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Tipo de pesquisa

No documento Terra e herança (páginas 60-62)

Há um grande esforço de compreensão dos fenômenos para apreender, a partir de seus referenciais e categorias nativas, o universo de significados de uma outra cultura. Para tal tarefa, de acordo com Campos (2002, p. 54-55), o pesquisador deve "estar e escrever aqui", através da tradução, ou seja, fazer com que um significado expresso no sistema encontrado no campo de pesquisa seja expresso no sistema em que se encontra o pesquisador, utilizando-se de suas disciplinas, metodologias e instrumentos. Esses problemas, embora delicados, têm sido abordados intensamente por recortes disciplinares e podem oferecer limitações no encontro etnográfico, ou seja, uma única área do conhecimento eleita não contempla a pesquisa etnográfica, uma vez que esta é embasada por múltiplas ferramentas, advindas das diversas áreas (CAMPOS, 2002).

Neste sentido, para as primeiras leituras ou percepções de um sujeito ou objeto de pesquisa, é preciso que se desvincule das "ferramentas especializadas", ou seja, das inumeráveis divisões do conhecimento em áreas, especialidades e disciplinas. Isso é posto porque podemos nos enganar quanto às denotações e conotações locais que estejam escondidas e que não conseguimos pôr à vista nos fenômenos e conceitos, códigos e símbolos próprios daquele outro lugar em que a pesquisa ocorre.

Nós, enquanto observadores, com o distanciamento do "estar aqui" de fora com a nossa ciência, inserimo-nos num "estar lá" sem nossas "ferramentas", procurando tanto quanto possível, desprovermo-nos de nossos referenciais rígidos para observar e pensar como observador "de dentro" da outra cultura, em domínios que diferem dos nossos domínios transdisciplinares (DT) e domínios interdisciplinares (DI). Esses domínios têm "outras ferramentas" (dos pajés, curandeiros, pescadores, agricultores, cesteiros, ceramistas, ...) que com certeza podemos pressupor existirem em menor número, menos compartimentadas e mais polivalentes do que as nossas e, portanto, não havendo sequer algum isomorfismo possível com as nossas disciplinas. Seu domínio análogo a "DT", que obviamente não se denomina transdisciplinar, é outro também, embora nele ainda sejamos obrigados a pedir auxílio em busca de alguma forma de correspondência com as "nossas categorias nativas", as daqui (CAMPOS, 2002, p. 60).

Aqui, compreendemos que o universo rural encontra-se dentro desse domínio pensado por Campos (2002), portanto, o fenômeno a ser estudado é complexo e, neste sentido, não tende à quantificação por conta de sua natureza social, colocando o presente trabalho no campo da pesquisa qualitativa, uma vez que esta pretende trazer aspectos dos padrões socioculturais que revelam uma lógica de comportamento e ações de um grupo e, por este motivo, considera-se

que o fenômeno estudado é compreendido no contexto em que ocorre e do qual é parte, e captado a partir das perspectivas das pessoas nele envolvidas e por este motivo apoia-se de ferramentas que surgem necessárias a partir da inserção em campo por parte do pesquisador.

Para alcançar o objetivo da dissertação, ou seja, explicar a configuração atual do bairro Peroba e a relação de seus moradores com as estratégias, acordos e ajustes assumidos para a posse e o uso da terra, necessitou-se recorrer aos próprios sujeitos do cenário a ser pesquisado, por possibilitar compreender e identificar ações, percepções e comportamentos socioculturais em seu próprio contexto: o que leva a considerar a interpretação que estes atores fazem da realidade em que estão inseridos também seja interesse deste trabalho. É o olhar e o sentido dos atores sociais pesquisados.

Por considerar-se uma pesquisa que procura enfocar a perspectiva humana nos processos de transformações ocorridos, esta conta com procedimentos metodológicos que dão a palavra aos sujeitos envolvidos. Por este motivo é que destacamos o uso da narrativa como procedimento ao trabalho de pesquisa desenvolvido e que serve de base para o desenvolvimento deste texto. Porém, ao recorrer à oralidade, é preciso entendê-la numa perspectiva que vai além de um relato de fatos: é uma maneira de se chegar ao conhecimento de fatos vividos num dado momento histórico em que somente documentos escritos não poderiam revelar por si só todos os sentidos de um determinado meio social (LE GOFF, 2003).

Nesse sentido, de acordo com Le Goff (2003), a informação escrita e falada é uma extensão da memória, transformada em conhecimento, o qual é construído pelas conversas e entrevistas, adequando-se à apresentação dos acertos, dos acordos e das estratégias que os agricultores assumem em relação à posse e ao uso da terra e, ainda, apresentando como o bairro rural é definido por tal relação. Desta maneira, o uso da narrativa se torna importante para a construção do conhecimento acerca dos caminhos percorridos pelos moradores em busca do desenvolvimento, apresentando as transformações que se investiram no bairro onde vivem, possibilitando identificar a sua configuração.

Por isso, essa abordagem se baseia nos fundamentos da história oral quando se apoia em ferramentas, técnicas e métodos que buscam nas narrativas do sujeito (ou grupo social) a intenção de indicar os caminhos constitutivos e operacionais da pesquisa, como é o caso das entrevistas e conversas informais. Em outras palavras, essa situação se estabelece na medida em que todo o processo das entrevistas considera as narrativas captadas, tratadas, transcritas e dispostas em algum meio. Por isso, para se percorrer tal percurso, é necessário ter estabelecido perguntas que orientam a busca das informações durante a ida à campo como, por exemplo, “quando?”; “quem?”; “como?” e “por quê?” (MEIHY E RIBEIRO, 2011).

A pesquisa acontece quando da necessidade de dar visibilidade social, uma vez que agricultores familiares se sentem, em muitas vezes, apagados socialmente e por isso há a tentativa de definir os lugares desses sujeitos na vida coletiva. Assim, quem é compreendido na pesquisa são os agricultores familiares do bairro Peroba, os quais têm na terra um importante instrumento para a manutenção da vida no campo, ameaçado pela divisão das heranças. Neste ponto, a entrevista é a ferramenta essencial e sua condução (e a própria análise) foi realizada em paralelo com outros documentos: certidões de nascimento e fotografias antigas/recentes. Esta pesquisa se valeu de pessoas que “no presente” vivenciam processos deflagrados no passado imediato e remoto.

Neste sentido, a pesquisa de campo é o eixo central desta dissertação, pois somente através do contato com os sujeitos do universo de interesse é possível compreender os significados que permeiam o fenômeno e influenciam o comportamento dos indivíduos do grupo. A análise de dados envolve a interpretação de significados que assumem a forma descritiva e explicativa. É descritiva uma vez que busca descrever as características de uma população, fenômeno ou experiência, proporcionando novas visões sobre uma realidade já conhecida. É explicativa por possibilitar a identificação dos fatores que determinam ou contribuem para a apresentação dos contornos e configurações de dados fenômenos.

Após a fixação dos conceitos que conduzem o pensar desta pesquisa, outra questão a ser resolvida merece discussão: o envolvimento do pesquisador com o tema, algo que decorre diretamente da história de vida, da identificação cultural e da proximidade com o universo rural e suas transformações. Certo de que essa leitura não seria neutra – se é que existe tal neutralidade científica – mas que não deveria ser desprezada, a pesquisa resolveu a questão a partir do reconhecimento de que a experiência de vida do autor junto ao objeto não “contaminam” o resultado da pesquisa, mas apenas reforçam a ideia de que é ilusória a distância pesquisador e pesquisado em que se construiria qualquer observação antropológica.

No documento Terra e herança (páginas 60-62)