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Tipologia das práticas restaurativas

A Justiça Restaurativa pretende atuar nos três campos de ação social envolvidos em um conflito, dando respostas às necessidades da vítima, responsabilizando o ofensor e implicando a comunidade no processo de resolução de conflitos. Sendo assim, revisitando a teoria de Paul Mccold e Ted Wachtel (2013), para que uma prática possa ser considerada totalmente restaurativa, ela precisa contemplar as três referidas dimensões. Se duas das dimensões estiverem atendidas, considera-se a ação na maior parte restaurativa. Se apenas uma das dimensões for trabalhada, a prática é considerada parcialmente restaurativa.

A figura a seguir exemplifica como ocorrem as interações em estudo:

Mccold e Wachtel (2003, p. 3) afirmam que “o compartilhamento de emoções necessário para atingir os objetivos de todos os que foram diretamente afetados não pode ocorrer através de participação unilateral. O mais restaurativo dos processos requer a participação ativa dos três grupos.” Sendo assim, quando há a devida atenção para com a vítima, a efetiva responsabilização do ofensor e a adequada implicação da comunidade, a Justiça Restaurativa estará presente em sua plenitude. Estariam nesta posição privilegiada os círculos de Justiça Restaurativa e as conferências de grupo familiar.

Howard Zehr, por sua vez, estabelece a classificação dos graus entre as práticas restaurativas em cinco níveis, de maior para o menor na seguinte escala: totalmente restaurativa, majoritariamente restaurativa, parcialmente restaurativa, potencialmente restaurativa, pseudo ou não restaurativa. O referido autor ainda pondera que há situações em que os modelos, ainda que sejam classificados como totalmente restaurativos, podem na prática não o ser, como nos casos das conferências em que o ofensor não é encontrado ou que não está disposto a assumir a responsabilidade ou mesmo quando o ofensor se mostra disposto a compreender as consequências de seus atos e assumir responsabilidades, mas a vítima está ausente ou recalcitrante (ZEHR, 2012).

Afirma-se que as práticas que não foram necessariamente concebidas dentro do paradigma restaurativo podem ser analisadas quanto à sua restauratividade. Por exemplo, à luz da teoria, pode ser classificada como prática parcialmente restaurativa a iniciativa federal

“Programa Mulher, Viver sem Violência”, que construirá centros chamados “Casa da Mulher Brasileira”, que integrarão serviços públicos de segurança, justiça, saúde, assistência social,

acolhimento, abrigamento e orientação para o trabalho, emprego e renda em todas as capitais brasileiras (MULHER..., 2013). O fato de a ação ser classificada como parcialmente restaurativa não quer dizer que ela seja menos importante. Apenas quer dizer que, na concepção do programa, priorizou-se o atendimento à vítima em maior medida que a implicação da comunidade e a responsabilização do ofensor.

As ações do Programa Novos Rumos na Execução Penal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que engloba várias iniciativas como, por exemplo, a expansão do método APAC, o Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário (PAI-PJ) e o Programa Começar de Novo no âmbito do Estado, podem ser classificadas como sendo na maior parte restaurativas. O Tribunal de Justiça regulamentou o programa por meio da resolução nº 633/10, que estabelece, da norma,dentro de seus objetivos, os seguintes:

Art. 5º [...] I - manter e aprimorar a propagação da metodologia APAC, buscando a sensibilização da comunidade para as práticas de humanização da pena e do Juízo da Execução, para a devida aplicação da Lei de Execuções Penais; II - estabelecer parcerias com órgãos públicos e instituições públicas e privadas,[...] visando a implementação de práticas de valorização e resgate humano do preso, enquanto interno do sistema penal, buscando sua aproximação com a família e oportuna e bem sucedida inclusão no mercado de trabalho. (MINAS GERAIS, 2010)

No tocante à metodologia das APACs - Associação de Proteção e Assistência ao Condenado, que é a expressão dos ideais do professor paulista e advogado Mário Ottoboni, estão presentes os sentidos de responsabilização do ofensor e implicação da comunidade. Trata-se de uma pessoa jurídica de direito privado que administra centros de reintegração social de sentenciados. Segundo o portal do TJMG, estima-se que a reincidência entre os egressos das unidades APAC gira em torno de 15% (quinze por cento) enquanto que os oriundos do sistema comum alcançam o percentual de 70% (setenta por cento). A distinção essencial do modelo APAC e o sistema prisional comum é que na APAC os próprios presos, lá chamados de recuperandos, são co-responsáveis pela sua recuperação e têm assistência espiritual, médica, psicológica e jurídica prestada pela comunidade. À medida que o apenado progride de regime na execução, aumenta seu envolvimento com a comunidade, sendo que ele pode trabalhar em obras públicas ou em empresas locais nos estágios mais avançados (APAC..., 2013).

Com relação ao Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário (PAI-PJ), que desde 2001 promove o acompanhamento dos portadores de sofrimento mental relacionados à justiça criminal, considera-se também uma prática, na maior parte, restaurativa. O trabalho de inserção social e de articulação da rede de saúde mental é desenvolvido através do acompanhamento caso a caso, considerando a singularidade clínica, social e jurídica, secretariando o paciente judiciário em sua construção do laço com a família, a comunidade e território social. Os técnicos do programa auxiliam os juízes criminais de todo o Estado para que seja possível a correta individualização da pena ou medida de segurança, bem como podem encaminhar os pacientes para inserção nas redes assistencial, educacional e laboral. Na sede do programa, também é prestado apoio psicológico aos familiares dos portadores de sofrimento mental assistidos, iniciativa esta em parceria com a PUC-Minas, que encaminha os estudantes para o estágio curricular no programa.

Instituído em todo o Brasil a partir da resolução nº 96/2009 do Conselho Nacional de Justiça, o Programa “Começar de Novo” objetiva promover ações de reinserção social de presos, egressos do sistema carcerário e de cumpridores de penas e medidas alternativas (art.

1º). Ao mesmo tempo em que o programa pretende realizar campanha de mobilização para a criação de uma rede de cidadania em favor da ressocialização e estabelecer parcerias com associações de classe patronais, organizações civis e gestores públicos, para apoiar as ações de reinserção, gera-se o efeito da responsabilização através do trabalho para o egresso. Por isso, a prática poder ser também considerada como sendo na maior parte restaurativa (BRASIL, 2009b).