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Há uma falta de consenso na distinção entre tráfico de pessoas para exploração sexual e outros crimes. Consequentemente, verifica-se divergências nos números apresentados, tornando-se os mesmos, por vezes, poucos sólidos e fiáveis. Neste contexto, há uma discrepância entre a legislação e a prática. O tráfico de mulheres tem que enfrentar, por conseguinte, algumas dificuldades na sua definição, no seu entendimento e na sua caracterização. Precisamente uma das dificuldades está na ambiguidade relatada por vários autores entre tráfico de pessoase Auxílio à imigração ilegal (smuggling).

Estas organizações, ou indivíduos, têm ao seu dispor redes logísticas, para deslocar os imigrantes de um lugar para outro, oferecendo condições de alojamento, transporte, assistência na viagem, entre outras. Nos casos do auxílio à imigração ilegal, o indivíduo está consciente do contrabando e do transporte de um lugar para o outro e paga um preço para conseguir o seu objectivo.

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Normalmente a análise que caracteriza o crime de tráfico de pessoas com o objectivo de exploração direcciona-se para a tripartição entre ação, meios e fins. A sua apropriação nem sempre é feita da mesma maneira, visto que circundam outros assuntos ligados ao tráfico para exploração sexual como a migração e prostituição (Santos, 2012b).

Em seu estudo Simões (2009) relata que a maioria das vítimas de tráfico de pessoas são provenientes de países com grande carência económica e desequilíbrio social. Por outro lado, os traficantes têm maior estatuto económico, o que faz das vítimas objectos geradores de lucro. Sendo comum países da Europa de Leste, América Latina e África, serem os locais de origem da maior parte das vítimas de exploração laboral e sexual na Europa (Simões, 2009, p.2).

“(…) tem havido poucas investigações empíricas sobre como os membros da sociedade civil tem vindo a explorar o conceito de tráfico, o que tem efeitos diretos no facto das pessoas/vítimas/potenciais vítimas, procurarem ou não aconselhamento ou ajuda, assim como irá determinar como estas pessoas respondem às questões específicas para perceber se foram alvos de tráfico ou ‘simplesmente’ contrabandeados” (Kelly, 2005 apud Santos, 2012 p.36).

O auxílio à imigração ilegal ocorre quando o migrante paga a outrém para que lhe facilite a passagem de fronteiras, ou seja, é a entrada de pessoas para o país de destino por mecanismos ilegais (Sousa, 2012, p. 64). Embora o tráfico de pessoas possa implicar o auxílio à imigração ilegal, pressupõe como fator diferenciado a exploração da força de trabalho do indivíduo e o aproveitamento da sua condição.

Segundo Castells (2014, p.221), as tendências contraditórias de deslocação de milhares de pessoas a emigrar e o controlo de fronteiras mais rigoroso oferecem às organizações criminosas maiores oportunidades de acesso ao mercado do tráfico, através dos conhecidos coyotes41.

“O processo em que ocorre essa busca de oportunidades apanha, recorrentemente, os indivíduos em situação de extrema fragilidade e com poucas possibilidades de negociar as condições em que vão trabalhar. Nessas circunstâncias, poder-se-ia afirmar que os sujeitos prescindem de algo e cedem, sob coação, para obter qualquer míngua renda; e esse algo, não raramente, é a sua dignidade.” (Sousa, 2012, p.19).

41 Coyote, nome atribuído aos contrabandistas de imigrantes na fronteira entre o México e os Estados

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Por outro lado, nem todos os casos de tráfico são projectados para a prostituição, nem todos as que trabalham na prostituição são vítimas de redes de tráfico. O tráfico de pessoas é um crime em que os seres humanos são tratados como objectos, são negociados por uma rede, deslocam-se no interior e exterior do país e são submetidos a condições de exploração (Ibidem).

A existência das rotas de tráfico de mulheres para fins de exploração sexual está ligada à estreita relação entre a pobreza e desigualdades regionais. São nessas regiões probres que existem maiores incidências de mulheres aliciadas e exportadas para estes fins. As condições de vulnerabilidade em que essas mulheres se encontram, muitas das vezes com poucas possibilidades de negociar as condições que irão trabalhar, tornam-se um factor de motivação para as redes de tráfico, visto que, o que motiva a mobilidade destas mulheres é a necessidade de alcançar um projecto de vida melhor, atraídas por propostas de um bom emprego e melhores salários. No entanto a maioria possui baixa escolaridade, o que facilita a fácil abordagem com promessas enganosas por parte dos aliciadores, que à partida se apresentam como pessoas dignas de confiança.

Diante da complexidade do problema é importante destacar que se devem compreender as diversidades e os motivos que levaram o sujeito a tomar determinada decisão. Pois nem toda a procura de trabalho através de migrações constitui tráfico e nem todas as mulheres são aliciadas para a prostituição.

Numa abordagem marxista, este problema que leva o crime organizado a recrutar pessoas para exploração sexual está vinculado à ordem económica capitalista que, na teoria de Marx, é o conjunto do “Trabalho e Exploração” e é com base nesses dois fatores que resulta a riqueza capitalista, uma acumulação de capital extraída da mais-valia42 onde se encontra o lucro do capitalista.

A indústria do sexo, assim como a expressão “Comércio de pessoas” ou “Mercado sexual” entre outros termos, está associada ao tráfico de pessoas, um negócio

42“[…] o método de calcular a taxa de mais-valia é o seguinte: tomamos o valor total do produto e

igualamos a zero o valor do capital constante que apenas reaparece nele. A soma de valor restante é no processo de formação da mercadoria o único produto de valor realmente produzido. Dada a mais-valia, descontamo-la desse produto de valor para encontrar o capital variável. Procedemos inversamente, se édado esse último e procuramos a mais-valia. Sendo ambos dados, temos apenas de executar a operação final, calcular a relação da mais-valia para com o capital variável, m/v” (Marx, 1997, p. 333).

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que envolve compra e venda em que a mercadoria43. É a própria pessoa reflectida em, nada mais nada menos, que uma simples “coisa”.

“Com a valorização do mundo das coisas, aumenta em proporção direta a desvalorização dos mundos dos homens. O trabalho não produz apenas mercadorias; produz-se também a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria e justamente na mesma proporção com que produz bens. (...) O produto do trabalho é o trabalho que se fixou num objeto, que se transformou em coisa física, é a objetivação do trabalho. A realização do trabalho constitui simultaneamente a sua objetivação” (Marx, 2002, p. 111).

Na perspectiva de Marx, a mercadoria tem valor de uso e valor de troca, em que se tem valor de uso é porque satisfaz uma necessidade particular. Se relacionarmos ao tráfico de pessoas para exploração sexual, algumas autoras como Leal e Pinheiro (2007 p.18-19) esclarecem que esse valor de uso se baseia na qualidade, utilização e necessidade do consumidor, ou seja, o prazer proporcionado por meio dos serviços sexuais. Enquanto houver necessidade (cliente) aquela mercadoria (mulher) terá utilidade, as qualidades físicas da mercadoria definirão seu valor de uso.

O valor de troca caracteriza-se pelo valor quantitativo, pelos serviços prestados pelas trabalhadoras do sexo. O que Marx chama de trabalho improdutivo, ou seja, um valor de troca imaterial que se torna concreto, pois é produto de uma relação de exploração e escravidão. Para Marx o valor da mercadoria é determinado pelo tempo de trabalho necessário à sua produção; da mesma forma, é o valor da força de trabalho enquanto mercadoria (Leal e Pinheiro, 2007).

“o valor de uso de cada mercadoria encerra determinada atividade produtiva adequada a um fim, ou trabalho útil. (...) Como criador de valores de uso, como trabalho útil, é o trabalho, por isso, uma condição de existência do homem, independente de todas as formas de sociedade, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo entre homem e natureza e, portanto, da vida humana.” (Marx, 1997, p. 172).

Diante disto observa-se que, a rotina dessas mulheres é o sofrimento e a exploração sexual contínua, a limitação de seus direitos, o abuso dos seus corpos enquanto meras mercadorias, onde o objetivo é extração do lucro por parte dos que as exploram. Estas mulheres estão alienadas em sua intimidade, integridade, no qual a busca pelos seus serviços e pelo prazer de quem as procura, não passam de um valor de uso em um valor de troca obscuro, desigual e desumano.

43“Mercadoria é, antes de tudo, um objeto externo, uma coisa, a qual pelas suas propriedades satisfaz

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2.3 Estereótipos e sua representação social no tráfico de mulheres para exploração