• Nenhum resultado encontrado

Não há um perfil de coronel. É visível, em todos os casos, uma identidade que caracteriza, que informa a liturgia do poder, mas as características pessoais do coronel não são padronizadas. Todavia, há traços comuns que podem ser identificados de forma a permitir a categorização de uma tipologia do coronel, em função de: a) porte e forma de mando; b) alinhamento; c) dependência.

Quanto ao porte e forma de mando, pode-se distinguir o poder exercido através do mando direto ou do mando intermediário, por coronéis de pequeno ou grande porte.

0 coronel de pequeno porte, que tem poder limitado em termos de quantidade de pessoas que pode influenciar, exerce

apenas o mando direto, que acontece pela ordem direta, fiscaliza- tiva, de caráter bem mais autoritário, onde o eleitor é mais fechado em curral, trazido à urna em cabresto. De ordinário, o pequeno coronel, que exerce o mando direto, é vinculado a um grande coronel, de influência mais ampla.

0 grande coronel, por sua vez, não obstante ter o poder de dar ordens diretamente a seus eleitores, não se preocupa em fazê-lo. Sua vontade acontece, no comum das vezes, pela interferência do intermediário. Ao contrário do pequeno coronel, que necessita cercar o eleitor, o grande coronel apenas divulga a

73

notícia, espalha o que pretende e o povo procura saber o que deve ser feito, se informar da vontade superior, buscando o conselho e a orientação do cabo eleitoral. E comum, inclusive, ao popular tomado de maior ousio, ir à casa do coronel levar-lhe os respeitos e pedir-lhe orientação, fato que é ocasião de marcante importância e que o eleva no conceito do reduto. Tal visita, se o ousado souber capitalizá-la, pode inclusive tranformá-lo em cabo eleitoral e justificar ao agora candidato a líder de uma pequena paróquia, a freqüência à casa do chefe.

"Quando o poder é direto sobre o eleitorado, o coronel tem certeza de dominar as eleições. No entanto, quando entre o èleitorado e o coronel existem intermediários .... o poder se torna mais flutuante." (1) Isto não significa menor poder por parte do grande coronel, traduzindo apenas o fato de que se conta agora com possíveis falhas intermediárias, eventuais trocas de lado, erros naturais e mesmo traições ocasionais. Mas tais margens de falhas são encaradas como erros técnicos e calculadas com precisão matemática. ,

Quanto ao alinhamento, no comum das vezes, o coronel é do partido do governo. Se trabalha para o candidato que não vence, sua prime~ira preocupação é acercar-se do novo titular do Governo Estadual, nível a que normalmente tem acesso. Há o alinhamento automático e o Governador já conta com ele, mesmo que não saiba disso.

0 coronel não alinhado, ou vinculado a partido, normal­ mente é o de grande porte, com capacidade de resistir às amarguras da oposição e com influência a nível estadual. Em geral é o coronel que joga pelo poder de governar, que disputa em alto nível as eleições. Para não alinhar-se, ficar na oposição, o coronel haverá de ter suporte econômico para se manter e à sua gente, sem o que não resistirá aos anos de ostracismo.

Em termos de dependência, de necessidade do poder público, se bem que o emprego da violência não é o modo primário de

74

atuação do coronel, ele necessita de milícia. No mínimo por uma questão de efeito-demonstração, para apresentar demonstração de força. 0 chefe político necessita de polícia, tendo-a às expensas suas ou por influência da força pública.

Quanto mais contar com seus próprios contingentes, tanto mais será autônomo o coronel. Dependente das armas públicas o coronel será burocrata, vinculado, espécie de funcionário. "Pode­ rosa a milícia estadual, fracos os coronéis; rala a força policial, ou integrada de contingentes privados, poderoso será o coronel. Despido de homens, armas e homogeneidade o corpo paramilitar estadual, o coronel se recrutará entre os fazendeiro^ só estes capazes de organizar bando próprio, incorporável à força estadual sempre que útil. Disciplinada e militarizada a milícia, com elevado índice de profissionalização, murcha a empáfia do chefe local, dependente, para o emprego da violência e para proteger seus homens, do auxílio estadual. Nesse caso, outras categorias, que não as territoriais, podem ocupar a posição de coronel, como o coronel advogado, o coronel comerciante, o coronel médico, o coronel padre." (2) Os coronéis nascidos em tais circunstâncias, porém, têm absoluta dependência do poder público^, e como receberam o poder por determinação superior, da mesma forma podem perdê-lo. Não têm raízes, são muitas vezes estranhos ao local e não raro não conseguem formar ^ víncuilos, sendo obedecidos porque sustentados por força, mas sempre fustigados de perto pelos chefes políticos naturais do local.

Além das categorias referenciadas, há outras formas de procedimento próprias dos coronéis. 0 exercício do coronelismo, uma maneira de atuar politicamente, pode ser levado por pessoas com características as mais diversas. Há o coronel reservado, mesmo no seu ambiente, e há o festeiro, dado a formar rodas e conversar com todos, atendendo seus protegidos de público. Há o coronel que visita, distingue famílias e o que apenas é visitado. Há os que acumulam riquezas e os coronéis que apenas se fascinam

75

com o jogo do poder. Muitos se assessoram, buscando doutores, outros os ojerizam. Há coronéis que se fazem eleger ou aos seus familiares, outros fazem eleitos. Os que querem empregos, os que ós-dispensam. Enfim, o modo pessoal de o coronel atuar não define a relação. Há o coronelismo quando há a barganha, a intermediação, a dependência. 0 coronelismo é compromisso, e cada coronel o estabelece a seu modo, mas cada modo não foge ao fundamental: tro­ ca comrpomissada de interesses.

REFERÊMCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. 0 coronelismo numa in - terpretação sociológica. In: CARDOSO, Fernando Henrique et alii. 0 Brasil Republicano. São Paulo, DIFEL, 1977. v.3. p. I5 8.

2. FAORO, Raymundo. Os donos do poderj formação do patronato político brasileiro. 4- ed. Porto Alegre, Globo, 1977« p* 6 3O.

P A R T E I I I

I I Í T R O D I I Í Ç J I O

Em Imaruí, Santa Catarina, há quase um século uma familia tem decisiva influência política nos destinos da cidade. A convivência com o poder é comum à família Bittencourt desde 1 8 9 1, quando Jerônimo Luiz Bittencourt tornou-se Intendente. A convivência com a coisa pública continuou com Ezaú Bittencourt, chefe da geração seguinte. Seu mais hábil membro, porém, foi Pedro Bittencourt, neto de Jerônimo, filho de Ezaú.

Instalado no mando do Município em 1930, permaneceu até sua morte, em 1982. 0 poder local e a forma de gerí-lo e mantê-lo, sem dúvida, foi inventariado em família, como o mais respeitável e precioso de todos os bens. E com todo um ritual silencioso, em um ambiente de esoterismo só sentido pelos iniciados, o bastão do Velho Coronel passou às mãos de Portinho Bittencourt, novo chefe político da família. A maneira de a família manter - se no comando da cidade de Imaruí, por tantos anos, é o objeto específico deste estudo.

C A P I T U L O I

No documento A estrutura coronelista de dominação (páginas 86-93)