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Conforme descrito acima, sabemos que a interação gravitacional entre as estrelas de um sistema binário gera as protuberâncias de maré. Como consequência, surge o chamado torque de maréque modifica o momento angular das estrelas quando a sua rotação não está sincronizada com o movimento orbital.

Mostramos na Figura (2.7) um esquema ilustrando duas estrelas de um sistema binário interagindo gravitacionalmente. Vamos considerar que a estrela 1 seja a estrela primária e que a estrela 2 seja a estrela secundária. Quando o movimento orbital e rotacional estão sincronizados, a protuberância de maré da estrela 1 fica perfeitamente alinhada com a estrela 2 durante a evolução orbital. No entanto, quando a rotação não está sincronizada com o movimento orbital, algum tipo de dissipação causa um pequeno atraso na protuberância, com relação à linha que une os centros das duas estrelas, como pode ser visto na Figura (2.7). Quando isso ocorre, a estrela experimenta um torque que tende a mudar o seu momento angular, de modo que os movimentos orbital e rotacional entrem em sincronização. Esse torque é dado porZahn(1977)

Capítulo 2. Estrelas Binárias 39 Γ = −GM 2 2 R1  R1 a 6 sin α, (2.26)

onde α é o ângulo de atraso da protuberância de maré, R1 é o raio da estrela onde o torque é exercido, M2 é massa da estrela que aplica o torque e a é a distância entre os centros das estrelas.

Figura 2.7: Torque exercido em uma estrela pela sua companheira, devido ao efeito de maré. O ângulo α mede a defasagem (atraso) devido aos processos dissipativos. Exageramos as dimensões da estrela 1 com relação à estrela 2, com o objetivo de visualizarmos o esquema com mais clareza.

Considerando que a estrela 1, representada nessa Figura, gire com um período orbital maior do que o período de rotação, veremos claramente que, o torque expresso na equação (2.26) aumentará a sua rotação. Como pode ser visto através da ilustração, a protuberância A, da estrela 1, está mais próxima da estrela 2 do que a protuberância B. Assim, a força F1, que atua em A, é maior que a força F2, que atua em B. Como consequência dessa diferença de forças, surge uma força resultante não-central que tende a aumentar a rotação da estrela 1 e uma força que tende a frear o movimento de translação da estrela 2. Quando o período orbital da estrela é menor do que o seu período de rotação, a protuberância de maré avança com relação à linha que une os centros das estrelas. Assim, o ângulo α se torna negativo, o torque inverte o seu sentido e atua diminuindo

Capítulo 2. Estrelas Binárias 40

a rotação da estrela 1. A força que atua na estrela 2 também inverte o seu sentido de atuação, passando a acelerar o movimento de translação da estrela 2. Nessas duas situações possíveis, o processo de interação de maré tende a levar o sistema para o estado sincronizado.

Existem duas grandezas essenciais quando falamos em efeito de maré gravitacional. São elas: o tempo característico de sincronização tsinc, e o tempo característico de circularização tcirc. A seguir, faremos uma estimativa dessas escalas e tempo.

Consideremos um caso simples, onde o atraso da protuberância de maré nas estrelas, me- dido pelo ângulo α, é proporcional à diferença de sincronismo (Ω − ω), onde Ω é o módulo da velocidade de rotação da estrela 1 e ω é o módulo da velocidade angular orbital da estrela 2. Neste caso, o ângulo α também é proporcional à intensidade do processo responsável pela dissipação da energia cinética em calor, sendo, por isso, inversamente proporcional ao tempo característico do processo de dissipação, tf. Desse modo, temos

α = (Ω − ω) tf

R3 GM1

, (2.27)

onde foi introduzido o tempo de queda livre (free-fall time), (GM1/R31) −1/2

, para tornar α adimen- sional. O tempo de sincronização é definido com sendo (Zahn 1977):

1 tsinc = − 1 Ω − ω dΩ dt = − Γ I1(Ω − ω) (2.28)

onde I1 é o momento de inércia da estrela 1. Com ajuda das equações (2.26) e (2.27), e fazendo a aproximação α ≈ sen α, podemos escrever

1 tsinc = 6k2 tf q2M1R 2 1 I1  R1 a 6 (2.29)

Capítulo 2. Estrelas Binárias 41

A constante k2 é a resposta ao campo de dipolo externo devido à estrela secundária e é uma função apenas da concentração da massa nessa estrela. R1 é o raio da estrela primária, I1 é o momento de inércia da estrela primária em relação a seu eixo de rotação e a é o semi-eixo maior da órbita.

O tempo característico para a circularização do sistema é obtido resolvendo-se as equações diferenciais que governam a variação da excentricidade e fazendo-se Ω ≈ ω , de modo que temos:

1 tcirc = −1 e de dt = 64 3 k2 tf q (1 + q) R1 a 8 . (2.30)

Nessa expressão, a é o semi-eixo maior da órbita do sistema (ver Zahn 1977). Aqui é importante salientar a grande diferença entre as escalas de tempo para a sincronização e circulari- zação. Por exemplo, para um sistema binário onde M1 = 1 M , q = 0, 1, R1 = 1 R e a = 20 R , os tempos de sincronização e circularização serão, respectivamente, tsinc ∼ 109 anos e tcirc ∼ 1011 anos como previsto pelas equações (6.1) e (6.2) emZahn(1977). Portanto, o tempo para a circula- rização é bem maior que o tempo para a sincronização. Essa diferença se deve à grande disparidade entre o momento de inércia com relação ao centro da órbita (∼ M1a2) e o momento de inércia em relação ao centro da estrela (I1 < M1R21). A diferença entre essas escalas de tempo para a sincro- nização e para a circularização é a razão pela qual a sincronização geralmente acontece antes da circularização das órbitas do sistema.

CAPÍTULO

3

DISCOS DE DETRITOS

O Sistema Solar é composto não apenas de planetas, mas também de numerosos objetos menores, cujo tamanho varia de alguns micrômetros até uns 2000 km de diâmetro, como Plutão e Eris. A tudo no Sistema Solar, exceto seus oito planetas, vamos nos referir aqui como disco de detritos, o qual está concentrado em dois cinturões, o cinturão de asteroides em 2-3,5 UA e o cinturão de Kuiper em 30-48 UA. Durante algum tempo existiu um debate sobre a forma de como diferenciar entre um planeta e um grande membro do disco de detritos (Basri & Brown 2006). Isto foi resolvido recentemente pela IAU1, que colocou os maiores membros do cinturão de asteroides

e do cinturão de Kuiper na categoria de planeta anão.

Os discos de detritos do Sistema Solar nem sempre existiram como os vemos hoje. Acredita- se que tanto o cinturão de asteroides como o cinturão de Kuiper possuíam mais massa no início de sua formação do que no seu estágio atual (Stern 1996eO’Brien et al. 2007, e referências). A histó- ria do Sistema Solar também pode ter sido pontuada por eventos que mudaram significativamente a população local de detritos, tais como colisões entre protoplanetas ou asteroides (O’Brien et al. 2007eCanup 2004). As evidências para esta evolução vêm de uma variedade de fontes: as órbitas dos planetas (Tsiganis et al. 2005), a distribuição do tamanho e da estrutura dinâmica dos cinturões de detritos (Bottke et al. 2005,Morbidelli et al. 2008), os registros de crateras, composição geoquí-

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de nosso planeta,Farley et al.(2006).

Apesar destas evidências, a evolução do disco de detritos do Sistema Solar ainda é muito debatida, particularmente no primeiro giga-ano, durante o qual o sistema planetário pode ainda estar submetido aos últimos estágios de acreção antes de chegar a sua configuração final. O estudo do disco de detritos do Sistema Solar é fundamental para juntar os eventos que levaram à sua formação e a sua própria evolução (Lissauer 1993).

Alguns sistemas extrasolares também são conhecidos por abrigar discos de detritos. O primeiro disco de detritos extrasolar foi descoberto pelo Infrared Astronomical Satelite (IRAS) a partir da emissão térmica de poeira aquecida pela estrela Vega (Aumann et al. 1984), mostrada na Figura (3.1). A partir de então ficou claro que várias centenas de estrelas nas suas proximidades também tinham uma população de poeira (por exemplo, Oudmaijer et al. 1992 e Mannings & Barlow 1998), incluindo β Pictoris, para a qual as imagens da luz espalhada pela poeira mostrou ter uma morfologia semelhante a um disco (Smith & Terrile 1984). Da mesma maneira que os asteroides e cometas no Sistema Solar alimentam a nuvem zodiacal2, (Mann et al. 1984), a poeira vista em torno de estrelas como Vega e β Pictoris devem ser continuamente reabastecida a partir de uma população de planetesimais maiores (Backman & Paresce 1993).

Durante muito tempo, os estudos sobre disco de detritos foram dominados pela estrela β Pictoris (Artymowicz 1997), porque este foi o único exemplo que poderia ser resolvido. No en- tanto, nas últimas décadas a capacidade de observação em todos os comprimentos de onda cresceu consideravelmente, o que levou a descoberta de inúmeros novos discos. Assim como a estrutura dinâmica do cinturão de Kuiper é indicativa da história do sistema solar, a morfologia detalhada e fotografada dos discos pode ser usada para inferir a história passada de seus sistemas (Augereau et al. 2001,Wyatt et al. 2003,Su et al. 2005), e pode até mostrar alterações em sua forma ao longo de décadas (Poulton et al. 2006).

Progressos significativos em nossa compreensão da evolução disco de detritos tem sido possível não apenas pelo aumento do número de discos imageados, mas também devido ao desen- volvimento de métodos para estimar as idades de estrelas próximas, de maneira sistemática e com

2Consiste de uma nuvem de pequenos grãos cujos tamanhos variam entre 1 e 10 m. A localização da poeira zodiacal

pode ser realizada através do fenômeno da luz zodiacal, o qual consiste na reflexão da luz solar pelos grãos de poeira da nuvem.

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Figura 3.1: Emissão térmica de poeira em torno da estrela Vega. Figura traduzida do artigoHolland et al.(1999)

crescente precisão (por exemplo,Zuckerman & Song 2004). Isto significa que o número crescente de discos de detritos conhecidos, mas não necessariamente discos resolvidos, fornecendo instantâ- neos de detritos presentes em uma variedade de diferentes estágios evolutivos, nos permite recons- tituir a sequência evolutiva que segue os 10 mega-anos ao longo da fase de disco protoplanetário, durante a qual ocorre a maioria dos processos de formação planetária.

Capítulo 3. Discos de detritos 45

a dependência da variação na massa da poeira com o tempo, inferida originalmente, pelos poucos sistemas já estudados (Zuckerman & Becklin 1993;Holland et al. 1999) fossem bem caracteriza- das (Spangler et al. 2001), mas também mostrando que discos de detritos brilhantes persistem até vários giga-anos,Decin et al.(2003). Estas estatísticas foram reforçadas por meio de estudos sub- milímetros (Najita & Williams 2005), e através de uma reavaliação das descobertas obtidas pelo IRAS (Rhee et al. 2007e referências). Com isso, vários modelos para estudar a evolução de discos detritos foram criados, permitido interpretar as observações em uma perspectiva de restos de discos protoplanetários (Klahr & Lin 2001), bem como, em termos de processos de formação planetária,

Com o lançamento em 2003 do Espacial Spitzer Telescope (Spitzer;Werner et al. 2004), o qual é sensível a níveis muito mais baixos de massa de poeira, foi possível aumentar de maneira significativa a quantidade de discos de detritos conhecidos. Os resultados obtidos pelo Spitzer permitiram uma avaliação quantitativa de diferentes modelos, bem como, proporcionaram um con- texto, no qual a avaliação da presença e da evolução de um disco, pode levar a um sistema planetário que, como o Sistema Solar, é capaz de sustentar vida. Esta avaliação visa consolidar a nossa com- preensão da evolução de disco de detritos, destacando um quadro teórico, no qual a evolução de discos de detritos ocorre, tanto do ponto de vista de como um disco de detritos nasce, bem como, do ponto de vista de sua evolução.

Na ausência de imagens mais detalhadas, a maioria das informações sobre discos de de- tritos ao redor de uma estrela é derivada da distribuição espectral de energia (SED), que inclui a emissão da poeira aquecida pela estrela. Normalmente, essa informação vem na forma de fluxos fotométricos em um ou mais comprimentos de onda. Dada a escassa informação disponível para a maioria das estrelas, é importante interpretá-la usando um modelo que tem o menor número de parâmetros livres possíveis. Pelo fato de as SEDs de discos de detritos conhecidos poderem (com uma razoável aproximação) ser descritas por um corpo negro a uma determinada temperatura (Hil- lenbrand et al. 2008), discos de detritos são passíveis de tal simplificação utilizando um modelo com dois parâmetros livres.

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