de temas ligados …s obras de urbaniza€•o.” 144 A preocupa€•o com a moderniza€•o do municƒpio ainda no perƒodo imperial deveu-se a inser€•o da elite polƒtica no “contexto de moderniza€•o verificado no Brasil durante o reinado de D. Pedro II”, o qual era “reiteradamente afirmado como objeto de fidelidade das elites dominantes do Municƒpio do Juiz de Fora, no que n•o diferem muito das demais regi‰es opulentas que buscavam legitimar sua riqueza pelo reconhecimento da ordem nobili‚rquica”.145

Segundo Goodwin, Juiz de Fora era “a maior cidade de Minas durante o auge cafeeiro” e possuƒa uma elite “disposta a gastar com obras p„blicas, a fim de implementar no municƒpio seu projeto (modernizador), reflexo de seu progresso”. Alˆm disso, a Manchester Mineira contava com “condi€‰es financeiras para implementar tal projeto”. 146

Sobretudo a partir das dˆcadas de 1880 e 1890, Juiz de Fora foi marcada pela intensifica€•o da industrializa€•o, da moderniza€•o e da urbaniza€•o. A acelera€•o deste processo foi propiciada pelo predomƒnio da m•o-de-obra assalariada, resultante do fim da escravid•o e da chegada de muitos imigrantes.147 Entraram ent•o na cena urbana os profissionais liberais, capitalistas, negociantes, escravos libertos, migrantes nacionais e imigrantes, 148 constituindo um centro urbano efervescente num processo iminente de moderniza€•o. Este processo de moderniza€•o ao se tornar propositor de uma sˆrie de mudan€as, passa ent•o a tentar atender as demandas que ele pr‡prio gerou. 149

Neste momento, havia no Brasil uma finalidade emergente de supress•o de focos epidŠmicos que, na vis•o dos setores dominantes, estavam atrelados …s massas e aos seus corti€os imundos, … sua falta de higiene e … precariedade sanit‚ria das cidades. Foram tomadas medidas arbitr‚rias que em muito escamotearam a inten€•o direta de segregar, de bloquear

144

GOODWIN JR., J. W.. Op. Cit., pp. 68; 69-70. 145

Idem, p. 85. 146

Idem, p. 81. 147

CHRISTO, M.. Op. Cit., pp. 104-106. 148

YASBECK, D.. Op. Cit., p. 248. 149

Sobre esta efervescŠncia ver: Idem, p. 248; Cf. tambˆm: Jornal do Commˆrcio. Juiz de Fora no S…culo XIX. Artigo publicado em comemora€•o a entrada do Sˆculo XX. Juiz de Fora: Typ. central, 1901.

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direitos ou garantias das pessoas atingidas num espa€o de agress•o claramente distinta do espa€o do privilˆgio. 150

O contexto em que se lan€a o movimento sanit‚rio – sˆculo XIX – demonstra que havia mesmo a necessidade de que tais medidas profil‚ticas fossem empreendidas para atenuar a situa€•o de pandemias, epidemias e mortes generalizadas, decorrentes do surgimento das cidades enquanto p‡los industriais e devido … aglomera€•o de indivƒduos, o que facilitava a dissemina€•o de doen€as. As interven€‰es eram esperadas tambˆm nas melhorias das condi€‰es de trabalho e na moradia das popula€‰es. Mas n•o foi t•o f‚cil assim essa implementa€•o, uma vez que, no seio dos pr‡prios atores que impunham a reforma sanit‚ria, havia diferentes teorias ligadas … Medicina, desarticuladas entre si, que tentavam justificar o surgimento e prolifera€•o das doen€as.

Como veremos adiante, a polƒtica sanit‚ria se fortalece no perƒodo republicano e se reveste de uma nova roupagem, ao atentar para novos valores. No municƒpio de Juiz de Fora, a transi€•o para a Rep„blica marcou a consolida€•o do projeto sanitarista que vinha sendo implantado desde 1858, quando da publica€•o do c‡digo de posturas. Assim, a gest•o cientƒfica que vinham sendo posta em pr‚tica pela C†mara Municipal j‚ em fins do perƒodo imperial, com a transi€•o para o regime republicano, tende neste novo contexto a ampliar preocupa€‰es e precau€‰es existentes desde meados do sˆculo XIX, como veremos a seguir.

No documento clariceaparecidalaierbarroso (páginas 54-59)