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3 CAPÍTULO II – SENDO ÁGAPE: O COTIDIANO DE ECOS DE VOZES DESTOANTES EM

4.1 Tornando-se servos

A dança no catolicismo foi retomada com o MRCC. Alguns autores (MAUÉS, 2003, 2007; CSORDAS, 2008; SOFIATI, 2009), ao estudarem o Movimento, relatam a presença da dança. No entanto, não se dedicam profundamente a análise de todas elas. Somente Maués (2003) analisa uma

delas, que não foi encontrada na presente pesquisa e em sua publicação de 2000 chega a descrever um fragmento de dança, no entanto, dedica seu texto a diversas práticas distintas.

Todos entraram na capela. Notei que sobre o altar se encontravam algumas cruzes utilizadas como adereço cristão, uma bíblia aberta e uma vela muito bonita, acesa. Ao centro do recinto havia três bancos posicionados paralelamente um ao outro.

Qualquer espaço físico pode ser um lugar para dançar. Isso não significa necessariamente que a dança não possa ser executada em um lugar específico, porém, concordando-se com Saraiva et al. (2005), todo e qualquer espaço pode ser visto como propício para a dança. Os conhecimentos desenvolvidos dessa forma abrem um leque para que a dança tenha uma vasta possibilidade para sua realização.

De repente, Cláudia deu boa noite a todos e convidou a ficarem em pé. Disse que fizéssemos a dinâmica da música “o mar se abriu” com os bancos no meio mesmo. O violão começou no ritmo e alguns começaram a balançar com o toque.

A música oferece o papel de apoio e estímulo, não necessariamente o ritmo. Ou seja, não é necessário que o ritmo do dançarino seja o ritmo da música, o mais importante é o fluxo do movimento. Ao dançar o importante é a produção de significados que a dança adquire, ou seja, a intenção que nos move na realização do movimento (SARAIVA et al., 2005).

As técnicas de movimento são um fazer humano cujo resultado se expressa no corpo. A dança possibilita que o corpo seja meio e fim da técnica corporal. Todos os movimentos, por mais simples que sejam, exigem a utilização de técnicas para ser aplicadas, o que possibilita incluir na dança os movimentos do cotidiano.

Após a dança, foi realizada uma dinâmica de reflexão. Foram distribuídos balões, foi dada a permissão para enchê-los, relembrando a história de vida dentro deles. A partir de então foram requeridas várias técnicas com o balão como: andar pela capela olhando para o balão, brincar de manter o balão flutuando no ar, tomar o balão do outro, estourá-lo ou trocá-lo com outra pessoa. Ao fim, partilharam de suas experiências com o balão na mão estouraram o balão.

A dialética do movimento sugere a possibilidade de surgir outros movimentos que não são os convencionais/usuais. Com efeito, a dança, através do improviso, como a experiência com balões, pode-se desatrelar-se dos estereótipos de movimento.

O estourar do balão deu início à uma nova dinâmica, que era tirar uma pequena carta de dentro de um saco, ler a pequena frase que se encontrava escrita de fora e entregar a alguém para que ela lesse o que estava dentro. A pessoa que recebia a carta podia escolher se lia ou não o que estava dentro da carta. Sandra começou e a dinâmica foi se passando, até ela receber um papel. Mas ainda havia algumas pessoas que não haviam participado da dinâmica, falaram que era pra eu

iniciar novamente, eu disse que não conhecia muito as pessoas. Aí a Bárbara me disse que era pra eu fazer assim mesmo. Então peguei o papel, li em voz alta e entreguei à pessoa que estava à minha frente, no caso Mateus. Ao entregar o papel, Cláudia disse que foi corretamente endereçado, que a frase era a cara dele. Eu disse que o escolhi só porque eu o tinha visto primeiro. Então a dinâmica continuou até Cláudia retirar um papel e entregar a mim. Mas ainda faltava João e novamente disseram que era para eu tirar. Eu tirei e li, muitos riram, e falaram que era a cara dele. Em seguida, Pedro pediu para que os servos iniciantes se sentassem nos três bancos posicionados ao centro da capela. Quatro pessoas se levantaram, Felipe, Marcela, Lucas e Tiago. Paulo cantou uma música que dizia sobre a importância do servir a Deus. Ao fim da música, Pedro pediu para que rezássemos para os servos, as pessoas impuseram as mãos de longe e disseram orações espontâneas.

Depois cantaram uma música bonita sobre o servir e sobre a cruz. Alguns servos novos choraram nessa hora, mas todos espontaneamente se levantaram e pegaram. Ao notar que todos pegaram, Pedro disse que não colocaria a cruz no pescoço de ninguém, pois não eram obrigados a usar. Coloquem vocês mesmos no pescoço de vocês e usem quando quiserem.

Cantaram mais uma música e algumas pessoas se aproximaram para abraçar e falar coisas, que não davam para ser ouvidas por mim, aos novos integrantes. Depois desse momento, Pedro perguntou se todos estavam felizes naquele momento e todos sorriram. Ele disse que esse foi um momento de alegria. Reunimo-nos em círculo novamente, fizemos mais duas orações formais, Pai-Nosso e São Miguel Arcanjo, fizemos o sinal da cruz e fomos embora.

Nessa adoração notou-se uma configuração muito semelhante ao dos encontros de sábado à noite, só que no lugar da pregação (ou oração) foram realizados três momentos, a dinâmica com balões, a atividade com as cartas e um momento muito íntimo aos servos neófitos. Sendo que esse último parece um momento de iniciação de quatro servos.

Como se pode perceber, trata-se de um ritual de iniciação marcado pelo nascimento dos servos. Para as pessoas que adotam a religião como prática em suas vidas determinados momentos são tratados como especiais. Pode-se dizer que o ritual de iniciação está entre estes momentos especiais. Nesse momento do nascimento, o servo morre para a vida profana e nasce para a vida sagrada, que será uma forma de partilhar sua felicidade com Deus, encaminhando-se para uma existência santificada. Assim, o iniciado não é somente um ressuscitado, mas também um conhecedor das crenças e rituais. De modo que a iniciação se equivale ao reconhecimento do amadurecimento espiritual daquele neófito (ELIADE, 2008).

Os iniciados, como os servos do Ágape, cujo ritual de iniciação foi anteriormente descrito, agora estão salvos de todo o mal, sendo assim o simbolismo do nascimento acompanha sempre o da morte, que carrega o significado de superação da condição profana, não santificada e cego para o espírito, como já enunciava Eliade (2008) em seus estudos.

Merece destaque no ritual de iniciação dos servos a forte presença da cruz como um elemento de devoção e de forte apelo religioso. A cruz, na descrição do ritual de iniciação, aparenta ser o elemento chave. Não se trata apenas de um objeto, ela representa a morte e a ressurreição, simultaneamente. De acordo com Gélis (2012), a representação da cruz traz como informação central a noção de que o corpo de Cristo se encontra no centro da mensagem cristã. É pois um corpo que nasceu na terra, viveu e morreu, consumado no sofrimento de sua missão. De forma que os instrumentos que martirizaram a carne de Cristo e o levaram à morte foram considerados, pela Igreja Católica, como armas da luta vitoriosa contra as forças do mal – satanás –, e merecem ser honradas por todos aqueles que creem no Deus cristão e buscam a existência santificada.

Também foi evidenciado que durante todo o ritual houve a presença da musicalidade. Dança-se com a música, reza-se com a música, realizam-se reflexões com a música e ao iniciar um servo não poderiam faltar músicas. Músicas que muitas das vezes suscitam alguma técnica corporal, como o choro durante a iniciação, ou como os movimentos pendulares ou até que levam a uma oração em línguas, cantada.

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