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CAPÍTULO I – As expressões idiomáticas

1.3 Tipologia das expressões idiomáticas

A classificação tipológica das EIs que retomamos, embora não se trate da única

classificação de idiomatismos já realizada, é a de Xatara (1998), em virtude de sua adequada

abrangência para nosso trabalho. Por conta disso, revisitamo-la aqui para ressaltar como as

EIs podem ser agrupadas por subtipos, seja por semelhanças estruturais seja por identidade de

relações semânticas.

O mapeamento completo de todas as estruturas morfossintáticas dos

idiomatismos, assim como de outras UFs, é importantíssimo sobretudo por conta desse

diálogo que diversos ramos da Lingüística atualmente mantêm com a informática, por

exemplo, na elaboração de léxicos computacionais, um segmento de grande interesse para as

pesquisas lingüísticas que objetivam abranger uma quantidade cada vez maior de lexias

complexas dos mais variados tipos e sua utilidade prática, como a sistematização das buscas,

desambiguação, tradução (VALE, 2002).

1.3.1 Natureza estrutural

No que concerne à natureza morfossintática, que ratifica o princípio da

complexidade lexical, identificamos EIs verbais, nominais, adjetivas, adverbiais e frasais.

Verifiquemos alguns exemplos dessas estruturas:

a) sintagmas verbais: bater as botas ou sentar a mão. E podem ocorrer EIs elípticas nas quais

não se explicita um dos elementos do sintagma frasal: saber (...) por alto ou tomar todas (...).

b) sintagmas nominais: cara de cavalo; rato de biblioteca.

c) sintagmas de função adjetiva com ou sem construções paralelas: são aquelas EIs que

funcionam como adjetivos mas que modificam o substantivo, caso de homem de bem, que

qualifica o indivíduo honesto, ou mulher de verdade, para designar a que assume grande

responsabilidade ou tem postura rígida.

d) sintagmas de função adverbial: a EI de cara, por exemplo, que é uma locução adverbial

conotativa, é empregada em determinados contextos nos quais pode ser substituída por

advérbios como “subitamente” ou “repentinamente”, por exemplo: abandonar de cara, falar

de cara.

e) sintagmas frasais, exclamativos ou interrogativos: tá com fogo no rabo?, por exemplo, é

usada para questionar sobre grande agitação de um indivíduo.

1.3.2 Casos especiais

Consideramos, abaixo, alguns tipos de EIs, no que concerne a algumas relações

semânticas, em razão de sua alta freqüência na língua portuguesa do Brasil contemporâneo.

a) EIs alusivas: São aquelas em que há a necessidade de uma incursão de conhecimentos

enciclopédicos para que se esclareça sua significação. Por exemplo: beijo de Judas,

idiomatismo alusivo à Bíblia, quando o apóstolo, cognominado Iscariote, identifica Jesus, em

meio aos apóstolos e soldados, desferindo-lhe um beijo e indicando sua traição. Há, entre

outras referências na Bíblia (1962), o evangelho de São Mateus, capítulo 26, versículos 47, 48

e 49:

47 - Estando ele ainda falando, eis que chega Judas, um dos doze, e com ele uma grande multidão de gente com espadas e varapaus, que eram os ministros enviados pelos príncipes dos sacerdotes e pelos anciãos do povo; 48 - Ora o traidor tinha-lhes dado este sinal, dizendo:

Aquele a quem eu der um ósculo, esse é que é: prendei-o; 49 - E chegando-se logo a Jesus lhe disse: Deus te salve, Mestre. E deu-lhe um ósculo. (p.1172)

b) EIs análogas: São as EIs similares em seus termos constituintes e com sentidos próximos,

como pôr a limpo, que pressupõe o esclarecimento de informações desconhecidas ou mal

explicadas e pôr em pratos limpos, que indica aclarar uma questão ou fato confuso, sem

deixar dúvida.

c) EIs depreciativas: Trata-se de idiomatismos com sentido pejorativo. Olho de peixe morto é

um exemplo de EI que faz alusão à feiúra ou à inexpressividade dos olhos de alguém em

comparação aos olhos dos peixes.

d) EIs comparativas: São as EIs que têm como núcleo a comparação, tendo em sua estrutura

propriedades adjetivas ou verbais e elementos comparativos: livre como um pássaro, que

indica LIBERDADE por meio da comparação com o modo de viver de uma ave.

e) EIs hiperbólicas: São as EIs que apresentam valor expressivo e afetivo, geralmente absurdo

e exagerado. Por exemplo, a EI matar cachorro a grito descreve, com exagero, a situação

dificultosa em que um indivíduo se encontra.

f) EIs irônicas: Trata-se de um dos efeitos de sentido da antífrase, procedimento expressivo

determinado pelo contrário do que se diz. A EI rei ou rainha da cocada preta é irônica porque

tem em seus termos constituintes a designação usada para indicar um(a) monarca (“rei” ou

“rainha”, dependendo do gênero do indivíduo a que se refere) mas que, ironicamente,

descreve o grupo sobre o qual detém o poder com um doce típico do Brasil e de fácil preparo.

Assim, apesar de “rei” ou “rainha” carregarem sentidos positivos ligados ao poder (nobreza,

soberania), “cocada” é uma guloseima comum que, embora muito apreciada no Brasil, não

exige grandes méritos culinários em seu preparo e, por isso, a articulação com “rei/rainha”, o

chefe de Estado investido de realeza, é irônica pois ironia é uma figura de linguagem que

emprega inteligentemente contrastes para ressaltar efeito humorístico.

g) EIs negativas: São as expressões usadas exclusivamente na forma negativa, sendo

impossível passar para a afirmativa, como é o caso de não dar a mínima, referente à falta de

importância dada ou recebida por alguém a algo. Em ambas, não há possibilidade de uma

inversão para uma asserção afirmativa.

h) EIs situacionais: São as EIs utilizadas em um contexto social determinado ou

desencadeadas por uma situação específica, notadamente usadas em designações de ameaças

ou provocações. Por exemplo, vá lamber sabão!, EI desrespeitosa usada para pedir que

alguém se retire por desacordo com comportamento, ação ou idéia.

Com base nas características intrínsecas das UFs idiomáticas e das observações

levantadas neste capítulo, podemos dizer que chegamos a uma delimitação de EI, a unidade a

ser tratada no dicionário fraseológico proposto nesta pesquisa, a saber: uma lexia complexa

(expressão), com sentido conotativo (figurado), cristalizada pela tradição cultural

(lexicalizada) e restrita possibilidade de variação. Assim, discorreremos no capítulo seguinte

sobre as peculiaridades de um dicionário fraseológico, que é uma obra lexicográfica especial.

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