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2.3. T OPOLOGIA

2.3.2. A Topologia na Psicanálise

Lacan fundamentou seu discurso na noção geral da topologia. Ele a interpretou como uma estrutura que pode ser organizada através de seus lugares e que compõem um certo espaço. A ideia que podemos apreender dessa definição é de que uma topologia dissolve a ideia de interior, ou seja, as operações de união e interseção sobre seus elementos geram outros elementos pertencentes a ela (CORRÊA, 2003). E essa noção implicada com a teoria do significante, utilizada por Lacan, mostra como os efeitos do significante são “internos” ao seu próprio campo (ERLICH, 2007).

Depois de trabalhar com o conceito de topologia geral, Lacan introduziu em seus seminários a noção de superfícies fechadas, como a esférica. Uma infinidade de caminhos podem ser construídos sobre ela sem observarmos nenhum tipo de interrupção. Isso já não acontece com uma seção limitada do plano. Se o percorremos indefinidamente para “frente”, em algum momento encontraremos seu bordo (ERLICH, 2007). Um outro exemplo de superfície não-fechada é a Banda de Möebius23. Mesmo não entrando na categoria de superfícies fechadas, Lacan escolheu essa superfície.

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Também conhecido como Faixa de Möebius e Fita Möebius é o objeto obtido pela colagem das duas extremidades de uma fita, após dar meia volta numa delas (neste trabalho os três termos poderão ser utilizados, assim, consideram-se

Outras duas propriedades topológicas fundamentais, utilizadas por Lacan, devem ser mencionadas, em relação às superfícies. A primeira é que as superfícies são conexas, isto é, pegando-se quaisquer dois pontos na superfície podemos ligá-los por um caminho ininterrupto (GRANON-LAFONT, 1996). A segunda propriedade topológica é a possibilidade de imaginar a superfície como um pedaço só.

Para Lacan, a causa que interessa à psicanálise é essa identificação com o real (ERLICH, 2007). As superfícies mencionadas acima são devidamente estruturadas, por isso, podemos entendê-las como uma totalidade estrutural. Mesmo assim, não podemos evocá-las para nossa imaginação, nem traduzí-las através de figuras. Quando o fazemos, a perda da intuição do todo se constata.

A topologia, mostrada por Lacan, nos anos 70 concede novo patamar à ideia de sucessão ou deslizamento.24 O que ele ressalta com a topologia é exatamente aquilo que escapa ao sentido e que deverá, por isso mesmo, ser bordejado no tratamento analítico de outra maneira. É algo do Real que pode aparecer nesse contexto, então, ele preferia a não interferência no discurso do paciente, ou seja, permitir a associação livre para que o próprio analisando descobrisse as suas questões, sem que o analista passe os seus significantes para o paciente.

Lacan realizou seus estudos de lógica e de topologia matemática que o levaram à formulação dos matemas25 e da cadeia borromeana (CORRÊA, 2003). A formalização topológica deve ser utilizada em que situações? Segundo Guerra et. al. (2008), Lacan reconhece a insuficiência do matema em transmitir integralmente a experiência clínica. Porém, se a formalização matemática só subsiste à condição de que seja lida, falada, temos aí um limitador. Por não haver metalinguagem, Lacan recorre aos matemas, à Topologia para mostrar o funcionamento da clínica psicanalítica.

eles como sinônimos) (GRANON-LAFONT,1996). 24

Em topologia é a seqüência concebida em um conjunto ordenado de elementos (GRANON-LAFONT,1996).

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Tipo de formalidade com que alguns conceitos centrais da psicanálise poderiam ser descritos por uma notação algébrica. Essas fórmulas representam simbolicamente os termos de uma estrutura e as relações de seus componentes (GUERRA et. al, 2008)

Inevitável enfrentar o paradoxo da utilidade da topologia nas estruturas clínicas, pois o próprio texto de Lacan nada esclarece sobre a matéria. Apesar disso, segundo ele, muitas coisas são explicadas pela topologia (GUERRA et al, 2008). A psicanálise não é uma ciência, uma visão de mundo ou filosofia que pretende dar a chave do universo. A psicanálise é um método de investigação, que consiste em evidenciar o significado inconsciente das palavras, das ações, das produções imaginárias, através da associação-livre (ERLICH, 2007).

A obra de Lacan deixou um legado de perguntas, teorias e conceitos inovadores e complexos. Todavia, um dos discursos deixados como herança é a estrutura do Real, Simbólico e Imaginário. A noção de espaço criada por esses três entes indissociáveis conduzem à representação da ligação do sujeito com a realidade, que foi decisiva para o desenvolvimento de uma nova práxis26 na clínica psicanalítica.

Na visão de Lacan, o registro do Real é o que não se pode expressar através da linguagem. É o que não se pode dizer, representar ou ponderar. A necessidade de um suporte se torna imprescindível para o registro do Real, desse modo, o Simbólico exercerá uma função de linguagem, mas não essa a que estamos acostumados, de conteúdo. O Simbólico terá papel fundamental na atuação dos significantes. Lacan lhe atribuiu extrema importância na constituição do aparelho psíquico devido à sua função de reconhecimento primário do ser (GRANON- LAFONT, 1996).

Foi na topologia que Lacan encontrou o objeto matemático para representar as estruturas: RSI. A concatenação do nó é exatamente a visualização do funcionamento dos três registros em harmonia.

Todavia, grande valor há no entendimento do que a topologia significou e, principalmente, o porquê de sua utilização na teoria lacaniana. Segundo Erlich (2007), a topologia e as outras referências matemáticas não estão nos textos de Lacan como aparecem nos textos científicos. Pode-se verificar na literatura psicanalítica que Lacan não teve a pretensão de usar a matemática para embasar suas teorias psicanalíticas como científicas. A topologia foi utilizada em seus textos como um objeto que mostra os registros das experiências psíquicas.

De fato, é difícil que um psicanalista, inclusive o lacaniano, entenda a topologia proposta por Lacan em sua totalidade, que não haja

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Relação entre teoria e prática. A teoria se modifica constantemente com a experiência prática, que por sua vez se modifica constantemente com a teoria (LOWY, 1997).

falta. Se para muitos, seu texto é de estilo obscuro, a presença de matemas e equações matemáticas corroboram ainda mais essa inacessibilidade. A primeira impressão do texto de Lacan é um desamparo semântico, como nos assinala Erlich (2007). Esse desamparo mostra o quanto o sujeito está vinculado à palavra no que se refere à articulação da linguagem como efeito de esclarecimento.

Lacan fez uso da matemática e linguística como uma ponte para a estruturação da psicanálise. O avanço no ensino de Lacan se deu através de seu esforço constante na obtenção de matemas, a partir das experiências analíticas, e a renúncia deste esforço torna a experiência uma prática cuja objetividade seria a fascinação do indizível (MELO, 2007). Assim, a topologia serviu como fio condutor deste esforço para a matematização dos termos que participam das experiências psicanalíticas.

Segundo Granon-Lafont (1996), a topologia é condizente com a psicanálise devido a sua semelhança em relação à noção de espaço e as relações que a estruturam. Para a autora, a topologia vai muito além do uso de esquemas com valor explicativo ou didático. A topologia intercede no discurso como fundamento epistemológico dos conhecimentos trazidos pelos esquemas.

A topologia foi a última referência matemática utilizada por Lacan. Antes dela, a presença de grafos27 e esquemas “topológicos” indicavam uma predisposição de Lacan ao encontro de uma nova maneira de sustentar seus discursos.

Lacan se valeu dos matemas e dos objetos topológicos como uma maneira de formalizar e estruturar sua teoria sem perda de sentido (CORRÊA, 2003). Após tentativas em outras áreas do conhecimento, foi na matemática que ele procurou a formalização para a estrutura do inconsciente.

A construção de uma lógica para o sujeito também surpreendeu seu público e seus críticos. Mas, como não poderia deixa de ser, Lacan mais uma vez conduz suas ideias de maneira peculiar (GUERRA et al, 2008). De certo modo, ele propõe uma lógica diferente da lógica clássica, pois sabia que a estrutura do inconsciente se estabelecia a partir dos paradoxos.

Seus estudos para criar os matemas e instituir uma lógica ao inconsciente contribuíram para uma releitura mais formalizada da teoria

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Grafo é representado como um conjunto de pontos (vèrtices) ligados por retas (as arestas) (COLLI, S/D).

de Freud. Seu uso nos seminários fortaleceu ainda mais a formalização da estrutura psíquica (GUERRA et al, 2008).

E não foi por acaso que Lacan escolheu os objetos topológicos. Com a topologia, Lacan poderia inserir alguns conceitos ou estruturar pensamentos, como por exemplo, o conceito de corte sobre o sujeito. E ainda abordar temáticas como espaço-tempo implicados com o significante e significado dispostos sobre cada face da Banda de Möebius (MELO, 2007).

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